A Flor Azul do Rio Gramame é a liga ou mais literariamente o liame encontrado com astúcia pelo escritor José Nunes para colar ou encai...

Perene como o rio

A Flor Azul do Rio Gramame é a liga ou mais literariamente o liame encontrado com astúcia pelo escritor José Nunes para colar ou encaixar em moldura de ficção o perene conflito de extremos sociais vivido e cada vez mais tenso e desumano num país inscrito entre os maiores exportadores de alimentos do globo. Perene como as águas do rio.

Nunes traz para os dias de hoje, num repasse fiel, a sucessão aparentemente remota de conflitos travados com armas desiguais entre camponeses e latifundiários da nossa Zona da Mata. Reproduz fielmente, pela narração de seu personagem, o quadro de revolta e repressão sofrido com o acudimento solidário de lideranças como a de Dom José, para citar um nome do Brasil.

E por que isto agora, decorridos mais de quarenta anos? Por que avivar a revolução que não houve e que o golpe de 1964, usando-a como pretexto, supunha soterrar seus líderes e suas ideias?

O jornal televisivo desta semana noticiou que 61 milhões de brasileiros não têm o que comer. Não foi notícia da defunta Classe Operária de fonte comunista. Foi notícia de jornal que fatura milhões e milhões com a propaganda ufanista do nosso campeonato mundial de exportação de alimentos. Alimentamos chineses, americanos, comércio, mesa e bocas de todo o mundo enquanto um terço dos que cantam o hino nacional e gritam gol come o que cai na cuia.

Socialmente, humanamente, cristãmente dá para entender? Nunes é um religioso, servo da Igreja, biógrafo de bispos; deve ter trazido de volta episódios históricos da luta solidária de Dom José por algum motivo de sensibilidade social e cristã.

José Nunes
O Rio Gramame com sua flor azul de ficção flui enramado de símbolos. Corre sem fim como a usura civilizatória, negando aos naturais a justa repartição da colheita na mesma proporção coletiva do trabalho de plantio. Era assim antes de nos imporem, escravizados, a civilização e a cultura pregada pela revolução burguesa. Leia-se o livro de Ireneu Ceciliano Joffily e veja-se como os Oliveira Ledo nos encontraram!

O Tibiriçá da narração ou da caderneta chegada às mãos do autor reconstitui, fielmente, o despertar da consciência camponesa, embrutecida por séculos de servidão, desde os primeiros conflitos do engenho Galileia, com fogueira em Sapé, com passagens por Alagamar e Maria de Melo ou por acampamentos camponeses nas barbas dos três poderes, para se perguntar, no final: “Terá sido em vão a nossa luta?”

Não faltaram autores para documentar como depoimento precioso (Assis Lemos) ou com tratamento historiográfico (Waldir Porfírio, Benevides, Nonato Nunes, Nelson Coelho) a revolta camponesa nordestina com seu estrépito maior onde atuaram João Pedro, Fuba, Pedro Fazendeiro, com a participação de Assis Lemos e lideranças da militância política. Do meu testemunho, foi o momento mais empolgante de conscientização social do trabalhador nordestino.

A ficção de José Nunes lampeja, sem limite de tempo, uma realidade pouco presente na leitura digital de hoje.

José Nunes

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