Edward Lear foi um pintor e ilustrador inglês que viveu no século XIX e que ficou famoso por divulgar uma forma de composição em vers...

Limeriques

limerique nonsense humor linguistica poesia
Edward Lear foi um pintor e ilustrador inglês que viveu no século XIX e que ficou famoso por divulgar uma forma de composição em verso em que mescla nonsense com humor absurdo. Essa composição poética se chamou limerique, nome talvez oriundo de uma cidade irlandesa chamada Limerick.

Um livro de limeriques que conheço de Edward Lear é tradução do inglês A book of nonsense, com o título Adeus, ponta do meu nariz!
limerique nonsense humor linguistica poesia
(organização e tradução de Marcos Maffei. São Paulo: Hedra, 2009), “com noventa desenhos e poemas sem sentido”. Aqui apresentamos um desses poemas, aleatoriamente escolhido, com a respectiva tradução (p. 15):

“There was an Old Person whose habits Induced him to feed upon rabbits; When he’d eaten eighteen, He turned perfectly green, Upon which he relinquished those habits.”
"Havia um velho senhor que tinha a mania de comer coelhos e mais coelhos todo dia; só que, depois de engolir dezoito, se viu verde de ficar afoito e teve que desistir dessa sua mania."

Pelo exemplo do original, vê-se que o limerique é uma composição poética monostrófica de cinco versos (quintilha), de rimas aabba. Os limeriques têm os versos 3 e 4 menores que os outros, com 2 pés. Os pés tradicionais no limerique são o anapesto e o anfíbraco.

O anfíbraco é mais raro na poesia em língua portuguesa. O objetivo do limerique é fazer humor com nonsense. No exemplo seguinte, não respeitei os tamanhos tradicionais dos versos:

Deixei de ser o que fui, Porque meu nariz é do Rui. Mas hoje fico contente: É meu e não dele o dente. Por isso meu riso flui.
Outro exemplo:

Eu pesquei um caracol Que comia um girassol. Meu ventre ficou florido Com a flor que ele tinha comido Mas fiquei sem meu anzol.
No meu primeiro exemplo dado, também não respeitei os pés tradicionais. Repare-se que, nele, o primeiro verso é constituído de dois jambos e um anapesto. No segundo verso, há um jambo e dois anapestos. Em toda a estrofe prevalecem esses dois pés. Aliás, na poesia brasileira, os pés que predominam são o jambo, o troqueu, o dátilo e o anapesto. Ocasionalmente, o pião primeiro e o pião quarto, mas raro é o anfíbraco.

Na estrofe seguinte, desrespeitei o número de sílabas e de versos, usando uma sextilha, mantendo, porém, a disposição das rimas:

A aranha Sobe a montanha Para almoçar. Come a picanha Com muita sanha Para engordar.
No Brasil o limerique também é cultuado com estrofes de duas, três ou quatro versos, além da quintilha e da sextilha. Vale dizer: o limerique passou a ser qualquer poema unistrófico de humor maluco. Eis aqui um limerique de quatro versos, como uma trova:

Eu sei que a vida me ensina Quando cometo besteira. Mas a chuva só cai pra cima Quando planto bananeira.
“Plantar bananeira”, aí, está no sentido de “ficar de cabeça para baixo”, com apoio nas mãos.

Eis um exemplo de limerique de três versos, como um haikai:

Não sei por que estou aqui. Mas tenho quase a certeza De que nunca existi.
Outros exemplos:

Vivem muito as tartarugas Porque seu casco as impede De ter rugas. Não sei por que sou assim: Mas tenho quase a certeza: Eu nasci antes de mim.
Seria interessante que o limerique tivesse muitos adeptos na língua portuguesa, não importando o número de versos da estrofe, para alegrar com seu humor maluco o coração dos leitores.
praia cerveja
José Augusto Carvalho, Mestre em Linguística pela Unicamp e Doutor em Letras pela Universidade de São Paulo, é autor de vários livros sobre língua portuguesa, entre os quais: Problemas e Curiosidades da Língua Portuguesa (2014) e Estudos sobre o Pronome (2016), ambos pela Editora Thesaurus, de Brasília.

COMENTE, VIA FACEBOOK
COMENTE, VIA GOOGLE

leia também