Nos estudos etimológicos, é frequente encontrar-se o folclore ou a imaginação dos mais afoitos. Fernão de Oliveira, no séc. XVI, aler...

Forrobodó

forro folclore forrobodo linguistica
Nos estudos etimológicos, é frequente encontrar-se o folclore ou a imaginação dos mais afoitos. Fernão de Oliveira, no séc. XVI, alertava contra as adivinhações que tentassem explicar as dicções portuguesas, como: homem, porque está no meio; mulher, porque é mole; tempo porque tempera as coisas; pássaro, porque passa voando, etc. (OLIVEIRA, Fernão de. A gramática da linguagem portuguesa. Edição de Maria Leonor Carvalhão Buescu. Lisboa: Imprensa Nacional / Casa da Moeda, 1975, p. 83).

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Entre devaneios etimológicos mais recentes estão dois outros que explicariam os termos gringo e forró.

O primeiro, gringo, a imaginação afoita pretende originar das primeiras palavras de uma canção americana utilizada pela cavalaria dos Estados Unidos, na guerra contra o México, no séc. XIX: “Green grow the rashes O / the happiest hours that here I spent / were spent among the lasses O.” (Cfr. BUENO, Francisco da Silveira.
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Tratado de semântica brasileira. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 1965, p.115.)

Os dicionários etimológicos de Corominas, de José Pedro Machado e de A.G. Cunha (o de Nascentes é omisso) atribuem a gringo uma variação de griego. O dicionário de Corominas, mais informativo e mais preciso, cita o dicionarista Esteban de Terreros y Pando, do séc. XVIII: “Gringos llaman en Málaga a los estranjeros, que tienen cierta especie de acento, que llos priva de una locución fácil y natural Castellana, y en Madrid dan el mismo nombre con particularidad a los irlandeses.” (COROMINAS. Diccionario critico etimológico de la lengua castellana. Marid: Gredos. 1976, s.v. griego)

Ora, se o termo gringo já estava dicionarizado no séc. XVIII e era de uso na Espanha, não se pode, de forma alguma, atribuir-lhe uma origem mexicana no séc. XIX, na época da guerra com os Estados Unidos. Naturalmente, a única dificuldade é explicar a nasalidade de gringo. Mas, em francês, o nome Gringoire (com nasal)
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— lembra Corominas, na obra citada — é forma alterada de Gregorio, que não tem nasal.

O segundo termo — forró — teve recentemente uma explicação fantasiosa: a de que teria por étimo a expressão inglesa for all. A explicação é talvez engenhosa, mas não convence, porque forró é apenas a forma braquigráfica ou reduzida de forrobodó (Cfr. Dicionário Aurélio, s.v. forró e forrobodó). O problema está, portanto, em explicar a origem de forrobodó, pois for all, aí, não explica nada.

É possível que forrobodó tenha nascido no Nordeste, por volta de 1882, segundo Câmara Cascudo, e tinha uma conotação original de desprestígio social, porque “nele tomam parte indivíduos de baixa esfera social, a ralé”, e, no Ceará, era um “baile da canalha” (Cfr. CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do folclore brasileiro. 5.ed. rev. e aum. São Paulo: Nacional, 1967, s.v.)

Macedo Soares, no Dicionário brasileiro da língua portuguesa (Rio de Janeiro: MEC/INL, 1954, v. 1, s.v. furrundu), acredita que forrobodó seja uma corruptela de farrobodó, de mesma raiz {far-} de farrundu (variante: furrundu), que designa “dança rasgada, ruidosa, sem preceito, desordenada”.
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Farrundu seria originário de {far-} (trapo, rasgão, desordem) + {lundu} (dança angolesa). Como membros da mesma família de farrobodó, com a raiz –{far-} --, Macedo Soares enumera, no verbete farpela (designativo de “prostituta reles, meretriz pobre e andrajosa”), os seguintes vocábulos entre vários outros: farpa, farrapo, farroupilha, farrusca, farândula, farfalha, fanfarrão e harpa.

Assim, forrobodó seria uma variação de farrobodó. Com relação ao primeiro elemento, {far-}, parece-me que é de mesma origem o vocábulo forró, ainda em curso no falar alagoano. No “Vocabulário e fraseologia”, que compõe a segunda parte do seu livro Dinâmica de uma linguagem (O falar de Alagoas) (Maceió: Universidade Federal de Alagoas, 1976), Paulino Santiago registra o verbete forró, socialmente estigmatizado, com o significado de “frouxo, lasso, relaxado, com particular referência às prostitutas”. Vê-se que o sentido da raiz {far-} permanece no termo forró, registrado por Paulino Santiago.

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Assim como farrundu seria formado de dois elementos, farrobodó ou forrobodó também teria dois elementos em sua formação. Se não há dúvidas quanto ao primeiro, forró (a mudança de /a/ para /o/ seria explicada por assimilação), como explicar o segundo?

No Dicionário Aurélio, está consignado o verbete bodó, de curso no Ceará, possivelmente alteração de bozó, que, entre outras coisas, significa – como na Bahia – “bruxaria” (s.v.), “despacho”, “macumba”. É possível, portanto,
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que forrobodó seja a junção de forró, “desordem”, com bodó, “macumba”.

Atentemos para o que diz Renato Mendonça, em A influência africana no português do Brasil (Rio de Janeiro: MEC/Civilização Brasileira, 1973, p.76): “A macumba no Brasil tomou incremento extraordinário principalmente no século passado, em que suas capitais eram a Bahia e o Rio. (...). Aliás, o africano aliava sempre os folguedos às suas manifestações religiosas, acompanhadas de expansões sexuais exigidas pelo ritual macumbeiro...”

Mais adiante, p. 80, o Autor informa:

“No começo do século XIX, a Bahia aos domingos fervia com atoarda dos batuques, e os senhores de escravos, indignados com a perturbação de seu repouso dominical, chegaram a ir ao Conde dos Arcos, então governador, para lhe pedir a extinção. E o Conde, em resposta, alegou que os batuques constituíam uma medida administrativa...”
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Assim, o forrobodó poderia ser a “macumba ruidosa e desordenada”, acompanhada de batuques e, naturalmente, de dança. Câmara Cascudo fala em forrobodança como sinônimo de forrobodó (CASCUDO, o.c. s.v. forrobodó). Isto é, forrobodó talvez não designasse originariamente a dança, mas apenas a macumba. Forrobodança seria forrobodó-dança, com redução haplológica (queda da sílaba , por ser semelhante à sílaba seguinte dan). A haplologia é comum no português brasileiro. Cfr. Pó deixar (“pode deixar”), ou cal de cana (“caldo de cana”), por exemplo.

Si non è vero...
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