Como hoje é quase um chavão, um lugar comum (que me desculpe o bardo inglês), dizer-se que há mais coisas entre o céu e a Terra do que possa conceber nossa vã filosofia, devo confessar que isso eu já havia constatado lá nos meus verdes anos quando uma mulher misteriosa apareceu pelos meus caminhos. Vou escrever algo que remonta àqueles dias, dizer alguma coisa dessa senhora cheia de sortilégios e lhes contar de uma situação no mínimo inusitada.
Quem seria ela?
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Segundo o meu amigo, essa cigana se alimentava de ovos crus, verduras e rabos de lagartixas. Tomava banho só em noites de lua cheia.
Ao lado do quartinho onde vivia fez um cercadinho onde plantava hortaliças e uma qualidade diferente de tabaco. Ela colhia as folhas desse fumo e as colocava ali mesmo num varal para secar. Depois moía a folhada desidratada, enrolava em palha de milho, acendia e passava horas dando suas baforadas.
Numa manhã de domingo, Ideto levou-me para conhecer o criadouro de lagartixas de Dona Zuleika. Alimentavam-se de larvas, e insetos. Fiquei espantado ao ver algumas sem rabo, outras com caldas menores, essas últimas, como se tivessem nascido há pouco tempo. O japonesinho explicou que a cigana só comia o rabo daqueles jacarezinhos. Depois esses apêndices voltavam a crescer naturalmente.
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Ideto, que estava acostumado com aquelas idiossincrasias derrubou-se em gargalhadas. Tive vontade de sair correndo, mas o desleixamento do meu parceiro conteve meus impulsos.
Depois ele explicou que Dona Zuleika, sempre que era apresentada a alguém tirava seu olho de vidro, só para ver a reação das pessoas. Deve ter se divertido com a minha.
Tive medo de voltar à casa de Ideto. Tive muita vontade de voltar lá. Lutei por uns dias com essa dicotomia. Até que lá para frente meu pai foi acometido de uma cólica renal. Lembramos das mezinhas de Dona Mitiko, a mãe de Ideto. Na verdade quem preparava essas garrafadas que curavam desde bico-de-papagaio até asma e bronquite era Dona Zuleika.
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Ideto repassou os ordenamentos. Ela imediatamente foi ao cercadinho e colheu uns ramos de folhinhas tenras. Colocou-o em uma chaleira de cobre cheia d’água, em seguida deixou esse recipiente sobre uma muretinha de tijolos. Não vai colocar no fogão? Perguntei ao japonês. Ela não tem fogão, ela não precisa, respondeu ele. E continuou: Fique olhando. Fiquei.
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Fiquei sem o que dizer. Para Ideto aquilo ela normal, estava acostumados às peripécias da agregada. Nem preciso contar que uma xícara daquele chá deixou meu pai ficou novinho em folha. Não ousei contar ao pessoal de minha casa como aquela química fora preparada. Se dissesse, meu depoimento iria reforçar a fama de mentiroso que eu vinha ganhando naqueles tempos.
No jantar daquela noite, minha mãe perguntou:
_ Como é essa tal de Dona Zuleika?
_ Muito boazinha – foi só o que consegui responder.