Inicialmente, faz-se necessário que listemos os personagens do causo. São três: Beto Manquitola, Dinorá, esp...

O juízo final

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Inicialmente, faz-se necessário que listemos os personagens do causo. São três: Beto Manquitola, Dinorá, esposa do dito cujo e Sebastião, conhecido como Bastião Borracheiro.

Beto Manquitola era escrevente de cartório, mas tinha mesmo a bossa da pescaria. Como gostava de pescar essa criatura! Tinha equipamento de primeira, dos molinetes importados às varas de fibra de carbono e toda aquela parafernália que se faz necessária a um pescador do quilate de Beto Manquitola. Para completar, instalara na edícula, ao fundo do seu quintal, um freezer de fazer inveja, onde cabia coisa que não acabava mais, Abastecia aquela caçamba refrigerada
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Celyn Kang
com seus pintados e tucunarés, porque é bom que se diga, nosso amigo em questão não era pescador-anzól-quebrado, mas sim um mestre nessa arte.

Ainda contando coisas do nosso escrevente-pescador, resta ainda falar de sua condução, seu veículo, aquele que usava para ir ao cartório ou ir às margens da represa de Jupiá. Tinha uma Brasília modelo 72, equipadíssima. A possante era rebaixada, com pneus de tala larga, som a quase cem decibéis, escapamento alterado para ter ronco estridente com a finalidade de avisar que estava chegando. Todo “chifrudo conformado” tem carro assim, pois o ruído do motor evita surpresas e flagrantes constrangedores. Beto não era essa segunda coisa, mas desconhecia que era a primeira.

Agora Dinorá. Gostava de uma missa, confessava e comungava toda semana. Verdade que era toda cheia de boniteza e amostrada que era uma danada. Tinha aquela fervura, própria das balzaquianas que sabem que ainda têm muita lenha para queimar. Pois, muito na surdina, discretamente, e de acordo com as conveniências, sempre que lhe ordenavam os hormônios colocava uma peruca de touro no pobre do Beto Manquitola.

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Já o Bastião Borracheiro, como se fazia nos “antigamentes”, acoplara ao nome seu ofício. Tinha estabelecimento na entrada da cidade de Itapura, localidade onde se passa o causo. Era um homão espadaúdo, bem nutrido e cuja anatomia era promissora ao olhar feminino no quesito atender certas necessidades que o leitor e a leitora, certamente já imaginaram quais sejam...

Eram os dois, amigos e parceiros no jogo de truco. Beto Manquitola e Bastião Borracheiro formavam uma dupla imbatível nessa modalidade de carteado. Algumas vezes o baralho ganhava serventia num canto espremido da borracharia, noutras vezes na varanda de Beto Manquitola.

Tudo corria como em mar de almirante, só que certo dia, São Gangulphus da Borgonha, que é o santo protetor dos maridos traídos, teve uma aparição num sonho do nosso escrevente avisando que a esposa estava botando chifre nele (no Beto e não no santo). Ah, nem conto: Beto acordou furioso e foi para o trabalho cheio de minhocas na cabeça. Todo desconfiado com a mensagem do santo foi logo pensando que Dinorá estava mandando às favas o sétimo mandamento na alcova do padre, ou na deles, o que era mais humilhante.

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Já dizem (eu disse: dizem!) que a dúvida dói mais do que o chifre propriamente dito; e, então, Beto pegou seu 38, que estava no porta-luvas, deu partida na possante e foi até a casa paroquial, “O padre saiu faz pouquinho”, disse uma beata. ”Os safados estão lá em casa”, conjecturou.

Tomou o rumo de casa. E chegou chegando com o trabuco na mão. Dinorá estava deitada na cama do casal com aquela lingerie encarnada onde parecia estar escrito “vem-cá-meu-bem”. Cadê o padre? Que padre Betinho? Betinho, coisa nenhuma, quero saber onde o padre está escondido. Tá louco meu amor, é pecado pensar assim, Pecado é que você estava fazendo ou já fez com essa roupa de rapariga. Eu estava cheia de vontade esperando você, juro!
Não houve juramento, falso ou verdadeiro, que demovesse Beto Manquitola de sua ira, e; então, pasmem, nosso chifrudo de plantão mandou um balaço na testa de Dinorá. De imediato começou a procurar o padre. Nada de padre. Vendo a besteira que fizera...

⏤ Mulherzinha querida, me perdoe, não acreditei no seu juramento. Você devia estar me esperando, cheia de amor e olha o que eu fiz… E mandou outro balaço, agora na própria testa.

Já lá em cima, aguardando a vez de conversar com o santo que guarda a chave do céu, ficou sabendo que Dinorá estava sendo atendida no departamento feminino. Eis que quem aparece: Bastião Borracheiro! E surpreso já foi perguntando:

⏤ Morreu do que Beto? – perguntou o parceiro de truco.
⏤ Me matei depois de matar minha mulher. E você, Bastião?
⏤ Morri congelado.
⏤ Congelado em Itapura? Lá é um calorão do Capeta.
⏤ É que Dona Dinorá me colocou no freezer para eu me esconder de você e ela não teve tempo de destrancar aquela porcaria.

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