O Brasil, que, desde a República, tanto se esforça em imitar os Estados Unidos, mais no mal do que no bem, diga-se de passagem, nun...

A Academia e seu benfeitor

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O Brasil, que, desde a República, tanto se esforça em imitar os Estados Unidos, mais no mal do que no bem, diga-se de passagem, nunca deu bolas para o mecenato, uma saudável prática dos milionários americanos. Aqui, o rico se preocupa em acumular para a descendência, e a sociedade, que o enriqueceu, que se lixe. Tudo para a família, nada para a cidade ou o país. E assim, vai-se perpetuando a cultura do patrimonialismo, do egoísmo e da prevalência do privado sobre o público. Tristes trópicos tupiniquins.

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Universidade de Harvard Muns
O que seria de Harvard, a célebre universidade americana, não fossem as vultosas doações de seus ex-alunos bem-sucedidos? E os museus, cujos acervos vieram e vêm dos grandes colecionadores particulares? E assim hospitais, centros de pesquisa e instituições semelhantes. É o dinheiro gerando benefícios para a população e posteridade para os benfeitores. Sim, porque o nome dos mecenas se eterniza nas obras que propiciam, não raro até mais do que o de alguns presidentes medíocres. Os políticos, parece, ainda não se deram conta de que os investimentos na cultura geram mais dividendos, em termos de biografia, que, por exemplo, as estradas e as pontes, também importantes e necessárias, claro, mas normalmente destinadas ao esquecimento no que se refere aos seus responsáveis. Entre nós, o ex-ministro Sérgio Rouanet é mais lembrado pela lei de incentivo à cultura que leva seu nome que o construtor da ponte Rio-Niterói. Cultura pode não dar voto, mas dá reconhecimento e respeito.

Em terras paraibanas, ainda hoje se fala no Plano de Extensão Cultural do governo Pedro Gondim, nos anos 1960. E a passagem de Tarcísio Burity pelo Palácio da Redenção é recordada principalmente por suas iniciativas no âmbito da cultura. O Espaço Cultural, a Orquestra Sinfônica, o
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João Azevedo
Mercado de Artesanato estão aí à vista de todos, reverenciados com o selo da consagração coletiva. Até nisso, vê-se, as coisas do espírito duram mais que as da matéria.

Agora, o governador João Azevedo faz a sua parte, garantindo à Academia Paraibana de Letras a anexação à sua tradicional sede, na Duque de Caxias, de dois imóveis vizinhos, a ser restaurados para a subsequente instalação do Memorial de Augusto dos Anjos. É um presente ofertado não apenas à APL, mas também à cidade, à Paraíba e ao Brasil, dada a dimensão nacional do poeta do Eu.

É possível que o gesto, apesar de importantíssimo, não renda muitos frutos eleitorais para o governante. Mas que importa? Esse olhar de longo alcance e não imediatista é o que distingue os verdadeiros estadistas, ou seja, homens dotados da chamada “visão de Estado”, aqueles que governam sem pensar exclusivamente na eleição de amanhã e sim no autêntico “bem público”, esse “bem” nem sempre lembrado no cotidiano dos gestores.

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Luiz Augusto Crispim
A União
Luiz Augusto Crispim e Gonzaga Rodrigues, com a ajuda de alguns confrades, cuidaram da implantação e da consolidação do Memorial hoje existente na Academia. Com os poucos recursos disponíveis, fez-se muito, porque fez-se o possível, e fazer o possível é já uma forma de fazer bastante. Foi um trabalho paciente, perseverante, e sempre inspirado pelo senso de humildade, pois sabia-se, desde o início, que não havia como fazer-se nada grandioso, à altura da importância do bardo. Seria um Memorial na medida da APL e da própria Paraíba, sempre modestas em suas disponibilidades e manifestações. E o resultado está lá, na velha casa da antiga Rua Direita, como um pequeno museu à disposição de paraibanos e turistas, devotos do moço do engenho Pau D’Arco, melancólico, sim, como são todos os poetas, mas não o tempo todo, de acordo com o testemunho de Ademar Vidal, seu aluno de aulas particulares.

O atual presidente Ramalho Leite conseguiu uma proeza: adquiriu, com as contribuições dos colegas acadêmicos, uma rara primeira edição do Eu, uma das peças mais valiosas do Memorial, sonho longamente acalentado pelos integrantes da Casa. E assim o acervo vai crescendo, de tijolinho em tijolinho colocado na construção que nunca acaba. Na Academia Brasileira de Letras, a despeito dos muitos recursos,
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Ramalho Leite
também não foi fácil a reunião de móveis e objetos pertencentes a Machado de Assis, atualmente ao dispor do público no edifício anexo ao Petit Trianon.

Falar na ABL, sabe-se que foi o rico livreiro Francisco Alves que doou à instituição a maior parte de sua fortuna, deixando-a em condições de financiar-se autonomamente. Mas o belo imóvel do Petit Trianon, atual sede da Academia, foi doado pelo governo francês, que o construiu para a Exposição Internacional de 1922, comemorativa do centenário da independência do Brasil, na presidência do paraibano Epitácio Pessoa.

A Academia paraibana permanece à espera de seu Francisco Alves. Mas já vai se regozijando com a benemerência do governador João Azevedo, cuja imortalidade (não acadêmica, é verdade) está garantida pela eterna gratidão a que faz jus.


PS: O médico Manoel Jaime, pessoense dos mais apaixonados, está muito feliz com tudo isso. E todos nós também, é claro.


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  1. Obrigado, Frutuoso.

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  2. Obrigado, Raniery.

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  3. Obrigado, Milton.

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  4. Samuel Amaral15/9/25 15:43

    Louvável a iniciativa do governador João Azevedo. Como você bem disse, Gil, certamente isso não atrairá dividendos eleitorais para ele, mas o gesto fala por si, digno de um estadista.

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  5. Obrigado, Samuel.

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  6. Obrigado, Lúcia.

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