Por quinze anos assinei a página semanal Prisma do Jornal O Progresso de Tatuí. Esta coletânea de entrevistas virou um livro “Prisma” e um blog. Neste trabalho a cidade interagia comigo por meio de entrevistas semanais, mas não só, minha trajetória beat, hippie, easy rider me permitiu realizar as entrevistas onde eu estivesse, do Brasil ou do exterior. E desta época trago a entrevista que fiz com Bruna Lombardi:
Cristina — Com nome de imperatriz, Bruna Patrizia Romilda Maria Teresa Lombardi, como se fez a síntese de seus múltiplos talentos em Bruna Lombardi?
Bruna Lombardi
Trancoso possibilita o exercício disso, da busca da essência. Trancoso, ao mesmo tempo que é over, é essencial. Te dá o sumo, o supra-sumo. Você é tomado pela lua cheia e, se você sabe ver, a natureza te dá, ali. O fluir pode vir de um sorriso na rua. Pode vir do vendedor de colar de conchas, da morena que passa — é a cidade se manifestando.
Cristina — Do livro O perigo do dragão, de sua autoria, pincei: “... na dimensão perigosa de onde se extrai o destino.” Você acredita em destino? E se já está tudo escrito, a gente pode mudar?
Bruna Lombardi
Cristina — Quando e como Trancoso aconteceu no seu destino?
Bruna — Com certeza já estava escrito. Todo grande amor é à primeira vista, mesmo que racionalmente a gente não perceba isso. A emoção, a intuição, tudo vem antes. A primeira sensação que eu tive foi da grande simplicidade e grandiosidade de Trancoso.
O céu com zilhões de estrelas. Trancoso e eu somos uma extensão, assim. Pessoas muito legais foram atraídas para cá. Trancoso atraiu pessoas com sua arte. Trancoso cresce bem com pessoas apaixonadas. É um lugar muito mágico e as pessoas sentem isso.
Cristina — Como é o teu processo de trabalho aqui?
Bruna — O meu primeiro passo é esvaziar a cabeça e me deixar contaminar pelo lugar. E daí, ter uma pequena disciplina, mas sem exagero. Aqui eu já plantei muitas árvores. Sou fascinada por plantar árvores. Acho árvores tudo de bom. O mistério das árvores me fascina. Acho lindo o fato de estarmos usando a sombra de árvores plantadas por pessoas que chegaram antes de nós. Temos por obrigação plantar árvores e deixá-las para quem vem depois.
Trancoso (Bahia) Leonardo Quintino
Bruna Lombardi
Bruna Lombardi e Carlos Alberto Riccelli
Bruna — Eu moro em Los Angeles há 17 anos. Fui para lá estudar cinema. Neste tempo o Brasil passou por várias fases. Acho que o Brasil está em um momento extraordinário. É um país que vai depressa. A consciência do fazer bem está muito clara para muita gente agora. Está num grande e bom momento.
Cristina — Poesia, poetisa...
Bruna — Eu acho que tem a coisa de trabalhar com a síntese da delicadeza. A delicadeza é uma síntese. A poesia tem uma fragilidade, é como uma pétala frágil e delicada.
Tenho sete livros publicados, alguns de poesia e tal, e sempre tenho um retorno de pessoas que leem. Um dia, no aeroporto de Barcelona, fui abordada por um jovem que naquele momento estava lendo um livro meu. Incrível a coincidência, foi um momento de grande prazer, um “de repente” bom.
A poesia tem a coisa de estar num sussurro do travesseiro das pessoas. A sensação de intimidade. A novela envolve por um momento, mas não tem a profundidade com as pessoas, um lugar.
Cristina — Olha isso que lindo...:
“Corpos, destroços, resíduos e ossos...
detritos, dejetos funestos, o lixo dos restos...
tudo apodrece, só o amor se conserva...
nosso amor é a última reserva...”
(do livro Filmes Proibidos, de Bruna Lombardi)
Bruna — Nossa, Cris, nem lembrava que isto é meu. Veja, Riccelli, fora de contexto nem sei o que é meu. Por favor, leia novamente para mim.
Bruna Lombardi e Carlos Alberto Riccelli
Bruna — “Toda maneira de amar vale a pena”. Qualquer tipo de amor... a joaninha trepando com outra joaninha, como naquele clipe que acabamos de ver. Amor é sentimento sagrado, o sentir em qualquer direção. A coisa do todo. Tudo o que a gente faz, o desejo de dar amor. O amor é de uma generosidade e dedicação imensas. O amor universal mesmo, o amor para o universo.
Cristina — Eu amo Trancoso. E você?
Bruna — Acho que Trancoso é um lugar que tem a possibilidade de ver como as coisas poderiam ser. Muitos lugares foram desvirtuados e se perderam em outras direções. Trancoso preserva a simplicidade, a beleza do simples. As pessoas são naturalmente talentosas. Toda essa energia e essa magia fluem natural. Trancoso segura a onda.
Trancoso (Bahia)Rafael Vianna Croffi