A crônica, a que é fruto da subjetividade, infunde bem mais vivência (e certamente por isso) do que a sua versão historiográfica. Corio...

Dívida com os mestres e leitores

A crônica, a que é fruto da subjetividade, infunde bem mais vivência (e certamente por isso) do que a sua versão historiográfica. Coriolano de Medeiros, corógrafo no tempo em que esse nome dava mais prestígio, escrevendo tão seguro quanto o mestre B. Rohan, identifica-nos com a alma da terra, com o nosso jeito um tanto desligado de ser — mais pela crônica do que mesmo pelos seus elaborados estudos e pesquisas de estilo ensaístico.

Vim entrar na vida da cidade, sentir-me em casa, primeiro pela sombra acolhedora com que, há mais de meio século, as duas praças da chegada me aguardavam. O ônibus, como de propósito, nos desembarcava na Pedro Américo, geminada, por obra que presumo de Camilo de Holanda, pela frondosa cumeeira de oitizeiros da Praça Aristides Lobo, com aquela escadaria culminada na estátua do republicano. E, para quem, como eu, vinha dos verdores de Alagoa Nova, não podia haver recepção mais generosa. De lado da praça, um edifício igualzinho aos da Avenida Rio Branco — nessa época, a mais propagada passarela do Brasil, estampa do sabonete Eucalol.

Entrou nisso também o pomar urbano de mangueiras e jambeiros enfileirando-se pelas ruas saídas da Lagoa, franqueado a todas as mãos, varas e pedradas. E, com a continuação, pela antiga conversa de calçada refletida na apanha dos seus cronistas. Havia um deles, Juarez Batista, que, mesmo engravatando a sociologia da moda — de novo prestígio cultural —, não conseguia safar-se do provincianismo ilustrado e amoroso das suas origens. E soube tecer, ao modo de um impressionista ou de um subjetivismo liricamente figurativo, os ícones da nossa cultura e do nosso bem-viver.

Não só José Américo, não só Zé Lins — os da sua paixão literária —, como os do seu convívio: os Peixoto de Romero, os Boto de Menezes, os Soares, os Holanda, a italianada, sem esquecer o fidalgo de bolsos lisos Alberto Abath, irmão do eterno pároco da nossa catedral, vendedor de pequenos anúncios. Sem esquecer também figuras polêmicas e legendárias, como o coronel José Pereira, flagrado já velho, ordeiro, numa porta de hotel do Recife, dissociado da coivara cruenta que separou a Paraíba, com resquícios que sobram até hoje.

Essa crônica de Juarez, iniciada em O Norte de 1950, retomada nos quatro anos em que dirigiu A União, onde pontificavam — transcritos do Recife e do Rio — Humberto de Campos, Rubem Braga, Genolino Amado, Henrique Pongetti e um reacionário imperdível, autor de um dos livros mais bem escritos do Brasil, Lições do Abismo, Gustavo Corção. Essa crônica de Juarez nunca chegou a ser reunida e trazida ao leitor de hoje. E nisso me sinto culpado, quando já me acho sem fôlego para folhear jornais velhos.

Dele, mesmo a crônica menos elaborada deixa ver a caracterização particularíssima da cidade, hoje, como no mundo todo, refogada por novas “culturas”, novos hábitos e alienações.

De Virginius da Gama e Melo, quando Paulo Melo esteve à frente do setor cultural do Estado, foram editados seus ensaios críticos e o romance. O valiosíssimo acervo de crônicas, recolhido por uma sua colega de universidade, é como se ainda estivesse por ser levantado, dormindo em algum armário.

E o mais sério é que se esbanjam louvores a essa queda particularíssima da cidade pelo gênero crônica, que brota aqui como o abacaxi e a manga nessa réstia meio arenosa da nossa mata litorânea.

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