Livros e filmes, pelo menos os que apreciamos de forma mais fervorosa, estão aí para deixar uma marca indelével em nossas vidas. Ficam ali colados como uma tatuagem e vez ou outra, basta uma fagulha, para que essas lembranças se transformem num braseiro da maior quentura.
E quando um de seus livros preferidos se transforma em filme e este vai tomar assento nas primeiras poltronas de suas preferências? Estou aqui, no caso, me referindo a Zorba, o grego; livro de Nikos Kazantzakis (1863 – 1957), publicado pela primeira vez em 1946. A obra virou filme que veio às telas em 1964 e foi dirigido por Michael Cacoyannis (1921 – 2011). Tanto o filme como o livro, estão em minhas duas galerias dos “10 mais”.
20º Century Fox
Mas, para justificar esses pormenores de minha intimidade, é urgente que eu vá linhas à frente dando uma vaga ideia do enredo dessa fita rodada em preto e branco na ilha de Creta, lá no mar Egeu. Então uma pequena sinopse:
Um jovem escritor, Basil (Alan Bates) vai até a ilha de Creta para explorar uma mina de linhito que herdara do pai. Na viagem turbulenta de navio encontra o nativo Alexis Zorba (Anthony Quinn) que se diz especialista em mineração que acaba conseguindo emprego com o jovem forasteiro. Aí começa a convivência do intelectual amante dos livros, mas ingênuo quanto aos mistérios da vida com o homem rude de poucas letras, mas sábio onde exatamente faltava experiência ao seu novo patrão.
20º Century Fox
Mas e a mina? E o empreendimento?
Quando começam os trabalhos, Basil, que tinha ideias progressistas, é advertido por Zorba que o avisa para manter a distância dos contratados para que o respeitem. Na mina, Zorba e Basil descobrem que as madeiras de sustentação estão podres e pode ocorrer um desabamento. Precisam de lenhos novos e estes podem ser encontrados no alto de uma montanha em propriedade de monges ortodoxos. Zorba convencesse os religiosos a autorizarem a derrubada de árvores e projeta uma espécie de teleférico, que permitirá transportar os toros montanha abaixo. Basil concorda com os planos e constroem o teleférico, mas a estrutura deste não suporta os troncos descendo velozmente e o teleférico desaba.
20º Century Fox
Tentei um resumo da obra (e do filme) ciente que tive de omitir passagens importantes, mas cheguei até aqui para mostrar onde, para mim, o filme supera o livro. É na música que é tocada nas últimas cenas para que os amigos dancem que faz toda a diferença entre o filme e o livro.
Zorba ensina Basil a dançar ao som dos acordes da composição de Mikos Theodorakis (1925 -2021). Essa música se popularizou e é dançada hoje em salas requintadas ou em praças públicas. E o que esta melodia traz ao coração deste escrevinhador? Ah, meus amigos, minhas amigas. Estas significam para mim, tanto a música como a dança, a magia do recomeço. Quando há um túnel escuro à minha frente, esse som pode ser uma luz, um poderoso suplemento a me dar forças para um reinício. Assim como aconteceu com Basil.
Já me vi algumas vezes percorrendo as tenebrosas veredas da desesperança, por perdas irreparáveis de entes queridos ou mesmo de bens materiais quando me vejo incapaz de reavê-los. Nesses momentos, isolo-me. Aí recorro à trilha sonora de Zorba e como aqueles dois tresloucados fizeram naquela praia deserta, danço! Sim, isso mesmo. Sem que ninguém veja para não pensarem que enlouqueci, tento imitar aqueles passos de Anthony Quinn e Alan Bates e danço a balada de um novo recomeço! É minha forma solitária de não desistir da vida e encontrar forças para seguir em frente. É por isso que ainda consigo estar por aqui.