A irracionalidade humana pode ser estudada por meio da interconexão entre o ódio na política e a desigualdade social, com o aumento da demência dos cidadãos, desde que as políticas públicas e o estado de saúde mental deles se tornam uma anomia e uma doença psíquica de alguns. Essa relação se manifesta no aumento do declínio cognitivo e da perda do senso crítico-político de muitos, impactando a má saúde financeira e a qualidade de vida da população.
A demência política descreve processos de degradação da racionalidade coletiva. Refere-se a um processo estrutural em que as instituições, partidos políticos e lideranças perdem a capacidade de refletir, deliberar e decidir de modo coerente, racional e orientado para o bem-estar social. Trata-se, portanto, de um fenômeno que articula irracionalidade, autoritarismo e a corrosão da legitimidade democrática, configurando-se como uma patologia social.
Nesse processo, o espaço público é progressivamente degradado; as instituições veem-se privadas de sua autoridade simbólica e normativa; e a política é corrompida por forças irracionais — sejam elas os perversos interesses privados ou a manipulação discursiva ideologizada no medo e no terror. Do ponto de vista teórico, esse conceito é estudado por meio de diferentes teorias da Sociologia e da Ciência Política.
O economista e jurista alemão Max Weber (1864–1920), em sua obra Economia e Sociedade, estabelece que o Estado moderno cria sua legitimidade na racionalidade formal-legal, cuja coesão reside na impessoalidade normativa e na previsibilidade do ordenamento jurídico. Esse modelo configura-se como antítese tanto do patrimonialismo — marcado pela confusão entre a esfera pública e os interesses privados — quanto da dominação carismática, fundada na irracionalidade das paixões coletivas e na excepcionalidade subjetiva do líder.
Todavia, quando tal racionalidade se vê fragilizada pela infiltração de práticas personalistas ou pela ascensão de discursos de ódio, a ordem política se direciona para uma patologia social: instala-se a “demência política”. Essa doença traduz o colapso das leis na esfera pública, isto é, a dissolução da razão comunicativa em favor de impulsos irracionais que corroem os segmentos da vida institucional. O resultado é a emergência de uma irracionalidade coletiva, acompanhada pela progressiva “esclerose institucional”, condição na qual as estruturas do Estado — antes concebidas como meios racionais de regulação — tornam-se rígidas, incapazes de se renovar e de responder aos imperativos e às necessidades vitais da vida social.
Assim compreendida, a fragilização da racionalidade formal-legal não representa apenas uma falha ou dano administrativo, mas uma regressão civilizacional: o retorno de forças dissociativas que submetem a política ao império da afetividade destrutiva e da personalização do poder repressor. Nesse cenário, a política deixa de ser espaço de mediação racional de conflitos e converte-se em luta de irracionalidades, nas quais o discurso do ódio impõe argumentação discriminatória ou depreciativa, e a arbitrariedade ou brutalidade substitui a legalidade.
O filósofo italiano Antonio Gramsci (1891–1937), em seus Cadernos do Cárcere, conceitua a crise de hegemonia como o momento histórico em que as classes dirigentes perdem a capacidade de exercer direção moral e intelectual sobre a sociedade, rompendo a estrutura do consenso que sustenta a ordem política. Nesse vácuo de legitimidade, surgem soluções autoritárias e regimes de exceção, nos quais a força destrutiva substitui a persuasão e a coerção substitui a autoridade ética.
É nesse processo que se pode compreender a “demência política” como a incapacidade estrutural de articular consensos duradouros, instaurando uma paralisia institucional e cultural que se expressa no célebre diagnóstico gramsciano do interregno: o intervalo trágico no qual “o velho morre e o novo não pode nascer”. Tal suspensão histórica, marcada pela ausência de governabilidade e pela erosão das mediações políticas, converte-se em discursos irracionais, teorias conspiratórias e soluções messiânicas que intensificam a desagregação social, sem resolver a crise.
Assim, a “demência política” não se limita a um colapso momentâneo da racionalidade pública, mas representa o sintoma de uma crise civilizacional: o esvaziamento das formas tradicionais de legitimação e a incapacidade de gestar novas instituições capazes de restaurar o equilíbrio entre direção política e consenso social. O interregno gramsciano é uma condição ontológica de suspensão — isto é, da realidade e da existência — que responde a perguntas sobre o que existe, como existe e quais são as características fundamentais da existência, em que a própria racionalidade histórica se encontra ameaçada pela irrupção do irracional e pela captura da política por forças de regressão cultural.
Na tradição crítica contemporânea, Jürgen Habermas (1929), filósofo e sociólogo alemão, em sua obra Teoria do Agir Comunicativo, sustenta que a vitalidade da esfera pública democrática repousa na prática do agir comunicativo, isto é, na interação discursiva orientada pela busca de entendimento racional entre cidadãos livres e iguais. Isso constitui, em seu núcleo, um espaço normativo no qual a legitimidade política não deriva da coerção, mas da força do melhor argumento.
Contudo, quando os sistemas político e econômico instrumentalizam as normas em benefício de interesses estratégicos e egoísticos, a racionalidade comunicativa é progressivamente colonizada por ideias sistêmicas, cedendo terreno à propaganda, ao marketing e à manipulação simbólica. Nesse cenário, a política deixa de ser arena de deliberação racional e transforma-se em espetáculo midiático, regido pela imagem de desempenho, pelo sensacionalismo e pela fabricação de consensos artificiais.
É nesse fenômeno que se pode falar em “demência política”: a degradação da razão pública em meio a narrativas enganosas, notícias falsas e estratégias de polarização extrema que corroem a possibilidade de diálogo autêntico. A política, reduzida a um simulacro de deliberação — imitação de algo que não tem uma realidade própria —, converte-se em espaço de dissonância e manipulação, no qual a verdade perde o grau de realidade de um fenômeno e cede imagem à circulação de qualquer coisa que comunique um significado que não seja a própria identidade.
Assim, a “demência política” habermasiana não se configura apenas como ausência moral ou cognitiva dos atores sociais, mas como sintoma de uma patologia sistêmica: a colonização da esfera pública pelos imperativos funcionais do poder e do capital, que convertem a comunicação em mercadoria e a opinião pública em objeto de engenharia estratégica. O resultado é uma sociedade em que a razão comunicativa — fundamento da democracia deliberativa — encontra-se obscurecida pela ideologia da instrumentalização, gerando espaço para a selvageria, a brutalidade e a desumanidade discursiva deste século.
A filósofa alemã Hannah Arendt (1906–1975), em sua obra seminal Origens do Totalitarismo, demonstra como massas sociais atomizadas e desprovidas de vínculos comunitários podem ser instrumentalizadas por líderes capazes de fabricar inimigos imaginários, instaurando uma ideologia de permanente hostilidade. Para Arendt, a erosão do espaço público plural — entendido como arena de visibilidade recíproca, de debate e de ação política — resulta na incapacidade de distinguir entre fato e opinião, entre racionalidade compartilhada e propaganda manipuladora.
Essa dissolução da esfera pública constrói não apenas a crise da verdade em fatos, mas também a degradação do próprio senso político, abrindo caminho para formas de dominação em que a mentira adquire estatuto de realidade e a violência se apresenta como inevitável. Nessa situação, emerge a noção arendtiana da banalidade do mal: não o mal demoníaco, mas aquele que se manifesta de modo prosaico e vulgar, na obediência cega, na suspensão da reflexão e na aceitação acrítica de narrativas impostas pelo medo ou terror.
A “demência social”, nesse processo, pode ser entendida como a incapacidade coletiva de sustentar critérios racionais de discernimento, resultando na normalização do absurdo e na legitimação do inaceitável. Arendt revela, assim, que esse sistema político — conhecido por totalitarismo — é o controle absoluto da vida pública e da vida privada, que centraliza nos líderes do poder a atuação do Estado em si mesmo. Essa governabilidade não nasce apenas da vontade opressora e tirânica de um líder, mas da convergência patológica entre cidadãos sem senso crítico, instituições fragilizadas e a corrosão do espaço público — um processo em que a razão perde seu lugar e a política se converte em administração da irracionalidade.
O sociólogo polonês Zygmunt Bauman (1925–2017), em sua obra Modernidade Líquida, interpreta a “demência política” como expressão da fluidez e da fragilidade estrutural próprias deste século XXI, nas quais a inconstância, a instabilidade, a mutabilidade, as incertezas e a volatilidade institucional se tornam traços constitutivos da vida pública. Nesse cenário, a política assume uma forma líquida, destituída de consistência duradoura, marcada por decisões imediatistas, sujeitas a pressões midiáticas e a oscilações de opinião moldadas pelo consumo rápido de informações.
Essa liquefação da política produz instabilidade crônica: as instituições perdem densidade histórica, a memória coletiva se fragiliza e as referências normativas sólidas se dissolvem. A deliberação democrática, em vez de ancorar-se em valores compartilhados e em processos reflexivos de longo prazo, converte-se em gestão conjuntural de urgências, subordinada ao ritmo curto da visibilidade pública.
Nesse processo, a “demência política” manifesta-se como desorientação coletiva: a incapacidade de construir projetos políticos comuns e de sustentá-los de forma estável em meio a um mundo governado pela transitoriedade e pela condição do que está próximo de se tornar ultrapassado ou obsoleto. Bauman sugere, assim, que a modernidade líquida não apenas fragiliza laços sociais e identitários, mas também compromete a própria racionalidade política, transformando-a em um campo de fluxos inconstantes, sempre a favor de forças externas que corroem a possibilidade de coesão e continuidade.
O filósofo francês Michel Foucault (1926–1984), em Microfísica do Poder, problematiza a “demência política” como sintoma da falência da racionalidade governamental, isto é, da incapacidade de manter a política como exercício regulado de poder mediado por normas e instituições. Nesse ponto de ruptura, a governamentalidade — entendida como arte de conduzir condutas, estruturada pela racionalidade normativa — é substituída por lógicas de exceção, em que dispositivos autoritários reconfiguram o campo político a partir da suspensão das garantias jurídicas e da prevalência da força.
Para Foucault, esse deslocamento revela como o poder se rearticula em formas mais difusas e violentas, convertendo-se em mecanismos de disciplinamento, vigilância e controle que esvaziam a legalidade em nome da segurança, da ordem ou da emergência. A norma, outrora princípio de previsibilidade e limite, cede lugar à arbitrariedade, e a política degrada-se em exercício nu da violência legitimada.
Assim, a demência política não se apresenta apenas como desvio conjuntural, mas como mutação estrutural do próprio exercício do poder: a dissolução da racionalidade governamental em prol de práticas que instauram a exceção como regra. O resultado é uma configuração em que o campo político deixa de ser espaço de deliberação racional e se torna laboratório de estratégias autoritárias, nas quais o direito se converte em técnica de dominação e a cidadania em objeto de controle biopolítico.
No Brasil, pensadores como o cientista político Francisco Weffort (1937–2021), em O Populismo na Política Brasileira, e o jurista Victor Nunes Leal (1914–1985), em Coronelismo, Enxada e Voto, já haviam identificado configurações históricas de irracionalidade política manifestas em fenômenos como o populismo, o coronelismo e o patrimonialismo. Esses padrões, mais do que anomalias episódicas, constituem matrizes estruturais da vida política nacional, revelando a persistência de uma cultura institucional marcada pela sobreposição entre interesses privados e funções públicas, pela personalização do poder e pela manipulação simbólica das massas.
Tais fenômenos não apenas atestam a fragilidade crônica das instituições brasileiras, mas também evidenciam a falta de confiança social e cívica, que mina a possibilidade de consolidação de uma política pública estável e impessoal. Nessa perspectiva, populismo e coronelismo não se reduzem a desvios históricos ou a práticas arcaicas, mas configuram mecanismos recorrentes de reprodução do poder, nos quais a racionalidade democrática é constantemente desregulada por estratégias clientelistas, pela centralização autoritária e pela força coercitiva da dependência.
Assim, a leitura de Weffort e Nunes Leal permite compreender a política brasileira como campo tensionado por forças de modernização formal e por estruturas de irracionalidade persistente, que corroem a autonomia das instituições e perpetuam ciclos de instabilidade. Nesse fenômeno, a irracionalidade política assume caráter quase estrutural, operando como uma “patologia histórica” que compromete o enraizamento da democracia e a constituição de um conjunto de costumes e hábitos públicos fundados na confiança, na impessoalidade e na racionalidade institucional.
A perda do senso político — ou o que se poderia denominar “demência política” — configura a erosão da capacidade coletiva de exercer a dignidade humana enquanto espaço de deliberação racional e de construção do bem comum. Trata-se de um colapso da razão pública, em que a política deixa de ser arena de diálogo, ponderação e consenso, transformando-se em território de impulsos imediatistas, interesses particulares e manipulações simbólicas.
Essa crise da racionalidade política representa uma ameaça estrutural à própria democracia, pois compromete os princípios de autonomia, pluralidade e legitimidade que sustentam a governabilidade. Ela evidencia a fragilidade do tecido social quando a cidadania se torna desprovida de reflexão crítica e de engajamento consciente, incapaz de sustentar valores compartilhados ou de mediar conflitos de forma ética e racional.
A superação da “demência política” exige a reafirmação da razão pública como fundamento do convívio civilizado, mediante práticas deliberativas de equidade, responsabilidade cívica e cultura política orientada pela reflexão crítica. Somente restaurando o exercício coletivo da racionalidade e da dignidade humana será possível reconstruir instituições sólidas e um espaço público em que o debate e o respeito mútuo se constituam fundamentos vitais da vida política e da convivência democrática.