“Tudo, em suma, é sempre uma questão de educação.”
(Cecília Meireles ▪️ Da crônica “Questão de Educação”, publicada no Diário de Notícias, 05/02/1932.)
Cecília Meireles, além de professora, poeta, jornalista e pesquisadora, escreveu crônicas sobre educação e livros teóricos com assuntos pertinentes à literatura infantil e ao folclore, entre eles: Problemas da literatura infantil (Summus, 1979, 2ª ed.) e Batuque, samba e macumba: estudos de gesto e de ritmo 1926-1934 (Martins Fontes, 2003, 2ª ed.).
A escritora teve forte atuação na imprensa, escrevendo crônicas sobre educação nos jornais Diário de Notícias e A Manhã (Rio de Janeiro). No primeiro, sua atuação foi de 1930 a 1933, em uma coluna que trazia o título Página de Educação; no segundo, assinou uma seção intitulada Professores e Estudantes, de 1941 a 1943. Nos últimos anos de vida, nos anos 1960, escreveu crônicas para o jornal Folha de S. Paulo.
Leodegário de Azevedo Filho
picasaweb.google.com
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A leitura desses textos proporciona o conhecimento de uma época muito importante na história da educação brasileira. Essas crônicas são de grande atualidade para o ensino brasileiro e continuam despertando o interesse dos educadores até hoje. Sente-se o espírito inovador da autora em matéria de educação, uma preocupação constante não apenas com a informação, mas, principalmente, com a formação do educando. A “pastora de nuvens” envolveu-se em polêmicas e debates. Externou suas ideias em seus escritos jornalísticos, contrariando a opinião daqueles que dominavam o poder e temiam as mudanças. Foi presença marcante no jornalismo carioca no período em que a imprensa tinha um papel preponderante na sociedade brasileira.
Cecília Meireles em discurso (1951) A União
“Esta página foi, durante três anos, um sonho obstinado, intransigente, inflexível, da construção de um mundo melhor pela formação mais adequada da humanidade que o habita.
[...]
Mas, além de um sonho, esta Página foi também realidade enérgica que, muitas vezes, para sustentar sua justiça, teve de ser impiedosa e, pela força de sua pureza, pode ter parecido cruel.”
(Meireles, 12/01/1933, p. 6)
Cecília Meireles Sesi-SP
Miguel Couto ANM
Cecília Meireles foi responsável pela criação e organização da primeira biblioteca infantil brasileira. A biblioteca funcionou no Pavilhão Mourisco, Rio de Janeiro, enseada de Botafogo, no período de 1934 a 1937. Por sua amplitude, passou a denominar-se Centro de Cultura Infantil.
Jussara Pimenta, no ensaio Leitura e Encantamento: A Biblioteca Infantil do Pavilhão Mourisco (In: Poética da Educação, 2001), afirma que o Pavilhão Mourisco era um prédio em estilo neopersa e foi criado para servir de café-concerto; posteriormente, tornou-se um bar-restaurante muito frequentado pela sociedade carioca. Estava um pouco abandonado na época em que Anísio Teixeira, diretor do Departamento de Educação, resolveu transformá-lo em biblioteca infantil.
Pavilhão Mourisco (Botafogo, Rio de Janeiro
1907) Demolido no início da década de 1950, para construção dd Túnel do Pasmado Marc Ferrez
Fernando Correia Dias, marido de Cecília Meireles, era artista plástico e ficou encarregado da decoração da biblioteca. Inspirado na arquitetura do prédio (estilo mourisco), criou um cenário das Mil e uma Noites, proporcionando uma atmosfera de encanto e fantasia. Cecília Meireles foi nomeada diretora da biblioteca.
O poeta Geir Campos foi assíduo frequentador desse ambiente de leitura. Em artigo publicado no jornal Diário de Notícias (15/11/1964), externou o que a biblioteca infantil representou na sua vida de criança:
“O Pavilhão Mourisco passou a ser o meu divertimento predileto, pois, além do salão de leitura, a biblioteca tinha também um setor de manualidades (modelagem, pintura, desenho), um de brinquedos e jogos (foi onde encontrei o primeiro mecanô), e uma sessãozinha de cinema toda quinta-feira. O dia triste para mim era o domingo, quando o Pavilhão não abria.
Também me lembro de que qualquer dificuldade pedagógica ou disciplinar era comunicada a Dona Cecília, uma professora morena, alta, de sorriso para quase tudo, que tudo resolvia e ordenava.”
Também me lembro de que qualquer dificuldade pedagógica ou disciplinar era comunicada a Dona Cecília, uma professora morena, alta, de sorriso para quase tudo, que tudo resolvia e ordenava.”
Sala de Leitura do Pavilhão Mourisco (Rio de Janeiro)Peter Ilicciev (Fiocruz)
Nada dura para sempre. Em 19 de outubro de 1937, sob a vigência do Estado Novo, a biblioteca infantil foi invadida pelo interventor do Distrito Federal e teve as portas cerradas com a justificativa de que “em seu acervo abrigava um livro de conotações comunistas”. O livro era As aventuras de Tom Sawyer, do escritor americano Mark Twain.
Biblioteca Infantil Mexicana Scielo
A perseguição aos livros vem de muito longe. O escritor venezuelano Fernando Báez, no livro História universal da destruição dos livros: das tábuas sumérias à guerra do Iraque (2006), afirma que os livros são perseguidos desde as mais remotas eras e cita vários exemplos de bibliotecas destruídas, de livros queimados. A biblioteca criada por Cecília Meireles teve um destino semelhante. Fechada por ordem do governo, os livros ficaram mortos. A presença do leitor é que torna o livro vivo.
Pesquisador venezuelano Fernando Baez Amazon
Não causa admiração, portanto, o fechamento da biblioteca infantil criada por Cecília Meireles e a alegação de que, no acervo da biblioteca, havia um livro de conotações comunistas. Tudo isso ocorreu durante o período ditatorial de Getúlio Vargas. Os regimes ditatoriais são sempre nefastos.
“Ai, palavras, ai, palavras,
que estranha potência a vossa!
Todo o sentido da vida
principia à vossa porta;
o mel do amor cristaliza
seu perfume em vossa rosa;
sois o sonho e sois a audácia,
calúnia, fúria, derrota...”
(Do Romance LIII ou Das Palavras Aéreas. Romanceiro da Inconfidência.)
Muitos anos se passaram. Cecília Meireles faleceu em novembro de 1964, mas deixou o legado de seu compromisso com a educação brasileira. Seu nome merece constar na lista das educadoras brasileiras que lutaram na imprensa, na cátedra, na literatura, por um mundo melhor e mais justo.


























