… conforme a minha peça teatral "A verdadeira estória de Jesus."
LUCAS - Mas ... vejam! Vejam! Lá está o Salvador, chegando!
MATEUS - Onde, onde?
LUCAS - Lá está: por trás dos rolos de fumaça que sobem da névoa suja em que Jerusalém está imersa! Em cima... do outdoor com o perfil de Tibério e os símbolos do comércio e indústria sob a legenda “Pax Romana”.
MARCOS - O que estou vendo (ri) é a Constelação de Virgem .
Cada época tem uma rede tão grande de conexões entre estilos, inventos, descobertas, eventos políticos e econômicos, que os avanços que deverão ocorrer nela - em todos os campos - parecem estar “no ar” ... como se ocorresse uma enorme associação de ideias num cérebro único, que seria o planeta.
Vi o soldado paraguaio avançar em minha direção em passo de ganso, baioneta em riste, eu imóvel, as mãos pra trás, segurando o boné, o infeliz se aproximando como um robô, até o comandante gritar uma ordem em guarani, o que o fez estacar recolhendo a arma pra vertical junto ao peito, os calcanhares das botas batendo com eco no salão em que estava o túmulo de Solano López, no panteão que fica no centro de Assunção. Aí, nova ordem, giro do soldado, calcanhares batendo de novo, ele se foi, voltei pra continuar a ler a placa de bronze, o boné sempre nas mãos que mantive o tempo todo para trás, eu imaginando que aquilo tudo se devera ao fato de eu usar barba, o que era proibido, lá, naqueles sombrios anos 70.
Ao ler a bela História da Revolução Russa, de Trotsky, lançada pela Paz e Terra em 78, resolvi partir para um espetáculo sobre Vladímir Ilich Ulianov – Lênin, mas senti que aquele relato não me bastava. Fui à Biblioteca Central da UFPB, e nada. Frequentemente eu me valia da biblioteca do Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio – enorme – que mandava a todo e qualquer funcionário do BB, de qualquer parte do país, os livros que quisesse, pelos malotes da estatal. Pedi e recebi pacotes sobre o homem que – contrariando Marx – implantara a “ditadura do proletariado”, 69 anos após o Manifesto Comunista (com seu tom profético não concretizado), num país... sem proletários, não industrializado, agrário, fazendo-o através de “profissionais da revolução”, que sequer eram camponeses, criando – com a Rússia e países vizinhos — a União Soviética, que duraria até 1991. Como foi possível?
Como uma conversa com minha filha – ainda menina – ampliou a visão que eu tinha da construção de personagens como Jesus, Moisés e o super-homem.
Houve um dia em que Andréia – mais ou menos como na foto tirada por Miguel dos Santos em seu ateliê ainda no Jaguaribe – rodeou meu birô, viu nele as ilustrações de vários livros abertos e perguntou:
Parece-me incrível que a internet, como a conhecemos, seja apenas um ou dois anos mais velha do que meu painel Homenagem a Shakespeare, que é de 97, e do que meu neto Israel - de 96
Graças à Internet, passou a ser ágil e fácil a localização de coisas como o trecho em que, no Dom Casmurro, está a expressão “olhos de ressaca”, sem falar no extraordinário ganho de tempo, também, na reprodução da frase ou do parágrafo de que ela faz parte, num texto que produzimos. Isso, pra quem foi do tempo em que se datilografava uma crônica, tinha-se de levá-la ao jornal, onde um linotipista – como se vê no novo filme de Spielberg – The Post – repassava-a para suas matrizes, é espantoso. Imagine que fiz comerciais de TV em filmes de 16 mm e tive de levá-los ao Recife, para que fossem transmitidos pra João Pessoa. E como saciar a gigantesca e universal curiosidade em livros, jornais e revistas, principalmente enciclopédias, atualizadas apenas anualmente pelas editoras? Mesmo assim, eu teria de ter todas as bibliotecas do mundo pra conseguir o que obtenho instantaneamente no Google, o Evangelho em grego, por exemplo:
— εν (en) αρχη (arché) ην ο λογος (en o logos) - No Princípio era o Logos.
Ou o complexo Gênesis em hebraico:
— No princípio criou Elohym (Deuses) os céus e a Terra: בָּרָא (BÅRÅ) – אֱלֹהִים (ELOHYM) - אֵת הַשָּׁמַיִם (ET HASHÅMAYM) - וְאֵת הָאָרֶץ (VEET HÅÅRETS).
Ah, o chapéu de Indiana Jones foi da fábrica Cury, de Campinas. Carmem Miranda é portuguesa de Marco de Canaveses. Carlos Gardel é francês de Tolouse.
O inventor da máquina de escrever foi o padre paraibano Francisco João de Azevedo. A editora Palimage, de Portugal, pode lançar meu poema longo Trigal com Corvos. Eis os poemas de William Carlos William e de Vitória Lima, as esculturas de Camille Claudel e de Miguel dos Santos, as fotografias de Ansel Adams e de João Lobo. Fortunato e Ermelinda – meus pais? – Fico sabendo que se casaram em 08 de janeiro de 1930. Sobre meu avô paterno? Joaquim Solha nasceu em Lisboa, 06 de fevereiro de 1875, filho – eu também não sabia disso – do casal Constantino e Rita.
Felizmente o maestro Kaplan e eu tínhamos o amigo Doutor Paulo Maia – dono de uma coleção de LPs, DVDs enorme – e todos os sábados passávamos a manhãs lá, “ouvindo a melhor música do mundo”, como dizia o grande advogado. Aí apareceu o Youtube.
— Pavarotti na ária “Nessun Dorma” , da ópera “Turandot”, de Puccini? Revejo a hora que quiser essa “Prova dell'esistenza di Dio”.
De uma execução da Abertura 1812, de Tchaikovsky, com direito a sinfônica e canhões , até uma despojada pantomima de Marcel Marceau num pequeno palco de Paris; da sequência de “Shine” em que o pianista David Helfgott, ainda muito jovem, entra em parafuso ao
tentar executar o belo... e dificílimo concerto número 3, para piano e orquestra, de Rachmaninoff, ao Daniel Barenboim chegando a extremos de beleza ao interpretar, lenta e singelamente, como se deve, o “andante” do concerto número 21 para piano e orquestra, de Mozart, ou a mesma obra com Gulda, Horowitz, Arrau, Glen Gould. Do hipersensível e afinadíssimo Caetano Veloso cantando Paloma, no filme “Fale com Ela”, de Pedro Almodóvar, à sequência do “Amadeus”, de Milos Forman, em que Wolfy, agonizante, dita a lindíssima “Lacrimosa” , do “Réquiem”, a um deslumbrado e trôpego Salieri, que acompanha (conosco) o raciocínio ágil e brilhante do gênio em pleno trabalho de criação – tudo está lá. Inclusive o coro de jovens da UNIRIO cantando trechos da ópera Dulcineia e Trancoso, libreto meu, música do maestro Eli-Eri Moura.
Fala-se no próximo passo: todo o conhecimento do mundo enxertado diretamente no cérebro humano. Acredito nisso.
(Trecho da AUTO B/I/O GRAFIA do autor a ser lançada)
A Folha de São Paulo do dia 1º de setembro nos remeteu a um texto de 31.03.2003, com esta chamada:
“Quadro fez Marcel Proust desmaiar em Haia”.
Isso me devolveu à época em que li, no seu romance de 7 volumes, “Em Busca do Tempo Perdido” , escrito quando Vermeer ainda era um nome bastante apagado, sobre um personagem ⏤ romancista ⏤ que morre ao descobrir que jamais poderia escrever tão belamente quanto Vermeer pintava. Não chego a tanto,
Em 2002 ou 3, quando eu saía da estreia do cearense “Lua Cambará”, no Festival de Cinema de Brasília, o cineasta paraibano Manfredo Caldas me alcançou no meio da multidão, segurou-me pelo cotovelo e disse:
Algumas arrumações num rosto ou corpo nos parecem lindíssimas. É o caso - porém - de se perguntar se a Natureza foi particularmente feliz nesses casos, ou se fomos programados para considerá-las assim, pela mesma razão pela qual as caranguejeiras transam com caranguejeiras, polvos com polvos - que devem se achar o máximo.
Jung diz que as mulheres que parecem mais desejáveis para os homens, são as que têm mais sinais de saúde e maiores chances de gerar filhos saudáveis.
Pintei muitos quadros com a figura de Cristo, assim como escrevi, sobre ele, os romances A VERDADEIRA ESTÓRIA DE JESUS - que adaptei para o teatro e montei -, e RELATO DE PRÓCULA, além do "tratado poético-filosófico" ESSE É O HOMEM, com algo muito forte, também, no novo "tratado" que vem por aí, 1/6 DE LAJANAS MECÃNICAS, BANANAS DE DINAMITE.
Três da tarde, começo de outono. Muita, mas muita gente, mesmo, nas mesas espalhadas pelas calçadas dos cafés e restaurantes de toda a cidade, sob o sol intenso, surrealisticamente frio. Largos e longos barcos descobertos, apinhados de turistas, indo e vindo pelo Sena, passando por baixo das tantas pontes. Uma multidão enorme – com muitos, muitos chineses, muçulmanas, japonesas com elegância de Audrey Hepburn em “My Fair Lady” - locupletando a vasta praça agitada por pombos, ante a catedral de Notre-Dame. Um despropósito, a fila que se estende pelo passeio de uma rua da mesma ilha fluvial – Île de la Cité - pra ver a Sainte-Chapelle. Uma quantidade assombrosa de gente nos ônibus abertos abarrotados, em todas as ruas.
Pobre do Herodes ingênuo
Pobre do ingênuo Caifás,
Pobre do ingênuo Sinédrio,
Pobre do ingênuo Anás,
Pobre do povo gritando
Fazendo escolha, pensando
saber de tudo que faz.
Quando o “Oratório Via–Sacra” terminou, em suas três apresentações na Semana Santa de 2005 (sob o maravilhoso teto da igreja de São Francisco), o público delirava. Na derradeira apresentação, lágrimas em alguns coralistas, lágrimas em alguns músicos, a mesma emoção, certamente, que fez Cida Lobo me dar aquele abraço e dizer-me, com voz embargada, que cada centavo investido ali pelo FIC fora muito bem empregado. Eu mesmo, autor do texto, estava embasbacado. Porque sequer imaginava
O meu chefe na carteira de cobrança, da agência do Banco do Commercio e Indústria de São Paulo, na Sorocaba de 1961 e 62, o Sidney "Sinfônico", tinha esse apelido por ser doido por música clássica. Arquivava e tirava dos arquivos de aço as promissórias e duplicatas sempre cantando o tempo todo, imitando, onomatopeico, na verdade tentando repetir orquestras inteiras com a boca, do ímpeto da Cavalgada das Valquírias (aquela do ataque de helicópteros a uma aldeia do Vietnã, em Apocalypse Now) a diluições de sons como os da “Catedral Submersa”, do Debussy.
Era filho de ferroviário, como eu, e morava à beira da estrada de ferro. Descuidado com as roupas, vestia-se mal porque gastava em discos tudo o que lhe sobrava da ajuda em casa. Mas tinha uma coleção de discos que só vi igual na casa do Dr. Paulo Maia, aqui em João Pessoa. Mas isso numa casa de madeira, do pai, junto dos trilhos de Sorocabana.
Foi ali, ao limpar o disco que íamos ouvir em seguida, que me contou que se deslumbrara com a música que ouvira em bg, durante a morte de Cristo, no drama da Paixão, da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, na sexta feira santa, pelo que escrevera pra lá, perguntando que obra era aquela:
“A catedral Submersa " – disseram-lhe. “La Cathédral Engloutie", de Claude Debussy.
Aquilo imediatamente se transformou em imagem na minha mente e “vi”, fascinado, o que ouvi em seguida. Até que fiz uma tela de 50 X 30, anos depois.
O modelo foi a catedral de Milão, imaginariamente encalhada a meio caminho do fundo do mar, entre algas, bolhas e tubarões. A ideia veio deste belo exemplo de música impressionista criado pelo compositor francês a partir de uma lenda bretã.
Encontrei vários apaixonados por música erudita, na vida, sendo seus ápices o Dr. Paulo Maia, daqui, e o Sidney, de lá.
Não descansei enquanto não consegui o disco. A imagem que “vi”, ali, não descansou por vários anos, enquanto não virou quadro…
No esfacelamento da União Soviética, 1991, o historiador Eric Hobsbawm põe o fim do século XX. Não à toa, ele chamou o período 1914-1991 de Era dos Extremos, pois nele se experimentou de tudo: de revoluções a independências de colônias; de ascensões e quedas de ditaduras de esquerda e de direita a duas guerras mundiais; de pandemias a criação e utilização de armas até então jamais imaginadas; de genocídios a viagens espaciais — tudo enquanto se consumia drogas de todo tipo e o ser humano chegava à superpopulação, causando desertificação, poluição, aquecimento global, enquanto — como resposta — libertava a mulher do próprio útero, o PIB mundial per capita se quintuplicava - num crescimento econômico maior do que o obtido em todos
Li o “Mozart por trás da máscara”, do uruguaio Lincoln Raúl Maiztegui Casas, quando foi publicado no Brasil, em 2006, pela Editora Planeta. Fui – só em parte – gratificado por isso, porque um dos escopos desse autor era contestar “a obra mais repelente” que – disse ele - teve oportunidade de ver em sua vida: o filme “Amadeus”, de Milos Forman, de que, caramba, sempre gostei muito.
Nunes — sente-se isso em seu olhar, sente-se isso em tudo que escreve — é de uma pureza surpreendente. Talvez a explique o fato de que é diácono permanente da Arquidiocese da Paraíba e oblato beneditino do Mosteiro de Olinda.
Sinto, nele, a mesma aura de santidade do médico Dr. Sebastião Ayres e do ex-arcebispo da Paraíba, Dom José Maria Pires. Talvez porque — embora eu resultasse avesso a qualquer fé — minha mãe tivesse sido Filha de Maria e meu pai, Vicentino. Há um quê de incenso, em Dr. Sebastião,
1992:
eu disse à Ione que estava na hora de visitar meu pai:
- Está com 87.
E o encontrei de cama. Não aceitou que o levasse a um médico, nem que lhe trouxesse um.
Morreria uma semana depois.
Mas conversamos bastante, naquela derradeira ocasião. Em certo momento, pediu-me que lesse em voz alta, para ele, o poema “Se”, o “If” de Rudyard Kipling, que havia na tradução de Guilherme de Almeida, ... do Tesouro da Juventude – coleção que fora minha e deixara para ele.
Eu lia uma dessas pesadas Histórias da Arte, quando tive um alívio enorme: depois de mais uma vez atravessar a Renascença Italiana – cheia de calvários, mártires, batalhas e juízos finais – entrei numa leve e clara abordagem da arte japonesa. Com isso entendi porque ela foi agente importante da grande revolução ocorrida com o Impressionismo. Imagine o frescor que os europeus da época sentiram na descoberta, por exemplo, das Trinta e Seis Vistas do Monte Fuji, de Hokusai.
Vi — em meu computador, pelo skype — o filho Dmitri, 50 anos — dizer, lá de Fortaleza, que fora confirmada a metástase do câncer, agora no fígado. "Tô morto, pai!". E chorou.
— Calma — eu disse, porque teria de dizer alguma coisa. — Nayah é enfermeira, com bons parentes médicos da área, aí na cidade. Isso será contornado!
Sem transição, ele acrescentou que, pior, era passar por aquilo no inferno que era a sua vizinhança — detalhe surpreendente, mas a que me apeguei: