Josinaldo Malaquias é jornalista, advogado e doutor em sociologia pela UFPB E-mail
Um sociólogo francês, Michel Maffesoli, afirma que o cotidiano é a fonte de todo conhecimento. Para mim, particularmente, é fonte ...
Cotidiano e vida
Josinaldo Malaquias é jornalista, advogado e doutor em sociologia pela UFPB E-mail
A história se sabe. Mozart possuía o gênio, Salieri apenas o talento. Mozart, sendo gênio, nem se dava conta de sua genialidade, que pa...
Mozart e Salieri
A história se sabe. Mozart possuía o gênio, Salieri apenas o talento. Mozart, sendo gênio, nem se dava conta de sua genialidade, que para ele nada custava, por ser absolutamente natural; Salieri, sendo apenas talentoso, ralava para cultivar seu pequeno engenho, e percebia a grandeza do outro, e a invejava, querendo-a, sem esperanças, para si. Mozart gozava seu gênio e ria sem motivo, como um louco; Salieri, cara amarrada, gemia suas limitações e sofria sua angústia em silêncio. Mozart, celebrado universalmente; Salieri, apenas lembrado como um apêndice acidental do outro.
O filme “Amadeus”, como é sabido, retrata a história de ambos os compositores, ressaltando Mozart, é claro, mas oferecendo ao expectador a oportunidade de refletir sobre o drama pessoal de Salieri, sua tragédia, sua maldição. E aí, milagre da arte, a pequenez de Salieri se impõe à nossa atenção, porque é nela que se revela mais nossa humanidade e não na genialidade de Mozart, privilégio de poucos, mais deuses que homens. Admiramos Mozart, mas nos enxergamos em Salieri. Mozart, tão alto, resta distante; Salieri, ao rés do chão, ao nosso alcance.
Pessoalmente, demorei a descobrir Salieri desse ponto de vista. No começo, talvez como todos, ou como a maioria, só tive olhos para Mozart, para sua excepcional aptidão, para seu dom quase divino. Sua luminosidade era tanta que ofuscava tudo e todos ao seu redor, inclusive Salieri, pobre mortal a contemplar o Olimpo, consciente de que não podia entrar naquele reino. Mas felizmente o tempo trouxe, ainda a tempo, a compreensão desse sofredor e, com ela, a identificação com sua dor tão humana. Salieri finalmente conquistou um lugar no altar de minhas devoções.
A genialidade, sabemos, é bela e extasiante, não há como não admirá-la como um prodígio sobre-humano. Mas por ser um dom, uma graça, é como se ela fosse de certo modo gratuita, revelando-se quase sem esforço por parte de quem a possui. E, paradoxalmente, essa gratuidade diminui sua grandeza, porque esta, cremos, só é verdadeiramente valiosa quando conquistada com esforço e não apenas recebida, como o maná que caía do céu para os judeus no deserto.
Hoje aprecio melhor Mozart e Salieri. Mozart diminuído? Jamais. Apenas Salieri tornado maior do que inicialmente imaginei. Do mesmo modo, muitas outras coisas e pessoas com o tempo aprendi a compreender e avaliar melhor. Relativizando para melhor ajuizar e encontrando por baixo do corriqueiro, do trivial, riquezas ocultas, insuspeitadas. Mozart está às vistas, Salieri precisa ser descoberto. Mozart é um super-homem, Salieri é nosso irmão.
Carlos Romero é um mestre da crônica que traz a melodia dos canaviais, a sonoridade dos riachos e a musicalidade dos pássaros de Alagoa N...
O cronista que supera o poeta
Carlos Romero é um mestre da crônica que traz a melodia dos canaviais, a sonoridade dos riachos e a musicalidade dos pássaros de Alagoa Nova, sua terra, cheia de encanto, que caminha com ele. Ele nasceu como metal modulado, aos poucos lapidado pelos pais. Escreve para ser lido ouvindo Chopin.
Tomando a paisagem como inspiração, no seu lugar se contempla a beleza entre morros, aos cuidados do vento e com água da chuva nos meses de maio a julho, revela-se quadro com noção de universo, ali aprendeu a distinguir a beleza que em emoldura a vida e nos insufla a amar o lugar.
Carlos Romero é personagem do meu círculo de admiração construído há 40 anos, quando eu dava os primeiros passados no Jornalismo, em afortunada aproximação, da qual recolhi as palavras que ajudaram a construir o edifício de minha vida, porque pronunciadas ao som da melodia que trouxe do seu mundo, os mesmos arredores de onde viemos, porque Alagoa Nova e Serraria nos dão a mesma sina.
Alguns tiveram o talento como destino maior, enquanto outros continuam com o bisaco vazio. Os que a fome não atrofiou os miolos, puderam conquistar espaços. Há alguns que encontraram alguém que abasteceu a esperança, mostrou que nem tudo está perdido para os que nascem nas grotas e carregam o jeito de andar como papagaio.
Ao longo dos anos recolho dele a visão do mundo composta de paz, silêncio, de modo apaziguador. Suas crônicas lidas e as palavras escutadas durante nossos encontros casuais, na redação, nas livrarias ou na Academia, deram base sólida para que eu soltasse a imaginação a vaguear por um mundo onde vive somente quem desenvolve e entende as manobras do espírito.
Nossos encontros repetidos na Academia, entre as prateleiras, nas livrarias e por meio de suas crônicas, deixaram-me lições inesquecíveis. Assim como foram as vezes que estive em sua casa para uma troca de prosa e de livros. Nestes momentos falamos de miúdas reminiscências dos nossos lugares, de literatura, de música clássica.
Sempre o escuto com alegria restaurada. Lhano, voz sem rompente, alinhado com as palavras, com serena feição, não se eleva em porte nem manja badalações ou retóricas. Pronuncia frases em sequência simétrica, sem cortes nem vacância.
Os leitores adentram-lhe a intimidade por meio de seus escritos, tão pessoais e adornados de sabedoria. Têm fervor literário que extravasa a leitura e o formato do texto. Faz deles o húmus para a mente e estímulo às ideias que habitam seu território íntimo.
Ele chegou a ser exagerado quando escreveu um prefácio para o livro de crônicas que publiquei em 2007, impulsionando-me a continuar rabiscando textos sobre Serraria e esta Capital, que me acolheu há 43 anos.
Peço-lhe a benção ante os verdejantes de nossa terra de canaviais, diante dos morros enfeitados por palmeiras, onde escutamos a zoada da água cristalina das cacimbas, o zunir do vento rodopiando entre os córregos, ouvindo o coaxar das rãs escondidas entre o milhã no regato. Por que nosso Brejo é mágico.
Amigo sem falhas, Carlos Romero é um escritor que nos tira a tristeza - relegai se não sou bom aluno! Ele é o cronista que supera o poeta.
José Nunes é cronista e membro do IHGP
Nunca imaginamos que nossa geração viveria uma pandemia. Sem guerras, nem pestes, prosseguíamos aos trancos e barrancos, caindo e levant...
A comunhão afetiva
Nunca imaginamos que nossa geração viveria uma pandemia. Sem guerras, nem pestes, prosseguíamos aos trancos e barrancos, caindo e levantando entre os altos e baixos próprios da vida na Terra.
Aos com mais idade, resta toda sabedoria. Impossível não ser sábio aquele que amadurece por inteiro, e assim, esquece ou não sente a idade que tem. “Tem a idade que sente”, como diz Carlos Romero.
Mas, a vida prega peças, e assim nos trouxe mais uma. Como se não bastasse a guerra ideológica que passamos a experimentar após a recente escolha do presidente atual, fruto de posições extremadas, por vezes radicais, de ambos os lados, não raro intolerantes. Quem dera nos inspirássemos no célebre ensinamento para “não fazer aos outros aquilo que nos desagrada – esta, a essência de qualquer conduta humana e que bem reflete o que nos ensinou Jesus. Ah se lembrássemos de Voltaire: “Discordo de tudo o que você diz, mas defenderei até a morte o seu direito de dizê-lo”. Mas, ensinamentos são como conselhos. Semeados em terra árida não criam raízes tampouco florescem...
Assim, em meio às angústias da instabilidade política, estoura uma pandemia. Que coisa! Sabe Deus a dimensão do que está por vir. Não em consequência da doença, que, entre muitas das que padecemos não tão fatal nos parece. Mas dos efeitos da recessão que a humanidade experimentará em breve.
Nesses tempos de recato, nada como a reflexão interior para reforma íntima de conceitos e preconceitos, a nos renovar princípios de tolerância e compreensão. Foi daí que veio à tona uma bela lição de Chico Xavier, do livro “Vida e Sexo”, ditado por Emmanuel, que trata da homoafetividade e dos respectivos preconceitos da sociedade, ainda verificados, sem liberdade, igualdade nem fraternidade. Vejamos:
"A homossexualidade, definida no conjunto de suas características por tendência da criatura para a comunhão afetiva com uma outra criatura do mesmo sexo, não encontra explicação fundamental nos estudos psicológicos que tratam do assunto em bases materialistas. Observada a ocorrência, mais com os preconceitos da sociedade, constituída na Terra pela maioria heterossexual, do que com as verdades simples da vida, essa mesma ocorrência vai crescendo de intensidade e de extensão, com o próprio desenvolvimento da Humanidade, e o mundo vê, na atualidade, em todos os países, extensas comunidades de irmãos em experiência dessa espécie, somando milhões de homens e mulheres, solicitando atenção e respeito, em pé de igualdade ao respeito e à atenção devidos às criaturas heterossexuais”.
“Em minhas noções de dignidade do espírito, não consigo entender porque razão esse ou aquele preconceito social impedirá certo número de pessoas de trabalhar e de serem úteis a vida comunitária, unicamente pelo fato de haverem trazido do berço características psicológicas e fisiológicas diferentes da maioria. “Acreditamos que o tempo e a compreensão humana traçarão normas sociais susceptíveis de tranquilizar quantos se vinculam a semelhante segmento da comunidade, assegurando-se-lhes a benção do trabalho com o respeito devido a todos os filhos de Deus. Até que isso se concretize, não vejo qualquer motivo para críticas destrutivas e sarcasmos incompreensíveis para com os nossos irmãos e irmãs portadores de tendências homossexuais, a nosso ver claramente iguais às tendências heterossexuais que assinalam a maioria das criaturas humanas”.
"Dia virá em que a coletividade humana aprenderá, gradativamente, a compreender que os conceitos de normalidade e de anormalidade deixam a desejar quando se trate simplesmente de sinais morfológicos, para se erguerem como agentes mais elevados de definição da dignidade humana, de vez que a individualidade, em si, exalta a vida comunitária pelo próprio comportamento na sustentação do bem de todos”.
Germano Romero é arquiteto e bacharel em música E-mail: germanoromero@gmail.com
Abril viaja pela sua metade. Já é outono, mas o Sol castiga como se ainda fora verão, coisa típica dos trópicos. As chuvas costumam vis...
Tempestades de abril
Abril viaja pela sua metade. Já é outono, mas o Sol castiga como se ainda fora verão, coisa típica dos trópicos. As chuvas costumam visitar a região litorânea em pancadas noturnas, rápidas e fortes, enquanto a invernada já chegou desde janeiro ao Sertão para alegrias e festas dos corações, fazendo o verde ressurgir como o renascimento/ressurreição de um Domingo de Páscoa. Mas abril sempre teve das suas tempestades.
E este em que (sobre)vivemos é um novo "Abril Despedaçado" (citando o filme do diretor Walter Salles, baseado no romance "Prilli i Thyler" do albanês Ismail Kadaré). Sem armas de fogo ou facas, mas com matança em muitos lugares, abril de um inimigo que avança perigoso, e quebra o silêncio com lágrimas e falas desconexas, que tem alguns humanos como aliados improváveis, já que também são vítimas inescapáveis.
Eis que surge abril que se anunciava em janeiro. Como um vírus perturbador das almas inconsoláveis, até mesmo com um aviso libertador para os espíritos elevados.
Abril tem dessas coisas. Mês de encerramentos, transições abruptas, rupturas. A história mostra isso, mesmo que tenham por esperteza "criado" um 31 de março escapar do 1 de abril, o Dia da Mentira. A vida pessoal idem, quando surge com trovoadas e raios e barra de nuvens escuras no horizonte. Em abril inacabado, quando se deixa uma "impressão" sempre é possível encontrar uma nova, mesmo que digital.
Mas se abril é de mudanças inesperadas, eis que, por tabela, é tempo de (re)aberturas. Se é término de estrada, por que não ser um reinício de jornada? Aí abril que se despedaçou terá colado mais à frente suas partes, reunidas em outro formato. Não necessariamente nesse mesmo abril, talvez em mês algum de igual nome, talvez se chame junho, outubro ou um dezembro natalino.
Fundamental é seguir o rio, absorver a força da tempestade. E aí "the soft rain of april are over" (as leves chuvas de abril terminaram), pois que as tempestades se tornam mais leves após ir embora ou até a natureza em fúria explodir novamente.
E assim será quando abril fechar sua passagem.
Clóvis Roberto é jornalista (João Pessoa-PB).

Um vírus me trouxe o inverno. Em menos de um mês, sem chover, trovejar, céu claro e sol forte, uma tormenta caiu como grossas camadas...
Isolados
Um vírus me trouxe o inverno.
Em menos de um mês, sem chover, trovejar, céu claro e sol forte, uma tormenta caiu como grossas camadas de neve e gelo sobre mim. Portas fechadas. Ligações esparsas e, muitas vezes, movidas aos acordes da carência dos outros.
Estes também isolados em seus medos invernais. Tediosos de filmes, páginas de livros mal lidos naquela hora de afogamento. Reinventando o mesmo, o si mesmo, o mais mesquinho de si. Outros se mascarando, como sempre quiseram, sob o domínio de um medo que nem bem conhecem. Temem não o vírus, presente no planeta mesmo antes do homem. Temem o outro. Este outro possível portador, como os medievos temiam a peste negra, como os europeus temiam a gripe espanhola, como os africanos temiam o ebola, como os americanos temiam o antraz. Temer o outro passou a ser nossa segurança. Além disto, mais que temer o outro, perder o sentido de solidariedade que seria um traço humano diante das tragédias que a vida anuncia.
Peguei minha toalha e fui ao banho. Permiti as águas correrem e talvez me saciarem, quem sabe me limparem deste infecto mundo. Os felpos de algodão engoliam as gotas d´água sobre minha pele, tal qual um vírus a uma célula. Meus cabelos ainda molhados e desgrenhados à luz do espelho que sempre me vigia, faziam com que finos rios de água escorressem ainda sobre minha face. Nela, percebi minhas rugas. Leitos de rio de sabedoria da pele. Dobras da minha subjetividade que uns chamam velhice. Dentro daqueles sulcos havia rios. O que era antes liso, minha pele juvenil, foi erodida pelo tempo, senhor máximo da vida. Estes secos rios de pele e dobra desenharam em mim um outro. Um outro que sou eu e de quem gosto.
Bem que eu poderia ser seduzido pelas mágicas fórmulas da juventude a qualquer preço. Por cremes e ácidos preenchedores, atenuantes, revitalizadores, e cirurgias correcionais. Não. Este é meu corpo no seu tempo. Evocar um corpo que superou o tempo é viver uma caricatura de si mesmo. Não quero portar máscaras nenhumas.
Ao pensar nisto diante da minha imagem, esbocei um sorriso. Um sem números de outras rugas e marcas apareceram do nada. Eram parte do meu sorriso. Ri mais ainda. Ri demasiadamente. E quanto mais ria, mais dobras, mais marcas, mais sombras, mais vigor, apareciam. Meus riachos e ribeirinhos de marcas eram também minha doçura diante dos diários apocalipses. Feito isto, chorei. Muitas marcas se foram, como que dissolvidas no sal das lágrimas. Feito terra arada quando chove, que nada mais se vê a não ser a fina lâmina d´água que vivifica o chão sulcado. Meus castanhos olhos se inundaram de borbulhantes fontes. A água escorria pelas colinas das maçãs do meu rosto, pelo vale profundo margeando as narinas, desaguando ora no abismo da minha boca, ora escorrendo no precipício do meu queixo.
Ali, água, células, bactérias e vírus se juntavam em rodas de vida. Ali, naquele momento, nada os diferenciava como as vãs nomenclaturas da Ciência que vive da separação classificatória.
Suspirei por um segundo. O espelho se enevoou com o vapor da minha respiração. Desapareci por um tempo por entre o véu quente que soprou entre meus lábios. Por um instante quis me devolver à imagem do espelho. Podia desanuviar o borrão. Não o fiz. Aquele também era eu. Um eu entre nuvens, um eu que se via esfumado e talvez distorcido. Lentamente minha imagem reapareceu. Lentamente meu rosto ressurgiu com seus sulcos e planícies de pele. Havia tantos eus naquela imagem... Sou um eu caleidoscópico, múltiplo e dinâmico.
Terminei o ritual e fui à janela. Outros tantos ali trancafiados. Outros tantos além isolados. Isolados dos outros. Isolados de si.
Adriano de Léon é Professor de Ciências Sociais (João Pessoa-PB).

O século XV apresenta na história da França, um período dificilmente a ser superado por uma época tão conturbada e não menos dramática, co...
Reflexões na Semana Santa
O século XV apresenta na história da França, um período dificilmente a ser superado por uma época tão conturbada e não menos dramática, com seu cortejo de surpresas trágicas, violência e crimes, às vezes também, com atos nobres e grandes feitos. Inicialmente, a França retrocedeu após o reinado reparador de Carlos V o Sábio nos desastres da Guerra dos Cem Anos, governando a França durante 16 anos (1364-1380), 11 anos depois do auge da peste negra entre 1346 e 1353, uma das maiores pandemias da história humana, resultando na morte de 75 a 200 milhões de habitantes da Europa e da Ásia. Era o filho mais velho de João II o Bom. Posteriormente sob o trono de um rei louco Carlos VI (1368-1422), sucedendo o pai quando tinha apenas doze anos, com um governo aviltado por um período de 42 anos. Foi rei da França a partir de 1380 até a sua morte em 1422. A regência era estabelecida por seus tios os duques de Bourbon, Anjou, Berry e Borgonha, todos eles engajados na luta pelo poder. Paris, ensanguentada pelos Armagnacs e Borguinhões. Esses dois grupos constituíam os dois partidos oponentes que travaram uma guerra civil, na França paralelamente à Guerra dos Cem Anos. Esse conflito envolvia, de um lado, o Duque da Borgonha, João sem Medo e, do outro Luís, duque de Orléans. Desde 1393, quando Carlos VI enlouquecera, a França era governada por um conselho de regência presidido pela rainha Isabel. A guerra civil entre os Armagnacs e Borguinhões teve início em 23 de novembro de 1407, quando o Duque d'Orleans foi assassinado, por ordem de João sem Medo. A batalha decisiva de Azincourt ocorrida na Guerra dos Cem anos em 25 de outubro de 1415, dia de São Crispim, no norte da França, resultou em uma das maiores vitórias inglesas durante a guerra. O local onde a luta aconteceu foi perto de Artois, cerca de 40 km ao sul de Calais. A vitória de Henrique V da Inglaterra, contra um exército francês numericamente superior, foi um golpe duro para a França e marcou um período sombrio para o país em meados dessa guerra. O rei da Inglaterra coroado rei da França em Notre Dame de Paris. É quase o fim da França.
Revendo o resumo que escrevi acima, lembrei-me da atual situação no nosso Planeta Azul. Uma nova e moderna pandemia transformada em uma guerra brutal, devastadora e cruel, contra um microscópico inimigo que ninguém vê, chamado de coronavírus, que tem a capacidade de matar em pouquíssimo tempo, milhares e milhares de pessoas. Políticos, cientistas, médicos de todo o planeta, desorientados, sem saber o que fazer contra tão potente inimigo. Mais de 100 mil mortes em todo o mundo. Países considerados mais desenvolvidos e ricos, como os Estados Unidos, com um número muito maior de mortos do que seria esperado.
Considerando nosso país de dimensões continentais, e imensas desigualdades sociais e econômicas, não podemos estar otimistas nesta guerra. Quão devastada estará nossa população e nossa economia nos anos que se avizinham? Mais de 30 milhões de pessoas sem direito à água potável e 100 milhões de habitantes sem acesso a esgotos sanitários (TRATA Brasil 2018); pelo menos 12 milhões de pessoas com mais de 15 anos analfabetas (IBGE 2019) e IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) de 0,761 compilado pela ONU em 2018, quando o país ficou em 78o lugar, no mundo.
Comecei então a comparar a situação atual do Brasil com a França do século XV. A peste negra e a pandemia atual do coronavírus. Os Armagnacs e Borguinhões com sua guerra civil e os bolsonaristas e petistas a estimular ódio mortal entre eles, sem a mínima ideia do que poderá ocorrer devido a esse comportamento leviano. Políticos dos mais variados partidos exigindo do governo todo tipo de recursos para seus objetivos pessoais, sem nenhuma preocupação com o erário público e com a difícil situação econômica que grassa no país. O governo federal contra os governos estaduais e municipais. Dezesseis anos de governos anteriores com o maior índice de corrupção desde o descobrimento do Brasil. Os três poderes, cada qual interferindo em áreas fora de suas jurisdições, desprezando totalmente a população brasileira. Grande maioria dos internautas a disparar “fake news” pelos WhatsApps entre si, sem nenhuma preocupação com o prejuízo que essas falsas mensagens poderiam causar ao Brasil. O rei louco Carlos VI na França e nosso presidente atual, totalmente desequilibrado, com seus instintos ditatoriais, continuando a inflamar o país diariamente, indo contra tudo e contra todos, ameaçando com seu lápis-tinta Bic, os ministros escolhidos por ele próprio, pensando apenas nas eleições de 2022.
Depois de tudo que passou, finalmente, a recuperação da França. Joana d'Arc; o duque de Orléans livre; uma série de vitórias; a coroação do rei da França na Catedral de Reims; a pátria francesa quase restaurada; enfim, o duque Felipe de Borgonha, mais poderoso que o rei da França, árbitro entre as duas nações divididas pela luta centenária, lembrando que era filho da França, finalmente vendendo caro o Tratado de Arras, quando foi firmado um acordo entre esse país, o Ducado da Borgonha e a Inglaterra em 1435, na cidade francesa de Arras, no final da Guerra dos Cem Anos, sua adesão definitiva à aliança francesa e à paz. Tratado esse que representou enormes fracassos para os ingleses e grandes vitórias para a França.
Espero que após vencermos esta terrível pandemia, com bom senso e solidariedade para com nossos irmãos mais desassistidos, nosso querido Brasil possa se equilibrar economicamente nos próximos anos. E que os investimentos prioritários a ser efetuados sejam direcionados principalmente para as áreas da saúde, educação e segurança, e que estas sofridas lições nos levem a um país muito mais igualitário e justo.
Sérgio Rolim Mendonça é Engenheiro Sanitarista e Ambiental (João Pessoa-PB)
Numa noite, no ano de 1956, ele entrou estabanado na sala de uma residência em Teixeira – Pb, no pleno decorrer de uma Cantoria de Vi...
Pedro Compasso
Ô Pinto, preste atenção / O mundo está transformado / Veja só Pedro Compasso / Como vem com o passo errado / Os outros compassos riscam / Mas este já vem riscado
Natural da Serra do Teixeira, Pedro Compasso foi um dos primeiros motoristas a se aventurar por aqueles contrafortes da Borborema, tendo se iniciado nos mistérios que passam da centelha à combustão, da tração à rotação e guia, quando ainda bem jovem, levado que foi pela mão do legendário ‘Bibiu’ – decano dos chauffeurs teixeirenses -- para ser seu ‘’moleque de ajuda’’ por acidentadas viagens durante aquele pós-guerra de 1930.
Para a sorte de ambos, o destino os poupou de errar pela “Ladeira da Verônica” (também chamada de Ladeira da Onça, tinha esse nome por ter sido ali onde Verônica Lins de Vasconcelos, esposa do sertanista pernambucano Manoel Lopes Romeu, havia matado uma onça – a facão, diriam uns, a arcabuz, diriam outros – quando à frente de um pequeno bando de serviçais, sobe a serra no ano da graça de 1773, numa ação mais do que temerária, e que tivesse por único objetivo recuperar seu marido que, a pretexto de uma caçada, estava se demorando por aquelas paragens muito além do que fosse recomendável), que era o pesadelo de tantos quantos tivessem de tomar o rumo Norte, que leva ao sertão. Isto devido à descida extremamente abrupta e íngreme a que essa aclive levava, uns 200 metros mais na frente.
Mas, os tempos mudavam. Senhores mais abastados começavam a importar automóveis de diferentes marcas, e, uns anos depois, o Brasil via surgirem os caminhões popularmente conhecidos como Fenemês, da nascente indústria nacional, e isso era razão de sobra para o Estado Novo de Getúlio Vargas resolver espalhar estradas pelo país, e assim, no começo da década de ‘40, iniciou-se a construção da chamada Estrada de Rodagem, que era o que podia haver de mais moderno para aqueles habitantes da serra.
‘Governar é Abrir Estradas’, dizia um jargão da época, e essa máxima se estendeu por todo um período que ia do final dos anos ’30 até a década de ´60. Naquele início, é possível dizer que a vida parecia sorrir para o legendário Bibiu, e, por tabela, para Pedro Compasso.
Aconteceria, porém de, nos anos posteriores, quando já houvesse Bibiu largado a profissão, vitimado por um acidente que lhe comprometeu parte da mobilidade física, que continuasse seu pupilo, Pedro Compasso, a frequentar boléias, e até conseguisse adquirir para si um caminhãozinho velho. Comumente chamado de “fubica’’, este lhe permitia, no entanto, manter-se como autônomo, dono de seu tempo, longe das ordens dos senhores brancos e abastados.
No começo de todo aquele processo, porém, a Serra do Teixeira registraria grande quantidade de acidentes fatais. Os caminhões produzidos na época pela indústria internacional – Studebaker, Alpha Romeu, etc -- não tinham ainda tecnologia satisfatória para enfrentar condições tão adversas em estradas que iam sendo construídas sem observância de quaisquer dos princípios básicos de segurança, tais como hoje os entendemos: acostamento, barras de proteção, sinalização, etc. O sistema de freios, a incipiente resistência do material utilizado na confecção da barra de direção, para citar alguns pontos vulneráveis, não suportavam torções e pressões quando submetidos ao transporte de cargas muito pesadas em ladeiras com inclinação próxima dos 40 gráus.
O carro de Antonio Pereira / Em baixa velocidade / Virou, matando a metade / Do povo bom de Teixeira / Gente boa, hospitaleira / Se acabou nesta enrascada / Com gente ruim não há nada / Não há sequer embaraço / Cadê que Pedro Compasso / Nunca morreu de virada?
(poeta Zé Marcelino)
Mas essa inovação na vida dos brasileiros começara, em Teixeira como em todo canto, a produzir novos profissionais do volante. As continuadas politicas desenvolvimentistas alcançariam seu auge nos anos ’50, e, nas imediações da bomba de gasolina de Aristeu Guedes, onde motoristas faziam ‘ponto’, tornou-se cena comum esses novos profissionais troçando do velho Pedro Compasso (que por esse tempo dividia a antiga constância no volante por essa mais recente, de consumir aguardente) com seu maquinário ultrapassado.
Zombeteiros, aqueles moços punham em dúvida não só a capacidade profissional do velho caminhoneiro, como a da sua esgarçada ferramenta de trabalho, um antigo Volvo de cor escura indefinível, e cuja máquina demorava-se cada vez mais em ceder aos apelos da manivela. Jocosos, gritavam de longe suas provocações a Pedro Compasso. Faziam isso, certamente, para ouvir as respostas espirituosas de sempre:
-- Aonde eu entrar no Recife com 60 km/h de ré, vocês não entram com 30 de frente!”
Magro e alto, Pedro Compasso tinha braços e pernas que, por serem muito longos faziam dele um tipo bastante desengonçado, e que parecia estar sempre ocupando o espaço na forma mais imprevisível. Bebendo em um bar, ele agitava-se e falava num tom de voz que era sempre em sustenido maior. Falava como se estivesse no meio de uma feira abarrotada de pessoas. E talvez por sua verve pitoresca, gostasse, como poucos de se fazer presente às cantorias de viola.
Encerremos com esse verso primoroso do poeta Zé Marcelino, escrito momentos após ‘convencer’ Pedro Compasso a se retirar do seu bar, numa hora da noite já bem tardia. Feito como verdadeiro desabafo, após fechar as seis portas de seu bar:
O diabo que joga o laço / Em tanta gente de bem / Porque um dia, não vem / E leva Pedro Compasso?/ Lhe deixe lá no espaço / Na esfera sideral / Onde seu corpo anormal / Que tanto incomoda e erra / Fique longe cá da terra / Não se veja nem sinal.
Alberto Lacet é artista plástico e escritor.

A obra mais pontuada – “As bênçãos de Nossa Senhora das Neves” – foi a que, paradoxalmente, mais sofreu revezes com a comissão. Endeusad...
Uma análise escultural
Erickson Campos Brito – pseudônimo Augusto dos Anjos – apresentou o tema “Saudação ao Sol” – de motivos óbvios, já que em João Pessoa o sol nasce primeiro em todo continente americano. Esse escultor teve o mérito de ser o primeiro artista a ter apoio unânime da comissão. Sua obra, compacta, vistosa, majestosa, densa de sentido, bem desenvolvida, cativou imediatamente todos os julgadores, sem exceção. Sua “Saudação ao Sol” impressionou a todos pela beleza de seus seis volumes de ferro em vermelho vivo, o conjunto lembrando, imediatamente, as famosas estátuas que “montam guarda” na costa litorânea da Ilha de Páscoa. Nossa sugestão é a de que o grupo fique voltado para o nascer do sol em Tambaú. Achou-se por bem, ainda, que se negocie com o artista que aumente a altura da obra, de três para cinco ou seis metros, para que sua monumentalidade marque presença em nosso litoral. Ele, evidentemente, também sairá ganhando com isso.
“Guardiã da Cidade” – de Evanice dos Santos Silva (Tanice), que consiste num pássaro que levanta vôo, é de uma elegância tal que fez a comissão, a princípio, duvidar da competência da escultora para realizá-la. Depois de muito debate, concluiu-se que não tínhamos como avaliar os meios do/a artista para tal proeza, pois o pseudônimo nos impedia saber de quem se tratava. “In dubio, pro reo”, diz a Justiça. Resolvemos, portanto, dar-lhe um voto de confiança a ser confirmado – como, aliás, deve acontecer com todos os selecionados – no contato que, fatalmente, acontecerá entre eles e a comissão, com a divulgação do resultado do concurso.
“Revoar” - de Luiz de Farias Barroso (Ícaro), tem os mesmos méritos e problemas da anterior. Sua qualidade principal é a criação de uma arribação de aves que é, ao mesmo tempo, a de um só pássaro, dividida pelos vários fotogramas de seu movimento. A questão levantada é a das possibilidades técnicas do concorrente e a do realismo de seu orçamento para realizar a obra prometida. Cabe, também, ao contato comissão-e-artista, tornar isso bem claro.
Wilson Figueiredo da Silva (Plácido Rivera) submeteu-nos “O Cavaleiro Alado” à apreciação, sendo sua proposta a que mais evoca a arte de Jackson Ribeiro, homenageado pelo certame. O trabalho se impôs ante nós pela presença maciça, teoricamente monumental, mas as dimensões propostas são decepcionantes e perigosas. Dois metros de altura, para um trabalho colocado em meio a uma avenida, é muito pouco. E tem o inconveniente de ser facilmente escalado por crianças, que sofreriam sério risco de ferimentos nas orelhas pontudas do animal representado. Parece-nos que quatro ou cinco metros seria o ideal para a obra, que correu o risco de ser ridicularizada pela comissão ao se constatar que o “cavalo” parecia mais um boi, com o que se pensou em sugerir ao seu criador que mude o nome dela para “Touro Alado”, como os dos assírios, ficando, assim, a evocação paralela com os cavalos-marinhos, feita pelo autor, transferida para o bumba-meu-boi.
Todos os trabalhos não selecionados comoveram a comissão pelo seu número, pela disposição e empenho de seus autores, mas deixaram a desejar pelo aspecto estético e, também pelo temático, sempre sem grandes vôos. A comissão discutiu detidamente a validade de cada proposta A obra “Velas do Cabo Branco”, do autor com pseudônimo de “Tenho Dito”, por exemplo, gerou uma discussão sem fim, por apresentar alguma beleza se vista de dois pontos de vista contrários, mas presença absolutamente nula, se vista dos outros dois, limitada, literalmente, a um mastro. Isso foi considerado, por parte da comissão, como um motivo para torná-la inadequada, desclassificando-a. Foi apresentada ao grupo, inclusive, uma escultura de Roy Lichtenstein – maravilhosa – com o que seria o mesmo problema, no caso resolvido pela colocação da obra ante uma passagem, num jardim, de modo que a visão dela seria exclusiva, de acordo com ela mesma, para quem se aproximasse de um lado ou de outro. No caso, o local seria semelhante: o canteiro no final da Epitácio Pessoa. A escultura de Lichtenstein tem, no entanto, mais espessura e é – infelizmente – de uma beleza tal, que sua falta de “presença redonda” lhe redime a falha, excepcionalidade que a obra concorrente, infelizmente, não tem.
Examinou-se uma segunda “Velas do Cabo Branco”, em granito, majestosa, do concorrente “Granato”, mas com uma falha na apresentação do projeto – pois nele há somente uma foto, um só ponto de vista da escultura – o que é vedado pelo regulamento. Além do mais, sua formulação – bem como a de outras obras suas, apresentadas na sua pasta - está muito vinculada ao cubismo ainda de Picasso e Braque nos inícios desse movimento artístico.
Surgiu, ainda, um “Monumento à Paz”, do candidato “Creso”, em que uma mulher ergue um enorme girassol. Foi unanimemente descartada pela comissão por sua também defasagem, considerada ainda muito dentro do “realismo soviético” e de suas já muito estudadas limitações.
Duas outras obras também mostraram grande coerência com os locais escolhidos para sua entronização: uma bailarina diante do Teatro Santa Roza, e um índio – nesta terra de cariris e tabajaras - na mesma posição do famoso bronze grego representando Poseidon/ Netuno. Mas as intenções dos autores/as tropeçaram na concepção pouco estética dos trabalhos.
Outra peça, “Infância Paraibana”, de “Libra”, pareceu-nos pecar pela pesada composição – dois enormes cubos – buscando leveza com aplicação de pinturas cheias de meninos brincando, o que deveria ter sido feito com altos e baixos relevos, não com a assimilação de outra arte.
* considerações do autor sobre as esculturas paraibanas candidatas a figurar no cenário urbano da nossa capital, como então presidente da comissão avaliadora.
W. J. Solha é escritor, dramaturgo, artista plástico e escritor (João Pessoa-PB).

Para escrever texto apreciável, o autor precisa sentir e viver intensamente o tema escolhido, deixando-o numa madorna antes de colocar o ...
As formas de sentir e escrever
Para escrever texto apreciável, o autor precisa sentir e viver intensamente o tema escolhido, deixando-o numa madorna antes de colocar o ponto final. No entender de Stendhal, para se tornar escritor, “é necessário se atrever a sentir”. Sem deixar de lado este ensinamento, recorro à frase de Cervantes, quase quinhentos anos atrás, retirada do “O Amante Liberal”, ao afirmar que, “quando se sabe sentir, sabe-se dizer”.
Sentir e dizer, conhecer e escrever é o desejo que acompanha todo escritor: saber sentir e viver aquilo que escreve. Buscando superar-se e tentando suplantar cada escrito anterior, seja contando uma história ou narrando um fato do cotidiano, o escritor ou poeta, convive com emoções.
Sem emoção não se tem poesia, não se terá um texto considerável. Cervantes e outros encontram no romance a fórmula de abordar a realidade de uma época amplamente expressando o desejo da alma, por isso são autores universais.
Na Paraíba surgem muitos poetas. Não podemos negar, aqui é onde se publica e divulga poesia em larga escala. Isso é bom e nos deixa contentes. A poesia que alimenta e sacia a sede da alma.
Houve um tempo em que as expressões literárias chegavam às escolas e aos lares com maior frequência, porque nestes lugares é onde se plantam sementes que dão frutos. Se há uma avalanche de poetas e escritores na Paraíba, também temos poemas que são um ajuntamento de palavras. O poeta precisa de inspiração, da inspiração que vem com os encantos da musa, da Natureza, de um acontecimento, do que vivencia, das emoções sentidas.
Admiro o poema no qual as pessoas encontram a beleza espiritual, e se embriagam pela emoção. Cada palavra, cada verso fazendo emergir uma centelha da imagem daquilo que é possível ser observado no fundo da alma.
Sou um leitor contrito e obediente às minhas quimeras ou às alheias. Sou um poeta lento e um leitor reservado, a cada poeta que leio tento encontrar uma definição para a minha emoção, a partir do que ele, poeta, sentiu ao escrever seu texto.
Para mim, desculpem se repito alguém, mas poesia é emoção. Se o poeta consegue colocar emoção nas palavras, é um bom começo. “Um poeta vale, feiticeiramente, pelo seu poder encantatório”, assim falou com propriedade Mário Quintana.
Se a poesia consegue levar o leitor a definir a voz do vento que sopra nas árvores, ouvindo melhor as ondas do mar, então cumpriu a sua missão. Uma das missões da poesia é levar a pessoa a sentir prazer e alegria. Defendo uma poesia que expresse o sentimento de liberdade da alma e do corpo, criando uma consciência transformadora na pessoa, seja emocional, política ou social. O papel da poesia é transformar as pessoas. Assim, então, essa poesia cumpriu com sua missão de transformar o mundo a partir das mudanças que provoca na pessoa.
É essa a poesia que esperamos chegar às mãos das pessoas que, de posse dela, sejam embriagadas pela emoção. Que haja livros em todos os recantos, nas periferias das cidades, ou no mais distante rincão de terra esturricada ou encharcada.
Para Murilo Mendes, poeta que buscava as coisas silenciosas, “a poesia pode sintetizar todas as outras formas de expressão artísticas”.
Acredito no poeta atento a um acontecimento que mexa com a memória, com a criatividade, algo que atice a criação poética no leitor.
O escritor é um leão que se aventura a caçar palavras que possam expressar seu pensamento concisamente, como definia Aristóteles, segundo o qual importava que fosse uma escrita fácil de ler e de pronunciar. Do contrário, tornaria árdua a leitura do texto ou do discurso ao público. Na poesia é conceito válido.
José Nunes é escritor, membro do IHGP (João Pessoa-PB).

A pandemia do coronavirus tem pressionado a humanidade a entender que é hora de promover uma revolução solidária. A sociedade, em todo ...
A revolução solidária provocada pelo coronavírus
A pandemia do coronavirus tem pressionado a humanidade a entender que é hora de promover uma revolução solidária. A sociedade, em todo o mundo, tendo que fazer escolhas entre manter-se numa postura de egoísmo e ganância ou adotar condutas de colaboração recíproca, sem vinculações a limites geográficos ou diferenças de ordem social, econômica e política. A necessidade de assumir o espírito de fraternidade.
Estamos sendo intimados a perceber os sentimentos alheios, despertando valores íntimos como compaixão e piedade. Fazendo prevalecer o altruísmo, praticando gestos capazes de transformar pessoas e circunstâncias, no propósito voluntário de contribuir sem esperar algo em troca.
O presidente de El Salvador, dirigindo-se a grandes empresários do seu país, afirmou: “Vocês têm dinheiro para viver dez vidas, mas agora ao precisarem de um hospital e um respirador, de nada vai adiantar a sua conta bancária”. Este alerta define bem a situação em que todos nos encontramos. Para sobreviver necessitamos da ajuda uns dos outros. Não entender isso é tomar partido pela política da morte.
O coronavírus surgiu como uma doença dos ricos. Porém ela socializou-se alcançando todas as classes sociais, com danos maiores, obviamente, aos que vivem em condições de pobreza. Não é difícil chegar a essa conclusão. A propagação comunitária invadindo as periferias, onde o isolamento social torna-se impossível de ser respeitado. Sem falar que milhões de pessoas moram em áreas urbanas sem saneamento básico adequado. Essa população sofre um efeito mais devastador da pandemia.
Urge revaliarmos o modo de ver o mundo ao nosso redor. Solidariamente, nos envolvermos em ações que possam mitigar o sofrimento dos mais necessitados, valorizando as vidas das pessoas, sem a preocupação imediata com a perda de lucros dos que vivem de ganhos econômicos. A crise sanitária que nos amedronta vem provocando espontâneas manifestações de apoio solidário, sem esperarem a necessária intervenção dos poderes públicos.
Começo a acreditar num avanço revolucionário de consciência coletiva, capaz de subverter a lógica capitalista de concentração de riquezas e de exclusão social. As tragédias são mais eficazmente contidas quando se verificam procedimentos pautados na cooperação, no entendimento e na paz. A onda de solidariedade que estamos assistindo é, sem qualquer dúvida, a forma mais correta de combater a pandemia do coronavírus. Unidos conseguiremos vencer os medos e as incertezas do momento.
Tomara que saiamos desse quadro de grandes preocupações menos individualistas, oferecendo mais importância ao convívio social, sem discriminações, respeitando as dessemelhanças. Fortaleçamos o grau de coalizão da sociedade promovendo a revolução solidária que o mundo está a carecer.
Rui Leitão é jornalista e escritor (João Pessoa-PB).

O amigo me mandou algumas fotografias – por correio eletrônico (e por isso mesmo não sei se o nome está correto; essas imagens digita...
E o reboco torna-se pele...
Quão formosos ainda, posto que descuidados, os prédios que outrora abrigaram tantas almas que já não coabitam conosco. Naquela casa amarela – será que sempre o fora? –, a da amiga, a moça deve ter-se escondido do pretendente indesejado por desajeitado, ainda que por seu pai abraçado por abastado (permitam-me a aliteração maljeitosa); naqueloutra, azul, o senhor via passar, tenho certeza, da grande janela, as pessoas indo e vindo e inevitavelmente os anos, esses apenas indo, porquanto jamais voltavam os ingratos, na ampulheta perversa da existência (que absurdo! cronista; pois não é você mesmo quem está a descrever a beleza da vida? Otimismo homem, otimismo...). Ah, que belo jardim! Se hoje vendem panelas e pilhas em suas alamedas, outrora casais ali se descobriam – ou se despediam (mania de aliteração!) – e pais orgulhosos expunham o mundo aos seus filhos, e estes àquele, pois inevitável. A igreja: um dia orgulhou-se de ser o prédio mais alto da cidade; já não o é. A divindade foi perdendo espaço para o homem, que se foi amontoando em edifícios.
Assim com as casas, assim com as gentes. Se me aflora a beleza das construções apenas quando em fotos, olvidando-a na pressa da vida, na desatenção com o mundo que me rodeia, na primariedade egoística do que é apenas meu – e não é muita coisa –, não digo diferente das pessoas. Observando aquelas paredes e portas e janelas, olhando detidamente os jardins, passo a ver sorrisos, desalentos e a ouvir vozes. E o reboco torna-se pele; e as janelas, olhos; e as portas, bocas; e a chuva não passa de lágrimas; não tarda e tenho muitos rostos a encarar-me, indagando-me da sua importância na minha vida. As pessoas me rodeiam e me são importantes, mas só as percebo quando as vejo em velhas fotos, quando observo o intangível passado. Felizes daqueles que não precisam das fotos para enxergar o quanto lhes é importante tudo: os prédios, os jardins, as gentes... Não fui agraciado com essa virtude, mas faço uso de ardil para evitar os atropelos da consciência: não revolvo meus álbuns, para que eles não me exponham a fraqueza.
Douglas Antério é advogado e cronista (Campina Grande-PB).

Estava a reler o belo romance do suíço Pascal Mercier “Trem noturno para Lisboa” (tradução de Kristina Michahelles, Editora Record) e me de...
O intocado piano em nossa sala
Estava a reler o belo romance do suíço Pascal Mercier “Trem noturno para Lisboa” (tradução de Kristina Michahelles, Editora Record) e me detive, à página 213, na inquietação e na angústia que assaltaram o personagem Jorge, no meio da noite, quando tomou consciência de que não haveria mais tempo para ele aprender a tocar o piano que, num impulso, comprara recentemente. “O piano de cauda – desde essa noite, ele me lembra que existem coisas que eu não vou mais ter tempo de fazer”, diz Jorge, para continuar: “Não se trata de pequenas alegrias insignificantes e prazeres fugidios, como engolir um copo d’água num dia de calor e poeira. Trata-se de coisas que desejamos fazer e experimentar porque só elas podem dar um sentido completo a esta nossa vida muito particular, e porque sem elas a vida permaneceria incompleta, um torso e mero fragmento.”.
Quem já, a partir de certa fase da vida, não experimentou tal desgosto, para não dizer tal tormento? São todos os sentimentos que afloram a partir da consciência da finitude, da brevidade e da precariedade de nossa existência. Simplesmente, de repente, de alguma forma sabemos que não teremos tempo para tudo que desejamos, para tudo que gostaríamos de vivenciar no tempo mais ou menos curto de nossa passagem pelo mundo. Que restarão sempre coisas que não serão feitas, experiências que não serão vividas, ou seja, que o que poderemos degustar da vida será sempre aquém de nossa fome, razão mais do que suficiente para inquietações e angústias. Ou não.
É verdade: ou não. Pois poderia ser de outra forma? Haverá porventura alguma vida plena, totalmente realizada, a ponto de não restar nada a concluir, nenhum desejo e nenhum sonho a satisfazer, alguma frustração, mínima que seja, que é a marca mesma de nossa limitada humanidade?
Alguém falou que deveríamos ter duas vidas: a primeira como ensaio; a segunda pra valer, sem apelação. Concordo. Mas sabendo que ainda assim seria pouco e que na segunda vez, mesmo com todo o suposto aprendizado anterior, ocorreriam erros, omissões e incompletudes. Como se diz, será sempre pouca vida para tanta arte.
O remédio, se remédio há, não pode ser outro senão aceitar com sabedoria e resignação essas tais incompletudes, inevitáveis que são. Aceitemos que sempre haverá um intocado piano na sala de todos nós, “monumento negro ao sonho irrealizável de uma vida plena”.
E o melhor de tudo, suprassumo da sapiência, seria nem mesmo chegar a comprar o tal piano. Saber logo, sem ilusões, e de uma vez por todas, que não teremos tempo de aprender a tocá-lo. Não nessa vida única, sem segunda chance, que nos cabe.
Francisco Gil Messias é ex-procurador-geral da UFPB
(in memoriam) E eis que chega a Semana Santa mostrando um Jesus traído, condenado, chicoteado, ensanguentado e, por fim, cr...
O Jesus que eu quero ver...
Pense num velório! Calma: antes de se escandalizar deixe-me tecer algumas considerações sobre o assunto. De saída, tia Anjinha era a m...
O enterro da Tia Anjinha
(José Mário Espínola, médico e escritor - jmespinola50@gmail.com)
Embora pertencesse à Geração 59, transitava com desenvoltura em todas as gerações, quer entre os que integravam as “Edições Caravelas...
Vive no sempre o onírico navio
Naquele ano de 1967, Vanildo Brito não era o abstêmio que a enfermidade o obrigou a sê-lo, mas o boêmio de longas jornadas noite adentro, ora no “Bar do Chapéu”, ora no “Bar de Merêncio”, ou ainda em outras bibocas que ele descobria em suas andanças à margem da província.
Filósofo muitas vezes encharcado de questionamentos metafísicos, nem por isso deixou de se contagiar pela alma das ruazinhas boas e simples, distantes e esquecidas, da João Pessoa de três, quatro décadas atrás.
Quanto ao Vanildo poeta, diria que – na esteira dos versos de Carlos Drummond de Andrade – deixou de ser moderno para se tornar eterno. E o eterno, aqui, significa a sua opção por uma poesia de feitio clássico, apolíneo, imune a modismos ou outras coisas do gênero, pois, com efeito, à lírica do autor de “Selecta Carmina”, as vanguardas nada tinham a acrescentar. Vanguardas em termos do concretismo e seus desdobramentos, uma vez que, se abeberando em Jorge de Lima, sobretudo no de “Invenção de Orfeu”, a poesia de Vanildo possui algumas ressonâncias do Surrealismo, principalmente no seu livro de estreia, “A Construção dos mitos”.
Para mim, a melhor poesia de Vanildo Brito é aquela que se cumpre sem a necessidade de corroborar os sistemas filosóficos que ele postulava em salas de aula e através de ensaios veiculados no “Correio das Artes” ou outras publicações do gênero. E isso porque a poesia não precisa provar coisa alguma, do contrário seria um mero epifenômeno da história, das ciências, da filosofia, etc.
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Diferentemente do que escreveu o amigo e poeta Marcos Tavares, Vanildo se candidatou, sim, a uma vaga na Academia Paraibana de Letras. Só que o seu jeito arredio, tímido, o indispunha a cabalar, a pedir o voto dos acadêmicos, como o fez o economista e político Aluísio Afonso Campos, vencedor da disputa. Quero crer, inclusive, que a sua candidatura decorreu muito mais da iniciativa de alguns amigos do que dele próprio, cujo temperamento anárquico, rebelde, sempre o situou num plano oposto ao de sua poesia, quase toda ela tributária da tradição.
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Se, na juventude, foi o mentor e o artífice da Geração 59, mal ingressou na idade madura abdicou do sentimento grupal para se isolar cada vez mais da vida literária. Foi quando se entregou à tarefa de traduzir alguns poetas latinos e de reunir os poemas que integram o livro “Selecta Carmina” (Edições Linha D’Água, João Pessoa, 2007), lançado quando a “indesejada das gentes” já lhe movia o cerco. Tanto que, embora tenha composto “Moritura nave” por ocasião do falecimento de Archidy Picado, a quem, inclusive, dedicou esse poema no suplemento “Correio das Artes”, desta feita omite o oferecimento ao colega de geração para, quem sabe, travestir-se, ele mesmo, no navio que, “(...) De velas recolhidas, (...)/ está cansado e arqueja lento. / (...) não está naufragando. Nem sequer/ aderna. Morre apenas, carcomido/ lentamente, marcas de mar/ no seu corpo aderidas como/ fundos sinais de mortes e de vidas./ (...) Não há lamentos nem salgadas lágrimas/ sobre o seu corpo imenso e mudo.// Vive no sempre o onírico navio.