Estamos há mais de um ano em uma guerra que nos exige coragem, é óbvio, mas também sabedoria, sacrifícios e o exercício da serenidade. Esta é decisiva para tomar sábias decisões, a fim de sobreviver. Até hoje ninguém provou que o desespero e o ódio sejam bons conselheiros quando se exige de nós fazer escolhas sensatas. Muito ao contrário.
Há lições nesta pandemia de Covid-19. E histórias estão sendo escritas neste exato instante: a nossa história pessoal e a coletiva. Est...
Lições da pandemia
Estamos há mais de um ano em uma guerra que nos exige coragem, é óbvio, mas também sabedoria, sacrifícios e o exercício da serenidade. Esta é decisiva para tomar sábias decisões, a fim de sobreviver. Até hoje ninguém provou que o desespero e o ódio sejam bons conselheiros quando se exige de nós fazer escolhas sensatas. Muito ao contrário.
NÃO SE USAM MAIS PÉS PARADOS Não se usam mais pés parados. E o traço desfeito, o arrebol da estrada, o sentido de um bilhet...
A terceira margem do rio
Não se usam mais pés parados. E o traço desfeito, o arrebol da estrada, o sentido de um bilhete ao vento, são insultos, farsas. (A poesia rege as cordas despercebidas do Mundo; é a brisa incógnita sobre o Leviatã.) Cobramos por tudo, inclusive pelo silêncio dos mortos.
Pouco depois do atentado de 11 de Setembro, eis que aparecem sobre os telhados de Paris as figuras de Monsieur Chat, um gato amarelo sorri...
Elegância, ironia e crítica do cinema francês
Esta é a sinopse do filme Gatos Empoleirados (Chris Marker, 2004) que traduz a fina ironia gaulesa e inquietação (até aqui) discreta no desconcerto global do novo milênio.
Uma mirada sobre o cinema francês — colocando em perspectiva o debate acerca do Poder e da Comunicação — se mostra importante por vários motivos:
Primeiramente, porque a França possui uma modalidade de produção cultural historicamente crítica, cujos atores, cineastas, estetas, jornalistas e apreciadores da sétima arte têm se caracterizado pelo engajamento em termos estéticos e ideológicos, formais e plásticos, em luta pela liberdade, autonomia e emancipação.
Depois, aponta uma alternativa para o circuito cinematográfico que concorre com a indústria de Hollywood, na medida em que define os termos de uma identidade cultural, mesmo e por causa das negociações simbólicas com os modelos globalitários e comerciais norte-americanos.
E finalmente porque o cinema francês, desde a "Nouvelle Vague", não cessa de dialogar com a produção cinematográfica brasileira, compondo outro prisma da conexão entre as artes audiovisuais e as identidades latinas na época da mundialização.
Cumpriria fazer aqui algumas considerações focando o fenômeno do poder e o cinema no contexto francês.
Primeiramente, cumpre relembrar o caráter nacionalista da sociedade francesa que, estrategicamente, se empenhou em realizar a primeira revolução burguesa do mundo e como metrópole ocidental antecipou a globalização avant la lettre, colonizando inúmeros países da África e do Oriente, e o que há de positivo nessa experiência colonialista é a arte absorver o melhor das suas ex-colônias, revigorando a imaginação criadora.
Hoje, Paris e outras cidades francesas experimentam em casa e na própria pele a revanche do multiculturalismo. As novas gerações (árabes, afrodescendentes) imprimem as suas impressões digitais na cultura francesa, mas nem sempre se integram à normatividade sociocultural e política, daí desencadeiam-se conflitos. Isto, por um lado, representa um tipo de caos, distúrbio e decadência para um cenário cultural outrora relativamente tranquilo, mas por outro lado, significa um novo estilo de "revolução", resposta ao racismo, intolerância, segregação e dissociabilidade.
Tudo isso já fora prenunciado em filmes indignados como Delicatessen (Jean-Pierre Jeunet, 1991), O Ódio (La haine, Kossovitz, 1995), Irreversível (Gaspar Noel, 2002) e Banlieu 13 (Pierre Morel, 2004), e reaparece em todas as cores e credos nos filmes franceses mais recentes como Intocáveis e Samba (Olivier Nakache e Eric Toledano, 2011 e 2014), Que mal eu fiz a Deus? (Philippe de Chauveron, 2014).
Em cena, os mestiços franceses, árabes, africanos, orientais, latinos, francofônicos descendentes, migram dos subúrbios, são excluídos e indignados, exigem o seu lugar no mundo do trabalho, das atividades sociais, das decisões públicas.
Numa palavra, o cinema francês, como o brasileiro, tem exibido os abismos sociais e as fraturas do cotidiano, sintoma de um projeto neoliberal, que dá mostras de insustentabilidade.
Apreciando uma cultura de tradição verbal, como a francesa, à primeira vista ressalta aos olhos, a maneira com o cinema absorveu — mais do que em qualquer outro país — a retórica literária. Mas este é um país privilegiado pelo extraordinário acervo das artes plásticas, pintura, escultura, arquitetura, moda, design, publicidade; a França é hors concours em matéria de comunicação visual. Além da tradição de dramaturgia, que também fornece grande parte da matéria prima do cinema francês, o estilo de vida parisiense, desde a época dos Luíses, passando pela urbanização de Haussmann, a construção das Passagens, a decoração dos ambientes, a etiqueta e o adestramento na construção dos interiores, atestam uma modalidade de mise-en-scène que antecipa a simulação da vida imaginada no cinema.
As imagens da Cidade-Luz, os grandes diretores e a constelação de estrelas, que fizeram a fama do cinema francês ao longo do século XX, contribuíram para a consolidação de um estilo narrativo que reúne arte, existência, ficção e história, produções que primam no trabalho de elaboração do princípio do sonho (ficção) e princípio da realidade (documentário).
No cinema ocidental há manifestações das interculturalidades embaladas pelos véus da beleza, bom gosto e elegância, mas há também projeções de uma razão sensível ao mal-estar, angústias e inquietações face às desordens sociais, econômicas e políticas globais. Logo, cumpre apreciar a história do cinema francês percebendo como este libera os deuses e monstros que habitam os seus seculares territórios simbólicos.
A título de ilustração, há alguns filmes que servem de pretexto para uma compreensão das relações entre o poder e a sociedade no contexto francês: A Grande Ilusão (Renoir, 1937), Les Enfants du Paradis (Marcel Carné, 1945), Hiroshima Meu amor (Alain Resnais, 1959), Os Incompreendidos (Truffaut, 1959), A Chinesa (Godard, 1967), além das versões da obra prima de Victor Hugo, Os Miseráveis, para o cinema, são clássicos que levam a um aprendizado estético do social.
"Aquele que diz que está na luz, mas odeia o seu irmão, está nas trevas até agora. O que ama o seu irmão permanece na luz e nele não...
Na ausência do bem
Sob esse título, Emmanuel analisa que as diferentes manifestações da intransigência ou fanatismo refletem uma alma enferma, doente porque escolheu viver na ausência do amor.
Como enfermidade do espírito, a intransigência expressa severidade ou rigor perante os comportamentos e opiniões humanos. Em se tratando de ação política ou religiosa, a intransigência demonstra atitude odiosa, agressiva, a respeito daqueles de cuja opinião ou crença se diverge.
Estejamos, pois, atentos porque a intransigência não se instala abruptamente. Requer um período de incubação gradual, semelhante ao que acontece nas doenças infecciosas. Só que no caso da intransigência, a infecção ocorre na alma.
Procuremos guardar a devida vigilância com o intuito de aprender identificar sinais reveladores dessa terrível infecção espiritual, alguns dos quais são assim destacados por Emmanuel:
O filósofo iluminista Voltaire já afirmava que a intransigência ou fanatismo "[…] é para a superstição o que o delírio é para a febre, o que a raiva é para a cólera. Aquele que tem êxtases, visões, que toma os sonhos como realidades, e suas imaginações como profecias, é um entusiasta; aquele que alimenta sua loucura com assassinato é um fanático." [2]
A história humana está repleta de atentados cometidos contra a Lei de Deus porque pessoas fanáticas ou intransigentes, agindo como juízes severos e frios, não hesitaram em cometer crimes, condenando à morte ou à perseguição implacável irmãos em humanidade, simplesmente porque estes não pensam como eles. A civilização atual, contudo, indica que o ser humano evoluiu e que leis mais justas foram elaboradas, a fim de que a vida em sociedade possa estabelecer uma convivência mais pacífica.
A pessoa de bem sabe que é preciso agir com muita prudência e espírito de benevolência perante as divergências encontradas no cenário social.
O maior desafio da humanidade atual é vivenciar o amor, trilhando os caminhos da luz, libertando-se das trevas, como esclarece o apóstolo João na citação inserida no início deste texto: "o que ama o seu irmão permanece na luz e nele não há ocasião de queda." O Amor é, pois a solução, o remédio salutar, a vacina eficiente, que cura e produz imunidade às enfermidades espirituais.
"Quem ama o próximo sabe, acima de tudo, compreender. E quem compreende sabe livrar os olhos e os ouvidos do venenoso visco do escândalo, a fim de ajudar, em vez de acusar ou desservir."
É necessário trazer o coração sob a luz da verdadeira fraternidade, para reconhecer que somos irmãos uns dos outros, filhos de um só Pai. [4]
Com aqueles olhos de forte claridade, Otávio Sitônio Pinto já havia chegado ao meu terraço com esta conversa: quem deu nome ao Brasil foi ...
Recordando
- Onde você viu isto, homem?
Ele não lembrou ou não quis dizer, mas aquilo ficou fermentando minha cerveja.Otávio, além de minerador de leituras é bom de intuição.
Nos anos 1950, os conjuntos vocais alcançavam, nos Estados Unidos, a sua época de maior evidência. E dentre uma infinidade de grupos que e...
Um mestre da canção romântica
Há pouco mais de dois anos, tenho tido conversas semanais muito proveitosas sobre Augusto dos Anjos com dois amigos, Astenio Cesar Fernand...
Augusto dos Anjos e a poesia como um continuum
A partir daí, podemos aplicar esse raciocínio a um dos veios da poesia de Augusto dos Anjos – o da evolução da espécie –, constatando que um ser que vem “do cosmopolitismo das moneras”, um “polipo de recônditas reentrâncias” (Monólogo de uma Sombra), uma “actissa radiolar” (Os Doentes), um “gérmen” (A um Gérmen), “larvas” (O Pântano), um peixe “malacopterígio subraquiano” (Alucinação à Beira-Mar), um “amniota subterrâneo”, um “sapo” (As Cismas do Destino), um “animal inferior que urra nos bosques” (Monólogo de uma Sombra), um “cachorro a ganir incompreendidos verbos” (As Cismas do Destino), um “macaco catarríneo” (Os Doentes), o homem em suas versões de “filósofo moderno”, “sátiro peralta” (Monólogo de uma Sombra) ou visionário noturno (Noite de um Visionário) são os elos de uma cadeia ininterrupta de evolução da espécie, todos filhos do “carbono e do amoníaco” (Psicologia de um Vencido) ou do “Protilo” (Sonho de um Monista), que não podem ser vistos de maneira isolada, pois se assim enfocados, nada dirão.
O outro veio, o da evolução espiritual estagnada, este se materializa como, já afirmei em estudo anterior, na “angústia da evolução”. O propagador dessa assincronia é a Sombra, uma espécie de alter-ego do aflito eu-póetico, diante da degradação do espírito humano, que ela sintetiza metonimicamente, sentido em si “a dor de todas essas vidas”. Assim como não podemos ver de maneira isolada as referências sólidas e bem tramadas da evolução da espécie, ao longo do texto augustano, também não podemos ignorar o continuum existente e incontornável, em busca da espiritualização, que começa com “Monólogo de uma Sombra”, um poema-manifesto de sua profissão de fé. A conexão se faz em “Sonho de um Monista” em que o eu-poético enxerga “a verdade espantosa do Protilo”, cuja alma vê “Deus – essa mônada esquisita”, tudo fazendo parte da “evolução orgânica da argila” (As Cismas do Destino). Aquilo que a Sombra deixa implícito, principalmente no final de seu discurso, é o que se dirá com todas as letras em “Anseio”, como um remate claro para a ligação entre os dois veios poéticos:
Quem sou eu, neste ergástulo das vidas Danadamente, a soluçar de dor?! – Trinta trilhões de células vencidas, Nutrindo uma efeméride inferior. Branda, entanto, a afagar tantas feridas, A áurea mão taumatúrgica do Amor Traça, nas minhas formas carcomidas, A estrutura de um mundo superior! Alta noite, esse mundo incoerente, Essa elementaríssima semente Do que hei de ser, tenta transpor o Ideal… Grita em meu grito, alarga-se em meu hausto, E, ai! como eu sinto no esqueleto exausto Não poder dar-lhe vida material!
De cunho neoplatônico, o soneto nos traz a vida material como prisão e dor, com o ser humano gastando suas células, para nutrir uma inferioridade, que o tornará em vida um “esqueleto exausto”. Os dois primeiros versos encerram uma pergunta retórica, em que a admiração se sobrepõe à interrogação, pois o eu-poético sabe perfeitamente a resposta, que nos é dada nos dois versos seguintes. A prisão que encarcera o eu-poético não é uma prisão qualquer, mas um ergástulo, aquela que faz do ser humano, um escravo e devedor, diante dos saques incontáveis à vida material, cuja efemeridade ele não alcança, pensando-a eterna. A dor vem lhe trazer o quanto o homem perdeu diante de sua entrega a uma materialidade que o aprisiona e, “danadamente”, o condena. O último verso da primeira estrofe se constrói numa espetacular aliteração, com base no fonema fricativo /f/, levando-nos a ouvir a vida que se escapa inutilmente – Nutrindo uma efemeridade inferior.
O lamento que se expressa em soluço e dor é semelhante à crítica que a Sombra faz ao Filósofo Moderno e ao Sátiro Peralta, nas suas entregas à materialidade, estragando o seu “vibrátil plasma todo”. Mas, em “Anseio”, há o diferencial que pode remediar essa situação: o Amor (assim com letra maiúscula) é o único meio possível de transformação do ser humano, para livrá-lo da prisão da materialidade, para livrá-lo da danação. O Amor é o taumaturgo, o operador de milagres, e causa o prodígio da transformação, trazendo o consolo à dor e ao soluço, com a sua mão branda, afagando as feridas, transformando as formas carcomidas, numa estrutura de um mundo superior.
É pelo Amor e pelo consolo que ele traz, que a dor, o sofrimento, a prisão, a inferioridade se transformarão em liberdade, em alívio, em eternidade e vida superior, em luz, conforme sugere a sua “áurea mão”. Na beleza do paradoxo que contrapõe e funde “as formas carcomidas” e a “estrutura de um mundo superior”, o eu-poético expõe a certeza de que já se encontra, na degradação, a purificação; igualmente, na morte, se encontra a vida: é a podridão servindo de Evangelho, é a "eucaristia negra", é a graça que se encontra na desgraça. A evolução material é o passo para a evolução espiritual, porque, enfim, tudo se encontra em tudo. O eu-poético revela esse anseio no hausto em que se alarga o seu grito de dor, que diz dessa necessidade de um sorvo profundo de espiritualidade.
Para que isso ocorra, contudo, o homem tem de ter consciência de sua pequenez e imperfeição; de que está perdido em vidas sucessivas que o aprisionam – “Quem sou eu neste ergástulo daS vidaS/Danadamente a soluçar de dor!?”. Ter a consciência de que é uma “elementaríssima semente do que há de ser”, para, a partir daí, buscar o ideal do espírito. Como sabemos, o uso do superlativo em Augusto dos Anjos, é característico. Nesse caso, ele enfatiza a pequenez do homem, não para diminuí-lo, mas para que ele saiba que é da pequena semente que ocorre a transformação na grande árvore. Para que isto aconteça, a semente precisa morrer ou não frutifica. O homem precisa morrer materialmente para dar o fruto do renascimento no espírito. Isto se aplica para o puramente biológico, em que o espermatozoide encontra o óvulo, deixando ambos de ser o que são, “morrendo”, para gerar o que há de ser, e se aplica também, com relação ao transcendental, em que o espírito vai passar algum tempo aprendendo, como habitante da vida etérea, conforme mostra a bela metáfora do espírito “vestido de hidrogênio incandescente”, no poema “Solilóquio de um Visionário”.
A matéria nutre uma inferioridade, enquanto o espírito busca a superioridade, é o que nos revela a antítese entre a primeira e a segunda estrofes. O homem precisa sair dessa noite que o envolve — característica marcante do eu-poético angustiado —, noite mais interna do que externa, e buscar alívio para a sua dor, através do Amor. Salvo engano, este é o único poema de Augusto dos Anjos em que o Amor aparece, com todas as letras, pleno e redentor, bem diferente do “amor do sibarita e da hetaíra,/De Messalina e de Sardanapalo” (Idealismo). Não basta, no entanto, saber que o Amor transforma e espiritualiza, é preciso praticá-lo. Aí vem outra lição: a angústia de não poder realizar na matéria a espiritualidade. A matéria é um meio de aprimoramento, é na matéria que se prepara a espiritualidade, numa batalha constante de transpor o Ideal. Ao homem que perdeu sua vida, consumindo-a e tornando-se “esqueleto exausto”, a nova vida só será possível através da espiritualidade, cujo agente é o Amor. Sem ele, o homem está perpetuamente condenado ao sansara (Monólogo de uma Sombra, Viagem de um Vencido), como um escravo no ergástulo.
Acredito que este soneto “Anseio” é um exemplo de que a poesia de Augusto dos Anjos exige ser lida como um sistema. Não podemos ignorar isto e submeter seus poemas a nossas crenças pessoais, sejam elas quais forem, científicas ou religiosas. Como exemplo, ainda mais claro desse sistema, temos o tríptico magistral em que o eu-poético fala do pai morto. Lidos separadamente, os três sonetos dirão menos da espiritualidade do que se lidos no sistema em que foram produzidos.
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