Quem conta é Antônio Carlos Villaça em seu “O livro dos fragmentos”: o editor José Olympio Pereira Filho não lia livros; gostava de ler jo...

O editor que não lia livros

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Quem conta é Antônio Carlos Villaça em seu “O livro dos fragmentos”: o editor José Olympio Pereira Filho não lia livros; gostava de ler jornais, mas livros não. Vejam só.

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José Olympio
José Olympio foi o mais importante editor brasileiro na segunda metade do século XX. Para qualquer autor, ter um livro publicado pela editora que levava (e leva) seu nome era já uma consagração antecipada. No caso de escritores estreantes, nem se fala – era a glória. Pois esse homem que editou milhares de livros, dos mais importantes autores nacionais e estrangeiros, não os cultivava como leitor, preferindo a leitura rápida e rasa dos jornais, como se lhe bastasse a simples notícia dos dramas humanos em vez de sua dissecação, sempre sofrida, pela literatura.

Um de seus irmãos, que com ele trabalhava, encarregava-se da leitura dos livros candidatos à publicação, bastando para o editor o parecer aprovatório e as informações genéricas sobre cada obra. Sua intuição extraordinária e a experiência acumulada na lida com os livros bastavam para guiar-lhe nas decisões importantes.

Certamente, para ele, nessas decisões, o que menos contava era o eventual retorno financeiro da publicação, pois valia-lhe mais a certeza de estar dando ao público uma obra relevante, postura que sempre distinguiu os grandes do seu ofício. Não gostar de ler, portanto, não o impediu de ser o magnífico editor que foi, assim como a inapetência não impede alguém de ser exitoso dono de restaurante.

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Antônio Carlos Villaça
Voltando a Villaça, ele tinha autoridade para falar sobre José Olympio. Foi seu amigo próximo e seu biógrafo com a obra “José Olympio – O descobridor de escritores”, em que narra a trajetória admirável desse paulista de Batatais, que, jovem ainda e com poucos recursos, foi para o Rio e lá construiu um nome triunfante. E pensando bem, ninguém melhor do que Villaça para contar a vida do grande editor, Villaça que tudo sabia sobre os homens de letras, a vida literária, suas grandezas e misérias, enfim, a literatura e a cultura brasileiras radicadas no Rio de Janeiro do século passado.

Rachel de Queiroz, na apresentação da biografia de JO, ressalta que ele assumia, frente aos escritores por ele editados, uma dimensão paternal, amparando-os em todas as necessidades. “Os seus editados viravam seus amigos, tão íntimos como só irmãos o seriam.”. Este é um diferencial realmente importante, principalmente se olharmos para as relações profissionais e comerciais contemporâneas, geralmente marcadas pela mais crua impessoalidade. José Olympio, ao contrário, “adotava” seus escritores, cobrindo-os de atenções e de mimos, sem jamais fazer qualquer tipo de interferência nas obras editadas, acrescente-se.

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Era muito ligado aos paraibanos. Publicou a oitava edição de “A bagaceira”, de José Américo, e o romance “Mariana”, de Ernani Sátyro, tudo com direito a banquete e discursos. José Lins do Rego era frequentador diário de seu escritório. Chegava ao ponto de tirar cochilos e escrever artigos de jornal na sala do editor. Só mesmo Zé Lins para tais informalidades.

José Olympio reinou sobre a cultura literária brasileira do século XX como só um rei poderia reinar. Viveu décadas de festejada glória. Mas seu fim foi melancólico. Por problemas financeiros, a editora teve sua propriedade transferida para o empresário Henrique Sérgio Gregori, que teve a grandeza de permitir que JO continuasse à frente da empresa. Foi em 1984 e ainda faltavam seis anos para a sua morte.

Nesses anos finais, ele foi se recolhendo ao apartamento modesto em que viveu por quarenta anos, no bairro da Glória, apesar de sempre lembrado e visitado por amigos e admiradores. Até a morte súbita, à mesa, no dia 3 de maio de 1990. O velório consagrador ocorreu no saguão da editora, sua verdadeira casa de toda a vida, como não poderia deixar de ser. Ali a lenda já formada através dos anos tomou definitivamente o lugar do morto ilustre, o improvável e imenso editor que não lia livros.


Francisco Gil Messias é cronista e ex-procurador-geral da UFPB

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