O espelho e a fotografia

Meu bisavô, coronel João Mendes, costumava dizer que o espelho mostra o caráter das pessoas. Vendo fotos antigas é possível reconstruir o retrato escondido no tempo. A fotografia e o espelho ajudam no esboço da reconstrução de fatos guardados na memória, a fisionomia escondida de alguém.

Uma fotografia, que chegou para mim por meio de um grupo de amigos conectados às redes sociais, me transportou ao passado do início da década de 1960 em Serraria, quando meninos e meninas viviam a docilidade da vida que a ocasião proporcionava, frequentando o grupo escolar no verdor dos anos. Agora, mais de cinco décadas depois, estamos todos cheios de recordações que as sombras da idade não escondem.

Olhando a fotografia em preto e branco, uma alegria com insondáveis lembranças misturou-se ao passado de dores e pranto, agora superadas pelas alegrias do entardecer.

Enquanto a imaginação retornou ao instantâneo da fotografia registrando um momento no ano de 1962, no Grupo Escola Francisco Duarte, sob o olhar atento de dona Eterna Carvalho, tentava descobrir na fisionomia distante um rosto conhecido. Tudo nuvem e silêncio. Até que, aos pouco, chegam nomes e fisionomias. Os mais conhecidos são Wellington Farias (Leto de Sales Cebolinha) e seu irmão Dodó, Walter de Zito Carvalho, Donato Mendes... Todos formando uma mesma família.

Aos nomes que a memória retém, em vão busco recompor a fisionomia de cada um, mas ficam à flor das lembranças estes amigos que formaram minha paisagem nas conversas na praça Major Antônio Bento ou na escadaria da Igreja, e no Grupo Escolar onde a voz da diretora se fazia medianeira na pacificação de gostos.

Na contabilidade das amizades daquele tempo, ficou como saldo positivo Roberto de Padrinho Chico Neco, os irmãos Nivaldo, Noaldo e Nemésio Cavalcanti, Walter Carvalho, Ronaldo Carvalho Melo (Ronaldo de Avanísio) Roberto Menezes, Adroaldo Carvalho (Dó), Zé Paulo, João de Rafael Nunes, Cassiano de Leovegildo, Orlando Mendes, Cobra Verde, João Pinheiro... Muitos outros que busco lembrar o nome. Não os identifiquei na fotografia postada nas mídias sociais, mas sempre são pedaços das lembranças daquele tempo.

A foto trouxe incontida alegria, porque fui buscar a nostalgia na distância do tempo que se renova ao encontro com aqueles que repartimos os mesmos devaneios, nas manhãs ou durante as tardes quando deixávamos as salas de aula, para a conversa durante os recreios ou no retorno para casa pela estrada poeirenta e esburacada.

Aquele tempo afastado na memória tem o tamanho que imagino, ultrapassa os limites que posso conter a emoção quando adentro pelas serras que circundam a cidade, e minha vista se derrama sobre as palmeiras que tantas décadas depois continuam acenando ao meu derradeiro olhar.

Morando no sítio, a convivência com os meninos da rua trouxe para mim uma visão dos afastados do sibilar do vento espalhando os gravetos e folhas secas pelo terreiro, porque mesmo morando numa cidade rural, eles não tinham próximo o cheiro de curral.

Serraria nunca ganhará de mim um adeus, nem um olhar derradeiro. Está no poema que me alimenta, na brisa fresca que me segue. Como me acompanha os olhares que a fotografia trouxe-me de volta, rostos conhecidos a refletir no espelho da água que nunca se quebra.

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