Cheguei a Pamplona, a capital do antigo reino de Navarra, por volta das 10 da manhã, vindo de Zaragoza. A cidade estava de ressaca. As p...

Le Chemin de Saint-Jacques

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Cheguei a Pamplona, a capital do antigo reino de Navarra, por volta das 10 da manhã, vindo de Zaragoza.

A cidade estava de ressaca. As pessoas desfilavam com lenços e faixas vermelhas e calças brancas: a roupa típica da Festa de São Firmino. Na rodoviária, havia uma enorme fila de mulheres na entrada dos banheiros. Algumas ainda estavam bêbadas. Era 14 de julho de 2006, o último dia de festividades naquele ano.

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Miguillen
A estação estava agitada, com gente de toda parte chegando para participar da comemoração. Disseram-me que, por causa da enorme movimentação de veículos e de pessoas, era possível que o ônibus para Roncesvalles sequer conseguisse estacionar na plataforma. De Roncesvalles ou Orreaga, seu nome em basco, eu seguiria para o meu ponto de partida na França.

Fiquei aguardando no portão de embarque indicado no bilhete. A vieira costurada na minha mochila azul funcionava como uma espécie de crachá de peregrino. Não demorou para alguém me cutucar, avisando que o meu transporte tinha chegado, mas estava parado em outro local. Era o próprio “Caminho” me guiando.

Segui viagem, apreciando a paisagem da janela. A paisagem arquitetural era tão linda quanto a natural. O motorista possuía um excelente gosto musical. Por coincidência, a rádio na qual sintonizou tocava “Days Are Numbers”, lançada em 1984 pelo “The Alan Parsons”, a canção que se tornaria a “trilha sonora” do meu Caminho de Santiago. O peregrino em mim, se identificou com cada acorde da música e com cada sílaba da letra. “Watch the stars!”, dizia um verso. Sim, eu olharia para estrelas a cada noite do Caminho. Em particular, para a Via Lactea, que, no passado, serviu de orientação para os peregrinos até Santiago. Qual outra estrada na terra tem uma sinalização estelar?


Chegando a Roncesvalles, escolhi uma lotação com 8 lugares para Saint-Jean-Pied-de-Port. Conversei com um castelliano mancheo e com um casal de dinamarqueses durante a viagem.

O castellano me disse que percorreria o Caminho pela terceira vez, sendo aquela a primeira começando desde o País Basco francês. O caminho até o nosso destino incluía a subida numa estrada sinuosa, Pireneus acima. A cada volta, o meu estômago era jogado para o lado contrário. A coloração da minha face revelou o mal estar. O castelliano me sugeriu pôr a cabeça entre as pernas para diminuir o enjoo. O homem era uma enciclopédia de sabedoria aplicada.

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Nesimo

Quando o rádio da van começou a falar francês e basco, percebi que nosso destino estava próximo.

Teria de me decidir se pernoitaria no País Basco francês ou se seguiria viagem a pé de volta a Roncesvalles. Embora fique perto da fronteira, não se fala espanhol em Saint-Jean.

Escolhi ficar e optei por um albergue chamado “Estrela do Caminho”, muito simbólico e charmoso, situado numa rua aladeirada cheia de casas medievais com canteiros de flores multicoloridas abaixo das janelas: a visão de um sonho.

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Saint-Jean-Pied-de-Port ▪ FrançaNesimo

Na França, Santiago é Saint-Jacques. Por lá o Caminho é chamado de Rota Jacobea.

Após me alojar, sai para conhecer a cidade. Numa das inúmeras lojinhas temáticas, comprei a tradicional medalhinha que identifica os peregrinos. “Insigne des Pèlerins”, dizia a inscrição nela contida.

Ainda deu tempo de visitar a cidadela, edificada em 1628 para proteger a entrada dos Pireneus. Nela há um mirante de
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onde se pode apreciar uma vista privilegiada da cidade e também das montanhas. Lá tive a oportunidade de conhecer um simpático senhor basco, com o seu característico gorro negro, muito comum entre os idosos locais. Começamos falando em francês, mas quando lhe disse que morava na Espanha, ele me revelou que era espanhol, mas que a sua família teve de fugir do país por causa da perseguição política perpetrada por Francisco Franco, na década de 1930.

Na Rue de la Cidadelle, entrei num pequeno restaurante onde fiz uma das melhores refeições de toda minha vida. Um prato barato, considerado comum, só que em forma de obra de arte, tanto culinária quanto visual.

Precisava descansar para sair cedo no dia seguinte, mas a paisagem local era tão encantadora e convidativa que continuar a explorar as suas ruas e becos foi irresistível.

Finalmente de volta a pousada, já com as pálpebras pesadas, planejei o trajeto do dia seguinte. Cada “Caminho de Santiago” é único, como disse o grande poeta Antonio Machado: “Caminhante, o Caminho são tuas pegadas e nada mais; caminhante, não há Caminho, pois o Caminho se faz ao caminhar...”

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  1. Maravilha. A única viagem que fiz – nessa linha – foi a do nome Jacó (em hebraico, no Antigo Testamento: יעקב, transl. Yaʿaqov ), que, no Novo – originalmente escrito em grego ( Ιακωβος ), deu - entre nós - Iago , que se tornou Sant´Iago e – com esse apóstrofe fazendo besteira ao sair de um país para outro, deu nome que deu: San Tiago.

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  2. ( deu no que deu: San Tiago )

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