Fiz Direito, mas não fiz muito direito. Minha praia sempre foi a literatura, tanto que a lecionei na Universidade Federal da Paraíba, on...

Minha praia sempre foi a literatura

Fiz Direito, mas não fiz muito direito. Minha praia sempre foi a literatura, tanto que a lecionei na Universidade Federal da Paraíba, onde defendi dissertação de mestrado sobre Manuel Bandeira e tese de doutoramento a respeito de Mario Quintana, poetas que possuem muito em comum, pois na obra de ambos “as pequenas grandezas do universo”, as coisas simples, os sobejos de Deus, possuem um lugar cativo, um lugar de destaque. Isso sem contar que investem na linguagem coloquial, prosaica, além de mesclarem a tradição com a renovação, embora esta última, por não serem pirotécnicos, a exemplo de Oswald de Andrade, tenha tudo para passar despercebido pelo leitor e até mesmo pelo crítico menos atento.

Ricardo Esquivel
Quanto aos escritores preferidos, são muitos. E cada vez que os leio, eles me oferecem leituras diferentes, a exemplo de Machado de Assis, que não é um, mas trezentos-e-cinquenta, para me valer de um verso de Mário de Andrade. Quero dizer, Machado é um quando o leitor é adolescente; e outro, quando o leitor atinge a idade adulta. Enfim, os autores com os quais mantenho “afinidades eletivas” são tantos quanto as estrelas do céu e os grãos de areia na praia. E com eles dialogo.

Publiquei nove livros de poesia e quatro de ensaio. Na verdade, não sou um autor caudaloso, mas avaro, parcimonioso, pois exerço uma autocrítica até certo ponto flageladora a propósito do que escrevo. A minha poesia é uma amante de 54 anos, cujo relacionamento com o ancião de 74, às vezes é conturbado, pois, arredia, caprichosa, quase sempre se entrega ao mutismo, ao silêncio mais sepulcral durante meses e meses. Em todo o caso – e como já disse noutra ocasião –, nesse relacionamento o poeta é um gigolô sustentado pela poesia, uma vez que ela o faz suportar os momentos de crise, o fardo da existência, os desequilíbrios emocionais...

Uma das alegrias que a literatura me proporcionou foi quando conquistei um dos prêmios do Concurso Nacional de Contos do Paraná. Sabedor do resultado, foi-me difícil conciliar o sono,
@gilbertomendoncateles
pois – na esteira de Mário de Andrade – fui acometido por uma espécie de insônia feliz. Outra alegria? Quando li a respeito de minha poesia em livro. Gilberto Mendonça Teles e Temístocles Linhares foram os responsáveis por esse contentamento quando escreveram sobre “Domicílio em trânsito” nos livros “Camões e a poesia brasileira” e “Diálogos sobre a poesia brasileira”.

Creio que não se deve falar de hierarquia entre a literatura que se expressa através da escrita e a que se expressa oralmente. Uma e outra se complementem, se fundem, se inter-relacionam, se mesclam, na medida em que uma se nutre da outra. É só ver a poesia de Bandeira, a de Ascenso Ferreira e a ficção de José Lins do Rego.

Sou meio indisciplinado, não possuo um método para escrever, embora busque sofregamente, na medida do possível, o poema ainda informe, ainda no seu estado de embrião, inconcluso, nas zonas nebulosas do inconsciente. E quando o encontro, puxo-o aos poucos, sem deixar que a emoção prevaleça acintosamente sobre os sentimentos. Procuro não reincidir no equívoco dos jovens poetas que, quase sempre, deixam as emoções correrem como cavalos bravios, doidos, desembestados, à frente da linguagem que, ainda verde, não possui a faculdade de serenar o vespeiro dos sentimentos.

Wander Fleur
Sonhava com a aposentadoria e com o tempo livre que ela me proporcionaria para eu me entregar em tempo integral e dedicação exclusiva aos meus poemas, aos meus ensaios e à leitura. Hoje, já com setenta e quatro anos, cheguei à conclusão de que não disponho mais de tanto tempo. Então, se o tempo urge, mãos à obra. E sem perda de tempo!

Entrevista concedida ao portal Diários do Arrabalde (Julho 2021)  

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  1. Curioso, como você foi buscar, nos dois grandes poetas, “as pequenas grandezas do universo, as coisas simples, os sobejos de Deus", que marcam a sua própria poesia.

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  2. Me identifico com ambas
    Inclusive, a minha dissertação de mestrado foi sobre Manuel Bandeira, o doutorado sobre Quintana. Abraços.

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