O poeta e cantador Jorgelino foi encontrado morto. A notícia caiu como uma bomba, alastrando-se rapidamente pelas cercanias. Estupefaçã...

No repente, estou bem vivo

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O poeta e cantador Jorgelino foi encontrado morto. A notícia caiu como uma bomba, alastrando-se rapidamente pelas cercanias. Estupefação, tristeza, choro, assim ficaram os ares de Bananeiras, Solânea, Casserengue e Arara. O carro de som percorria as ruas e anunciava por toda a cidade o passamento do poeta, dizendo encontrar-se o corpo na pedra do necrotério, marcando hora e local do velório e do enterro. O poeta se tornara lenda, mito, sendo logo objeto de loas,
por parte dos outros cantadores e repentistas. A primeira das loas foi para anunciar, com profunda tristeza, o fato:

De Solânea a Bananeiras, a notícia correu frouxa, chorou até vaca mocha, e o povo nas ribeiras. Sem tostão nas algibeiras, o poeta feneceu, a poesia entristeceu, foi ceifado o repente e a viola, descontente, para sempre emudeceu.

Outros dois cantadores, sentindo-se desafiados, improvisaram um mourão perguntado, para responder à décima setessílaba anterior:

⏤ O que foi que aconteceu? ⏤ O poeta se calou. ⏤ A viola se quebrou? ⏤ O poeta é que morreu. ⏤ A notícia já correu? ⏤ Sobretudo pro povão. ⏤ E qual foi a reação? ⏤ Todo mundo abestalhado. Isso é mourão perguntado, Isso é responder mourão.

A disputa se instalou em meio à surpresa, nas rodas que se formavam na feira. Cada um demonstrando a sua dor e, ao mesmo tempo, querendo suplantar os rivais.

Eis que, de repente, o poeta Jorgelino aparece, vivinho da silva, em meio à feira de Solânea, no ardor da cantoria de viola ali estabelecida in memoriam. Foi um reboliço, como podemos supor. O poeta tinha tido apenas um mal-estar, uma paralisação momentânea, ocasionada pela ingestão exagerada da famigerada branquinha. Deram-no como morto, levaram-no para a pedra, onde passara a madrugada. Ao acordar, sem saber do que ocorrera, foi tranquilamente para a feira, ver amigos, cantar desafios e passar o chapéu. Ao espanto diante de sua presença, ele reagiu com bom humor, dedilhando a viola:

Esta vida é uma surpresa  e não canso de exaltá-la; a poesia não se cala, ressaltando a beleza. Sobre uma pedra tesa, na verdade, estava ativo, da poesia sou cativo, sou direito, não sou torto, se na pedra, estive morto, no repente, estou bem vivo.

Passado o susto, Jorgelino recebeu com gosto os aplausos, continuando a cantoria, ao final da qual compôs nova décima, em que explicou o seu particularíssimo carpe diem:

A política não está boa, de Solânea a Bananeiras, circundando pelas beiras, de Campina a João Pessoa. Pra falar de coisa boa, nos tornamos todos um e sem grande zum-zum-zum, a conversa eu retomo: É por isso que eu tomo cachaça, cerveja e rum.

(O fato foi real, acontecido em Solânea. Mudei apenas o nome do poeta, porque não pedi a sua autorização, para dizer o seu nome verdadeiro. As estrofes foram todas compostas por mim. Na conversa em que o poeta me contou o fato, construí o mote “Se na pedra, estive morto,/no repente, estou bem vivo”. A primeira décima e o mourão foram compostos no itinerário entre as cidades de Esperança e Remígio, na sexta-feira, dia 28/07, indo para Solânea. A última décima surgiu em conversa, numa roda de amigos, em Bananeiras. Um dos amigos, Guerrinha, pediu, em nome da boa paz e do congraçamento da ocasião, que não abordássemos os assuntos políticos, terminando o seu pedido com “É por isso que eu tomo/cachaça, cerveja e rum”. De imediato, o meu ouvido captou o excelente mote setessílabo, originador da décima, em questão.)

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