A cidade ainda não acordou. Atrás de mim, pelo retrovisor, isenta e limpa de tráfego, a avenida Epitácio assume uma imponência que o sol da manhã só faz coroar. Sou motivado a deixar o carro e curtir minha surpresa pelo ângulo do canteiro central. Assim, sem ninguém, absoluta em sua quietude de asfalto, eu nunca fizera ideia. Morando perto há décadas, vivendo o mesmo amanhecer, nunca havia reparado com esse olhar. A avenida deserta e por isso mesmo plena, absoluta, roubando a presença dos demais componentes urbanos.
André Jacquillat
“Seu Luiz?!”- foi Da Luz, nossa antiga empregada,
que Deus a tenha: “Eu queria que o sr. avalizasse o carro de Dedé”.
“E o que Dedé faz, dona Da Luz!”
“Meu marido já é oficial de pedreiro, não é mais ajudante, não bate mais caliça.”
E me ocorreu, entre um gole e outro do café, a luta penosa de Linduarte Noronha com seu Prefect de 1948, trocado depois por uma lambreta de segunda mão ou vice-versa, da lambreta é que deve ter alçado ao carro.
Ford Prefect 1948 Barn Find
“Vai longe, ele, Linduarte?”
“Depois que pavimentaram a Epitácio, não mede distância.
Muitas vezes enfrento a madrugada.
Tranquilo”.
Não dá meia hora, começa a Epitácio a pegar carrego, a sumir sob o vagalhão fechado de capotas, debaixo das quais não se distingue entre homens e motores.
Av. Epitácio Pessoa, 1952 (J. Pessoa) Gilberto Sturket
Setenta anos afastado dessas lembranças, por que elas me ocorrem tão inoportunas?
Cedo da manhã a caminho do laboratório, o sol mal despontando para os lados do Grupamento, sol ainda nado na linguagem dos velhos portugueses, o vazio do asfalto acha de me restituir a instantes que pareciam tão diminutos!