Estivemos em Braga, no final de semana passado (22-24/03), em casa de amigos brasileiros, que nos receberam muito bem. Conversa boa,...

Bracăra Augusta

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Estivemos em Braga, no final de semana passado (22-24/03), em casa de amigos brasileiros, que nos receberam muito bem. Conversa boa, regada a um bom vinho e bem apascentada com excelente comida e passeios por essa cidade aprazível e florida, apresentando em cada canto e recanto a sua herança histórica e cultural.

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Localizada ao Norte de Portugal, logo acima do Porto, Braga tem uma história que remonta a dois mil anos, tendo sido fundada no final do século I a. C., entre os anos 15 e 13, como uma homenagem ao Princeps Otávio Augusto César, daí o seu nome Bracăra Augusta ou Bracaraugusta, fruto da paz realizada por Augusto com os Bracări, ou Bracarĭī, povos originários da região. Dentre os vários epítetos, com que foi denominada, Braga ostenta o de Cidade Barroca, o que se pode constatar nas suas várias igrejas, e o de Roma Portuguesa, com o poeta epigramista latino Ausônio (310-395) chamando-a de “rica Braga” (Bracara diues), no Ordo urbium nobilium (Classe das cidades nobres), atribuindo-lhe, juntamente com Sevilha (Hispalis), Córdoba (Cordŭba) e Tarragona (Tarraco), uma grande importância entre as cidades do império romano (agradecemos aqui ao nosso querido amigo José Amarante Sobrinho, professor de Latim da UFBA, o maior especialista brasileiro em Ausônio). Como uma confirmação a este último epíteto, criou-se a festividade da Braga Romana, no mês de junho, quando a cidade se veste, literalmente, das legiões romanas, para celebrar a sua tradição.


Além de máquina de guerra, Roma era, sobretudo, uma máquina de construção civilizatória, levando estradas, aquedutos, fóruns, bibliotecas, circos e anfiteatros, às cidades que ocupava, tornando-as parte do império. É, portanto, com um sentido civilizatório que, a partir de Augusto, Braga se constrói com a lógica romana de uma engenharia prática. Anda-se em Braga, sem qualquer dificuldade, tendo em vista o seu traçado ortogonal, sempre remontando ao seu centro histórico.

Nas nossas andanças, sob um sol de 30 graus, visitamos o sítio arqueológico mais importante de Braga, dentro do perímetro ortogonal da cidade, na Colina do Alto da Cividade — as termas do tempo do
Estátua de Augusto, em Braga.
imperador Trajano (98-117), descobertas em 1977 e transformadas em Monumento Nacional, um conjunto, na verdade, de termas com anfiteatro. Como quarta-feira passada (27/03/2024) foi o Dia Mundial do Teatro, vale a pena falarmos um pouco do teatro greco-latino como espaço de espetáculos.

O teatro físico, construído pelos gregos, era mais apropriadamente chamado de anfiteatro (ἀμφιθέατρος). O termo, em grego, significa “lugar em que se vê tudo ao redor, tudo em torno” (anfi, άμφι, ao redor, em torno; teatro, θέατρος, lugar onde se vê ou se assiste a um espetáculo), cuja raiz se encontra no verbo theáomai (θεάομαι), a mesma de teoria, “a ação de ver e de contemplar”. Em suma, o teatro é o lugar para se ver algo; o anfiteatro é o lugar de onde se pode ver algo, de todos os lados.

O anfiteatro era construído tendo como arrimo uma encosta de pedra, que lhe servia, duplamente, de apoio seguro e de ponto de reverberação do som, devido ao seu desenho semicircular, de tal modo que o que se falava no proscênio ou na orquestra chegava aos espectadores que estavam sentados nos degraus mais altos, construídos em aclive, permitindo ao espectador ver o espetáculo sem ter sua visão perturbada pelos demais à sua frente.

A construção seguia um modelo padrão de um balcão que servia de Proscênio (προσκήνιον, o que hoje se chama de cena), com uma Cena (σκηνή, tenda ou barraca) ao fundo, em que os personagens trocavam de roupa ou onde se passavam aquelas ações que, por questões éticas ou técnicas, não poderiam ser mostradas ao público, como cenas de assassinatos, suicídios e até canibalismo. O público tinha apenas a notícia do acontecido, no momento de sua revelação, na dramatização que ocorria no proscênio, à vista de todos.

Uma das diferenças visíveis, entre um teatro grego e um romano, é que a orquestra helênica é circunscrita num círculo, enquanto a romana encontra-se em um semicírculo.
Abaixo do Proscênio, havia duas entradas laterais, à direita e à esquerda, destinadas ao bailado do Coro (χόρος), o Párodos, na sua entrada (πάροδος), e o Êxodos, na sua saída (ἔξοδος). À frente do proscênio se situava a Orquestra (ὀρχήστρα), lugar em que o coro fazia as suas evoluções (χορεύω), dando voltas em torno de um altar, dedicado ao deus Dionisos, caracterizando a vinculação do teatro trágico grego à religiosidade. Sem o elemento religioso e as suas implicações, não há como se entender a tragédia, na sua essência. As evoluções do coro, em torno do altar, eram chamadas de estrofe (στρροφή, ação de evoluir da esquerda para a direita, em torno do altar) e antístrofe (ἀντιστροφή, evoluções da direita para a esquerda). Em um semicírculo, fechando estes espaços, ficavam os assentos do público.

Podemos deduzir, então, que, a encenação da peça necessitava do concurso de três espaços: da cena, com as ações que ocorriam longe dos olhos; do proscênio, onde o ator ou os atores desenvolviam as ações dramáticas, aos olhos do público, em diálogos ou em monólogos, e da orquestra, tendo em vista o diálogo que se impunha entre o coro, um dos personagens, o do Corifeu (κορυφαῖος), o chefe ou cabeça do coro, com o ator ou os atores, em cena.

Uma das diferenças visíveis, entre um teatro grego e um romano, é que a orquestra helênica é circunscrita num círculo, enquanto a romana encontra-se em um semicírculo, onde se nota a ausência do altar a Dionisos, certificando, talvez, a perda do sentido religioso explícito.

Anfiteatro de Epidauros, Grécia.
O sítio arqueológico de Braga nos revela um conjunto de termas e anfiteatro, como já referimos. As termas estão totalmente escavadas e com os seus espaços determinados: a palestra (palaestra, lugar de exercitação e de conversa), o vestíbulo (apodyterium ou ἀποδυτήριον), o frigidário (frigidarium, lugar para os banhos frios), o tepidário (tepidarium, lugar para os banhos mornos), e o caldário (caldarium, lugar muito quente, destinado à transpiração), retornando-se, enfim, ao frigidário.

Termas do sítio arqueológico de Braga, Portugal.
O anfiteatro ainda se encontra nas escavações primárias, tendo em vista depender de recursos e da disponibilidade dos arqueólogos. Podemos ver, no entanto, a sua forma, mesmo encoberto pela terra e pela grama. Percebe-se, nitidamente, o espaço destinado à Orquestra, as saídas laterais do Coro e o espaço semicircular, em aclive, destinado ao público. O que é lamentável é o fato de que a Cena e o Proscênio encontram-se, literalmente, embaixo de um condomínio de apartamentos, cujos donos estão isentos de culpa, o que não se pode dizer de quem o construiu, pois as escavações para a fundação devem ter mostrado a existência de uma construção antiga, numa cidade de 2000 anos, colonizada por romanos.

Anfiteatro do sítio arqueológico de Braga.
Ver o anfiteatro, ainda que encoberto, foi um encantamento maior do que ver as ruínas já escavadas e catalogadas das termas. Um encantamento por serem meus olhos capazes de sentir no contorno as formas da construção e os lugares específicos onde se desenrolaram tantos espetáculos. Ao mesmo tempo, foi uma decepção por ver que a ignorância, o descaso e a ganância sepultaram um tesouro que pertence à Humanidade.

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