A moça da loja de materiais artísticos olhou para a minha lista com uma sobrancelha levemente arqueada. “Só essas cores?” ⏤ perguntou, num tom que era mais curiosidade do que crítica. Eu havia anotado um azul ultramarino vibrante, um amarelo ocre terroso e um carmim profundo. Faltavam o branco puro e o preto absoluto, os extremos, os julgamentos fáceis.
O Pintor na Estrada para Tarascon ▪ Arte: Vicent van Gogh, 1888 (acredita-se que o quadro tenha sido destruído pelo fogo durante a Segunda Guerra).
A tela em meu estúdio está sempre em progresso. Não há um esboço perfeito por baixo, apenas camadas sobre camadas de experiências. Uso o azul ultramarino da minha perseverança para criar o céu de um dia importante. É uma cor forte, que insiste em ficar, mesmo quando as nuvens da dúvida, um cinza que faço misturando um pouco de carmim e ocre, tentam cobri-lo.
Mas é no ocre que mora a verdade mais íntima. É a cor da minha timidez, que às vezes impede que eu diga o que penso, mas também é a cor quente da minha empatia, do ouvir atento. Pinto com ela os troncos das árvores que vejo da minha janela: não são perfeitos, têm nós, rugas, galhos quebrados pelo tempo. São mais bonitos assim, com textura. Do mesmo modo, minhas falhas de impaciência, aqueles momentos em que a palavra sai mais afiada do que deveria, viram pinceladas de carmim intenso. No contexto errado, mancham. No certo, dão profundidade e paixão a um pôr do sol.
Um artista com seu cavalete ▪ Arte: John Singer Sargent, 1914 ▪ Instituto de Arte de Chicago
Retrato do pintor Pierre Bonnard ▪ Arte: Edouard Vuillard, c.1935 ▪ Museu de Arte Moderna de Paris
Olho para a tela agora e vejo que não é uma obra-prima para ser pendurada em um museu. É simplesmente o meu quadro. Tem áreas harmoniosas e outras onde as cores brigam um pouco. Mas é honesto. É o registro de quem eu fui, quem sou e quem ainda posso me tornar, com todas as tintas que tenho à disposição.
O grande pincel de cerdas duras é a coragem. A coragem de continuar misturando, aplicando, cobrindo às vezes, e seguindo em frente. A viagem não é sobre chegar a um destino com uma pintura perfeita. É sobre ter a ousadia de deixar sua marca única na tela infinita do tempo, com a bagagem de cores que só você sabe carregar.