“Três companheiros: um, o ardente coração; outro, a afiada nua; e outro, o esguio, cor de açafrão, arco ululante, liso no toque e a...

Brasões e emblemática árabe-islâmica: elementos chave e simbologia

brasoes mamelucos arabes simbologia islamica
“Três companheiros: um, o ardente coração; outro, a afiada nua; e outro, o esguio, cor de açafrão, arco ululante, liso no toque e adornado por incrustações pendentes e um talabarte. Quando ele arqueia, a flecha passa e geme, como a desesperada aos gritos que uiva pelo seu morto (...)”
Excerto de “Chânfara: Poema dos árabes”; tradução de Michel Sleiman; edição de 2020.

A história do brasão islâmico (ar-rank, do persa rang que significa “cor”, ou ash-shi’ar, de “marca”) remonta ao século XIII, ao início da dinastia mameluca, que governou o Egito e a Síria de 1250 a 1517, e cujos descendentes sobreviveram no Egito como uma importante força política durante a ocupação otomana (1517–1798).

brasoes mamelucos arabes simbologia islamica
Busto em bronze de Baybars, no pátio do Museu Militar do Cairo, Egito. ▪ Fonte: Wikimedia
Baybars, nascido em 1223 no país dos turcos kipchaks (uma confederação tribal que, em meados do século XI, ocupava um vasto território na estepe eurasiática, estendendo-se do norte do Mar de Aral até à região ao norte do Mar Negro), foi o mais conhecido dos mamelucos. Comprado nos mercados da Crimeia, acompanhou o seu amo, al-Salih Najm al-Din Ayyub, nas expedições contra os cruzados. Demonstrando habilidades militares excepcionais, subiu a pouco e pouco os vários escalões da carreira militar (terá vencido Luís IX de França, em Al-Mansurah, em fevereiro de 1250) e reinou de 1261 a 1277. Derrotaria os mongóis e os cruzados, aos quais tomou a maior parte das praças que ainda possuíam na costa do levante (Antioquia, na atual Antáquia, Turquia, perto da fronteira com a Síria, e Krak des Chevaliers, a maior fortaleza construída pelos cruzados europeus na Síria, um dos exemplos mais notáveis da arquitetura militar medieval ainda existentes, construída em Qal’at al-Hisn, na Síria, perto da fronteira norte do atual Líbano).

brasoes mamelucos arabes simbologia islamica
GMaps
Os brasões mamelucos dispunham de cerca de quarenta e cinco diferentes símbolos, divididos em duas classes básicas. A sua mescla de combinações e arranjos grupais deu origem a uma variedade surpreendente de brasões no domínio da emblemática corporativa.

brasoes mamelucos arabes simbologia islamica
brasoes mamelucos arabes simbologia islamica
brasoes mamelucos arabes simbologia islamica
brasoes mamelucos arabes simbologia islamica
brasoes mamelucos arabes simbologia islamica
brasoes mamelucos arabes simbologia islamica
brasoes mamelucos arabes simbologia islamica
brasoes mamelucos arabes simbologia islamica
Fragmentos têxteis que preservam motivos heráldicos dos antigos brasões mamelucos, dos séculos XV e XVI. ▪ Fonte: Met Museum, NY
A emblemática árabe-islâmica (ash-shi’ariya) composta pelos tradicionais guiões, emblemas, crescentes e brasões, começou a obedecer a uma matriz padronizada cerca de 1038, ano de governação da dinastia turca Seljúcida que, inclusive, dispunha já dos seus próprios armeiros de apartada influência bizantina. A vivência nos palácios e toda a sofisticação e dinâmica que lhe estava associada requeriam a observância de uma rigorosa disciplina de adequação à etiqueta.

brasoes mamelucos arabes simbologia islamica
Toughra: emblema caligráfico otomano, criado originalmente como a assinatura oficial dos sultões. Reconhecido pela elegância e complexidade, tornou-se um dos símbolos mais refinados da caligrafia islâmica. ▪ Fonte: Met Museum
O toughra, um monograma turco dos sultões otomanos e seljúcidas, no qual versava o epitáfio Allah al-Fattah (Allah, O Sempre Vitorioso), tornado o emblema do “grande sultanato turco” e de todo o Islão da época, foi o primeiro modelo ornamental uniformizado que depressa se generalizou e se transformou numa ordem de símbolo coletivo, de nação e da dinastia. Os turcos seljúcidas, que pertenciam à tribo nómada Oğuz, da grande confederação de tribos pastoris das estepes da Ásia Central, converteram-se ao Islão e foram acolhidos, por volta de 990, pelos últimos samânidas na Transoxiana (região histórica compreendida entre os rios Amu Darya, antigo Oxo, a sul, e Syr Darya, a norte, dentro do Grande Khorasan). Seljuk, avô de Toghrïl Beg ("o príncipe gavião”) terá sido o primeiro a converter-se.

brasoes mamelucos arabes simbologia islamica
Retrato de Toghrïl Beg, segundo governante seljúcida e figura-chave da formação do império, tal como aparece na cédula de 1 manate, moeda oficial do Turcomenistão. ▪ Fonte: Wikimedia
Com uma carga semântica verdadeiramente forte, nos primórdios da era islâmica, incluíam-se como brasões mais usuais a taça (as-saqui) – emblema do escanção, o escrínio (ad-dauadar) – figurativo do mester de secretário –, o copo (as-saqi), o pólo (al-jukandar) e a garnacha (al-jamdar). O arco primitivo (al-bunduqdar), a cimitarra (as-silahdar), o capacete (al-almufar) e as adargas eram outros cunhos representativos de cargos. De acordo com a classe social e a corporação, mais ou menos carregadas eram as fórmulas alcorânicas cinzeladas no brasão que figuravam sobre os pergaminhos e as construções de templos e mesquitas.
brasoes mamelucos arabes simbologia islamica
Águia bicéfala em pedra, datada do período seljúcida (século XIII), símbolo recorrente de autoridade e proteção. ▪ Fonte: Museu de Artefatos de Madeira e Esculturas em Pedra, Konya, Turquia.
À medida que o Islão se expandia, se distanciava do universo idólatra que o antecedera e se intensificava o contacto com a arte dos conquistados, incipientes realidades inanimadas e conjuntos ambulatórios foram sendo reproduzidos.

Com a evolução na linguagem do brasão, a par das formas abstratas como o usual arco (al-qaus, plural al-qauas), a espada, o aro (al-khatamhalqa), o anel (al-khatimi, plural al-khuatam), os crescentes de lua (al-hilal), a bijuteria (al-hulaly, al-hilya), os espelhos (al-mir’at; al-mraya no Magrebe), os tronos (al-kursi ou al-‘arsh, no sentido monárquico), castiçais, candeias (al-mishkat), salvas, bordados (al-tiraz), escudos, sinetes e moedas (as-sikka), começam a sobrevir figuras estilizadas de animais (al-hayawan) – geralmente de garras, como leões (al-usud) e tigres (an-numura, al-ayilas) –, animais mitológicos (esfinges), aves de grifa (águias, milhafres e falcões) e plantas (árvores e flores místicas, símbolos da gnose espiritual).

brasoes mamelucos arabes simbologia islamica
Representação caligráfica da fórmula sagrada Bismillah ar-Rahman ar-Rahim (‘Em nome de Deus, o Beneficente, o Misericordioso’), amplamente utilizada em manuscritos e objetos devocionais do mundo islâmico.. ▪ Fonte: Wikiwall
A extraordinária profusão de figuras geométricas, a caligrafia convencional do Texto Sagrado e os caracteres evocativos dos “noventa e nove sublimes atributos e belos nomes de Deus” (al-asma Allah al-husna), a profissão de fé muçulmana (ash-shahada, “testemunho”) La ilah illallah Muhammad-ur Rasulul Allah, “Não há Deus senão Deus (por excelência) e Maomé é o Seu Mensageiro”, e a súmula da fé islâmica Bismillah ar-Rahman ar-Rahim (“Em nome de Deus, O Beneficente, O Misericordioso”) eram, e continuam a ser, as divisas mais permanecentes.

No campo da angeologia (al-’ilm al-malaika), especialmente dos anjos protetores – Jibrail (Gabriel), Mika’il (o anjo da chuva e da natureza), Israfil (que tocará a trombeta no dia do Juízo Final) e ‘Isra’il, ‘Azrail ou ‘Ozrin (o anjo anunciador da morte próxima – al-malak al-maut –, citado somente uma vez no Alcorão, e rival de Gabriel, o Anjo da Vida), personagens religiosas ou místicas, a figura capeada de Maomé (os muçulmanos recusam em atribuir um rosto ao profeta) e dos seus seguidores (al-muhajirun) são análogas efígies.

brasoes mamelucos arabes simbologia islamica
A Mão de Fátima — símbolo de proteção, boa sorte e força espiritual nas tradições islâmica, judaica e mediterrâneas. ▪ Fonte: RPix
Outro símbolo muito comum, a “Mão de Fátima” (khamsa, palavra árabe que significa “cinco”) é um símbolo antigo conhecido, um amuleto em forma de palma com uma longa história de proteção contra o “mau-olhado”. Embora tenha recebido o nome da filha do profeta Maomé, Fatima az-Zahra (“a Radiante"), o símbolo é reconhecido em diferentes religiões e culturas. No Islão, os cinco dedos podem simbolizar os cinco pilares do Islão (Shahada, a profissão de Fé; Salat, a oração diária; a Zakat, a esmola; e a Hajj, a grande peregrinação a Meca), ou as cinco orações diárias (salat al-fajr, ao amanhecer; al-zuhr, ao meio-dia; al-‘asr, à tarde; al-maghrib, ao pôr do sol, e al-‘isha’, à noite). No Islão de corrente xiita, representa ainda os cinco membros da Ahl al-Bayt, a família do Profeta Maomé (sua filha Fatima, seu primo e genro ‘Ali e os seus filhos, Hassan e Husayn). O islamismo sunita frequentemente inclui nessa definição não só a sua esposa Khadijah bint Khuwailid, mas todas as outras treze (Sawdah bint Zam’ah, Aisha bint Abi Bakr, Hafsa bint Umar, Zaynab bint Khuzayma, Hind bint Abi Umayya ou ‘Umm-Salamah, Zaynab bint Jahsh, Juwayriya bint al-Harith, Ramla bint Abi Sufyan ou ‘Umm Habeebah, Safiyya bint Huyay, Maymunah bint al-Harith, Rayhana bint Zayd e Maria al-Qibtiyya).
brasoes mamelucos arabes simbologia islamica
A Árvore da Vida no célebre vitral da mesquita Sidi Saiyyed, em Ahmedabad, Índia — obra-prima do século XVI, com intrincados entalhes em pedra que se tornaram símbolo da cidade. ▪ Foto: Gov. Gujarat
No judaísmo, o símbolo é chamado de “Mão de Miriam”, em homenagem à irmã de Moisés e de Aaron, ou representando os cinco livros da Torá (Bereshit ou Génesis, Shemot ou Êxodo, Vayikra ou Levítico, Bamidbar ou Números e Devarim ou Deuteronómio).

A árvore (ash-shajra; plural ash-ashjar), a “Árvore do Mundo” (ash-shajarat al-kawn), a “Árvore da Eternidade” (ash-shajrati al-khuld) significa, no Islão, o Homem em toda a sua faculdade cogitativa e intelectual, de universalidade (al-kulliya) e identidade (al-mithliya), em busca de um destino melhor, purificado de todo o pecado. As tradições do profeta Maomé e alguns versículos (al-ayat) do Alcorão referem-se a certos tipos de árvores, articuladas no padrão teológico segundo uma escala de mesura. A árvore simboliza também a magnificência, a transcendência e a beleza divina e é representada amiúde coronada de uma águia lampassada
brasoes mamelucos arabes simbologia islamica
A Árvore da Vida representada no mosaico da Cúpula do Tesouro da Grande Mesquita Umayyad, em Damasco, Síria — um dos mais importantes exemplos de arte bizantina e islâmica do século VIII. ▪ Fonte: Wikimedia
de duas cabeças, envolta por um dragão e um leão rampantes, que se enfrentam.

As árvores Tuba, a Zaqqum e a Sidrat al-Muntaha, aparecem em textos islâmicos e representam conceitos como paraíso, inferno e a conexão humana com o divino. Na arte e literatura islâmica, as árvores representam magnificência, transcendência e beleza divina. Representam crescimento e unidade no pensamento. São usadas para descrever a fé, a sabedoria e a relação entre o Criador e a criação. No pensamento sufi, a árvore é vista como a personificação da busca humana pela união com Deus. São feitas referências a Aussaj, uma árvore mítica que se supõe tenha sido a primeira a crescer na terra.

Sem ser propriamente um símbolo islâmico, o dragão (at-tinnin) figura com alguma usança na arquitetura, na linguagem heráldica e na decoração orientais. Resultado de uma herança do fabulário mitológico da dinastia sassânida, especificamente sino-iraniano, o dragão evoca a mitografia de Hydra, guardiã do tesouro abscôndito algures no sul do Iémen.
UM CERTO ORIENTE
um certo oriente
O autor convida os leitores a acompanhar seu programa semanal Um Certo Oriente, transmitido nas seguintes emissoras e horários (de Portugal), via internet: Domingo 03h—04h Rádio Via Aberta | Lisboa 05h—06h Rádio Marmeleira | Marmeleira / Ribatejo 06h—07h Rádio Tejo 102.9 FM | Cartaxo 10h—11h Rádio Coração do Alentejo| Abrantes 13h—14h Rádio 100Margens | Amarante 17h—18h Rádio Portugal Star | Lisboa 18h—19h Rádio Onda Nacional | Barcelos 19h—20h Rádio Dueça 94.5 FM | Miranda do Corvo 20h—21h Rádio Voz Online na Cossoul | Lisboa 20h—21h Rádio Ourique 94.2 FM | Ourique 21h—22h Canal Viana | Viana do Castelo 21h—22h Rádio Marmeleira | Marmeleira / Ribatejo 21h—22h Rádio Torre de Moncorvo 95.9 FM | Torre de Moncorvo 22h—23h Rádio Cultural da Filarmónica Pampilhosense| Pampilhosa Segunda-feira 15h—16h Rádio Portimão 106.5 FM | Portimão 16h—17h Rádio Vila Nova RVN | Cucujães 19h—20h Rádio Alta Tensão | Alenquer 20h—21h Rádio Azores High | Faial, Açores (horário dos Açores) 21h—22h JB Nostalgia ON | Paredes 21h—22h Rádio Torre de Moncorvo 95.9 FM | Torre de Moncorvo 21h—22h Rádio VFM | Vouzela 22h—23h RLX Rádio Lisboa | Odivelas Terça-feira 22h—23h Rádio Metropolitana Porto | Porto 23h—24h Rádio Clube Penafiel 91.8 FM | Penafiel 23h—24h Rádio Música da Nossa Terra Quarta-feira 03h—04h Rádio Castrense 93.0 FM | Castro Verde 20h—21h Rádio Vila Nova RVN | Cucujães 21h—22h Rádio Via Aberta | Lisboa 22h—23h Rádio Marmeleira | Marmeleira / Ribatejo Quinta-feira 02h—03h Rádio Tejo 102.9 FM 10h—11h KajiFM | Belas, Angola (horário de Angola) 11h—12h Rádio Alcobaça | Alcobaça 20h—21h Rádio MexFM.com | S. Paulo, Brasil (horário de Brasília) 23h—24h Rádio Cantinho da Madeira | Madeira Sexta-feira 01h—02h Rádio Tejo 102.9 FM | Cartaxo 04h—05h Rádio Vila Nova RVN | Cucujães 19h—20h Rádio Nova Paixão FM | Albergaria-a-Velha / Aveiro 20h—21h Rádio Voz Online na Cossoul | Lisboa 20h—21h Rádio Tejo 102.9 FM | Cartaxo 23h—24h Rádio Torre de Moncorvo 95.9 FM | Torre de Moncorvo Sábado 03h—04h Rádio Castrense 93.0 FM | Castro Verde 08h—09h Rádio Surpresa 16h—17h Rádio Antena Mais | Esch-sur-Alzette, Luxemburgo (horário de Luxemburgo) 18h—19h Antena Web (Canal 1) | Vila Nova de Gaia 20h—21h Rádio Portimão 106.5 FM | Portimão 20h—21h Rádio MexFM.com | S. Paulo, Brasil (horário de Brasília) 21h—22h Rádio Horizonte Atlântico | Santarém / Horta / Açores (horário dos Açores) 21h—22h Rádio Clube Penafiel 91.8 FM | Penafiel
OBS.: No Brasil, a emissão ocorre três a horas a menos em relação ao horário de Portugal (ou quatro horas, durante o verão do Hemisfério Norte).

COMENTE, VIA FACEBOOK
COMENTE, VIA GOOGLE

leia também