Lembro do barquinho de papel derretendo na pequena correnteza do rio de leito de paralelepípedos, a toda velocidade sob o olhar sorride...

Das infâncias, brincadeiras

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Lembro do barquinho de papel derretendo na pequena correnteza do rio de leito de paralelepípedos, a toda velocidade sob o olhar sorridente dos meninos. Recordo o exato momento dos olhos encontrarem o fruto no meio da folhagem e a destreza do corpo escalando os troncos até a mão esticada ser o suficiente para alcançá-lo pendurado no galho alto. E ainda sinto o cheiro do caju, da manga, do jambo...

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A mão, com destreza, a enrolar a ponteira do peão e a loucura do objeto solto a girar e captar toda a força do mundo na imaginação. A ponta de ferro amolada no cimento das calçadas até se transformar em pés de bailarina. A habilidade dos garotos para trazê-lo à mão, dominá-lo e ser conquistado, e devolvê-lo, numa suavidade brutal e exata, ao chão.

Nas feiras de sábado, no meio da confusão, vejo os carrinhos e caminhões montados de lata e madeira por outras mãos de anjos pobres e idosas. E os ônibus da Itapemirim e da São Geraldo circulando, puxados por um barbante pelas mãozinhas. Viagens pelo terreiro, corridas desembestadas, sorrisos escancarados... Do talento de gerações de artesãos às infâncias brincantes.

E rememoro até mesmo a lata de leite Ninho, Farinha Láctea ou Neston, com um furo pequeno na tampa e outro no fundo, um pedaço de arame transpassado com cordão amarrado e o interior com areia molhada, formando um pesado veículo. E logo percorre retas, aclives e terrenos irregulares em máxima aceleração dos pés.

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Sem esquecer o conjunto dos pequenos Santos Dumont de todos os Brasis: papel de seda, cola, fibra da palha de coco, um carretel de linha “urso”, devido à resistência, uma rabiola, e tudo pronto para o voo que começa no olhar deslumbrado da Física em ação ao sabor do vento. E puxa, dá linha, recolhe e se desespera ao ver a pipa/papagaio fugir do controle e precipitar-se contra a fiação ou no emaranhado de uma árvore. Se não tem recuperação, o projetista elabora outra no hangar do terraço de casa.

E percebo o instante da seriedade do campo de terra, o par ou ímpar, os times escolhidos, a bola quicando no terreno irregular. As pernas em ballet em vários rumos, e chutes, e voos, e encontros e desencontros. E a bola, a trajetória, o exato momento de cruzar a imaginária linha demarcada por paus, chinelos ou tijolos para fazer vibrar a metade dos presentes.

Ainda têm as correrias dos esconde-esconde. Corpo suado, coração acelerado, um esconderijo bem pensado à espera do momento certo para tocar o ponto do posto, tábua de salvação.

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De tábua e rodinhas de ferro surge a plataforma que descerá a rua em máxima velocidade.

E quedas, topadas, cortes, arranhões, machucados, cicatrizes e curativos com o famoso arder do merthiolate, que fazia a alma soltar do corpo. Dias de molho, recuperação e volta às batalhas infantis.

As mesmas lembranças das águas da vida. Da que corre pelo leito, da que cai dos céus. Banhos de infância com pulos, saltos e gritos de trampolins imaginários para o mergulho na memória. O mesmo a ser dito da chuva do inverno e da invernada que salta da biqueira do telhado da esquina da casa. O corpo quente da correria, na hora insensível à friagem, que tremerá ao estancar a brincadeira.

E abro os olhos, confiro o relógio, retorno à dita realidade, desligo o filme das infantis brincadeiras.

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