Marisa está com saudade de mim. Disse-me isso com todas as letras. Fosse eu comentar com meus insignificantes botões as mensagens insistent...
Um setentão assediado
Marisa está com saudade de mim. Disse-me isso com todas as letras. Fosse eu comentar com meus insignificantes botões as mensagens insistentes que recebo duas vezes por semana, no mínimo, poderia ouvir deles algo indevido. “Quem diria, não é? Setentão e abalando corações” – coisa desse tipo.
O primeiro foi seu pai. Nem poderia ser diferente. O homem tinha adoração por aquela criatura. Deu-lhe tudo o que pôde e o que não poderia,...
Cantiga de roda
O primeiro foi seu pai. Nem poderia ser diferente. O homem tinha adoração por aquela criatura. Deu-lhe tudo o que pôde e o que não poderia, pois assim o fez, não raras vezes, com a negação de algo ao restante da família, ou à despensa doméstica. As bonecas da vitrine, as roupinhas da moda, bicicletas e patinetes adquiridos a penas duríssimas quase lhe renderam, de tão constantes, o desquite.
Conta-se que a expressão vem da época dos fidalgos e do propósito de acalmá-los durante a longa espera por uma audiência com alguém da real...
Chá de cadeira
Conta-se que a expressão vem da época dos fidalgos e do propósito de acalmá-los durante a longa espera por uma audiência com alguém da realeza. Servidos com finos biscoitos em bandejas de ouro e porcelanas raras, os chás dariam a impressão do máximo respeito e da elevada consideração àqueles que em seus anéis maçadas tomavam. Rei é rei, mas precisa de impostos e amigos.
A mim e aos parecidos comigo, sem sangue azul nem grandes posses, ninguém dispensava maiores atenções na antessala do banco de onde a crise já havia afastado a água e o café em copinhos de plástico. E olha que eu fui ali a convite, a fim de conhecer a moça com quem havia ficado o acompanhamento da conta bancária um tanto magra. “Venha conhecer sua gerente pessoal”, me ligaram dois dias antes. Ela faria recomendações para aplicação de alguma sobra do salário.
E haja espera com uma ficha à mão e o olho no painel eletrônico, atento ao chamado que nunca vinha.
Logo ao chegar, pensei em desistir da conversa assim que vi a multidão ali já sentada. Animava-me, contudo, a inscrição no papelzinho, em letras maiúsculas: PREFERENCIAL. Tomei a coisa como um sinal de distinção e, bobo que sou, decidi ficar.
Doze guichês à disposição, um entra e sai desgraçado, o tempo passando e chamamento nenhum. Notei que isso também incomodava mãe e filha, na fila de cadeiras à frente da minha.
— Pois, não é? Teu pai deve estar uma fera.
— Olha só quem vem ali... Ei, Ritinha, vem para cá. Aqui tem vaga.
— Que bom ver vocês. Estou vendo que hoje vou mofar aqui. Pelo menos, tenho com quem conversar. Sua menina está um moção, dona Alice. Bonita mesmo. Já tem namorado?
— Se tem, anda escondido. Mas espero que ela não me venha tão cedo com essa novidade. E, você, como vai com Luiz?
— Terminei, minha filha. Aquilo é um galinha. Peguei o bicho de conversa mole com aquela prima de Tereza.
— Vixe... Aquela que o marido deixou?
— Essa, mesmo. A bicha anda solta na buraqueira. Meu primo estava no bar e viu a conversinha dos dois. Ela chegou, sentou com o sem vergonha que, daqui a pouco, estava pegando na mão e comentando o quanto estava apetitosa. Isso é conversa que se tenha com mulher casada? E ela, que também não se dá ao respeito? Não tenho dúvida de que os dois saíram dali para algum canto. Sabe o que meu primo ouviu?
— O quê?
— Dá cá o ouvido. Pichichi, pichichi, pichichi....
— Minha Nossa Senhora. O mundo vai acabar.
— Pois é. A gente passa por cada uma. Mas também já dei o troco. Dispensei o safado e não atendo telefonema dele de jeito nenhum. Foi lá em casa, mas pedi para dizerem que eu não estava. Bloqueei o sujeito no Facebook e no Instagram. Me disseram que rói por mim de manhã, de tarde e de noite. Quero que morra. Sabe de uma coisa? Vou contar, porque a senhora é como minha mãe: eu não faço segredo. Já estou com outro. E a senhora conhece.
— Quem?
— Pichichi, pichichi, pichichi...
— Pensa bem, mulher. Isso vai dar certo? Vai criar menino dos outros?
— Não dizem que amor é cego?
— Parece que também é doido.
E mais não ouvi porque, finalmente, fui chamado. A nova gerente da minha conta me empurrou um seguro de carro, fez a aplicação de parte do meu salário e me ensinou a baixar o aplicativo do banco antevendo o fechamento de tudo por conta da pandemia.
À saída, lancei um rabo de olho e lá estavam aquelas três nas mesmas cadeiras, porém, em posição modificada: a que havia chegado por último já sentava entre a mãe e a filha. Pressupus que a conversa andava mais animada, porquanto a mais nova havia largado o celular e era toda ouvidos.
Para que mentir? Juro que quase volto.
Uma assinatura de Getúlio Vargas vai completar 77 anos. É a da Portaria 4.744 que em 9 de agosto de 1943 criou a Força Expedicionária Brasi...
A guerra do “Senta a Pua”
Uma assinatura de Getúlio Vargas vai completar 77 anos. É a da Portaria 4.744 que em 9 de agosto de 1943 criou a Força Expedicionária Brasileira, a FEB da cobra a fumar. A providência permitiu o desembarque de mais de 25 mil brasileiros na Segunda Guerra Mundial.
Foi uma confusão das grandes. O fotógrafo, um dia antes de entrar em gozo de férias, trocou a foto do beijo no chão do Brasil dado por João...
A bênção, João de Deus
Foi uma confusão das grandes. O fotógrafo, um dia antes de entrar em gozo de férias, trocou a foto do beijo no chão do Brasil dado por João Paulo II, minutos depois de sair da aeronave, naqueles idos de 1980. Aquilo que O Globo exibiu na edição do dia seguinte, era o flagrante de um beijo anterior, no Panamá, não lembro bem. Afinal, o Papa era o mesmo e chão é chão.
Romã... Eu não consigo ver essa fruta sem que me venham à lembrança duas figuras interessantíssimas. A primeira, o francês Pierre Landolt q...
De Pierre a Malaka
Romã... Eu não consigo ver essa fruta sem que me venham à lembrança duas figuras interessantíssimas. A primeira, o francês Pierre Landolt que a cultiva, de forma orgânica e consorciada a carneiros, nas Várzeas de Sousa, onde o conheci quando acompanhava, em 2015, uma inspeção do Tribunal de Contas ao Perímetro Irrigado. Além de limparem os aceiros os bichos, ali, ainda adubam o terreno.
Quem já não passou pela experiência não é capaz de imaginar o quanto a luz subjuga a escuridão. Os amantes da astronomia até percebem, em a...
Procurando candeeiros
Quem já não passou pela experiência não é capaz de imaginar o quanto a luz subjuga a escuridão. Os amantes da astronomia até percebem, em alguma medida, o poder das incandescências, posto que isso verificam nas estrelas.
Em todo alvorecer é assim. Mal o Sol cuida de tanger uns restos de noite e já ocorrem os primeiros assovios. Uns sopros curtos e indecisos ...
Tempos bicudos
Em todo alvorecer é assim. Mal o Sol cuida de tanger uns restos de noite e já ocorrem os primeiros assovios. Uns sopros curtos e indecisos entre bocejos, quero crer. Quem desse modo anuncia a própria existência ainda não o faz totalmente desperto.
Não entendo como um ser vivente possa dispor de tal moradia. Nem vejo serventia melhor para um bicho desses, senão aquela posta em prática ...
Coisas do progresso
Não entendo como um ser vivente possa dispor de tal moradia. Nem vejo serventia melhor para um bicho desses, senão aquela posta em prática por moradores ribeirinhos durante as cheias do Rio Paraíba, no Pilar da minha infância. A Natureza, porém, sabe das coisas melhor do que eu, evidentemente.
Tudo aconteceu desse jeito mesmo, tal e qual. Era a época em que Rita Pavone buscava um martelo para com ele dar na cabeça daquela exibida ...
Os tons da saudade
Tudo aconteceu desse jeito mesmo, tal e qual. Era a época em que Rita Pavone buscava um martelo para com ele dar na cabeça daquela exibida de olhos pintados. Também, nas dos casais coladinhos, em baile com música lenta e luzes apagadas. Que raiva isso dava naquela mocinha com modos de criança, mas já então nos palcos do mundo.
Isolamento é fogo. Tem efeito agravado no transcurso dos dias. Com o corpo preso, a mente ganha asas. Ando a sonhar na brevidade de qualque...
O frade e o rádio
Isolamento é fogo. Tem efeito agravado no transcurso dos dias. Com o corpo preso, a mente ganha asas. Ando a sonhar na brevidade de qualquer cochilo. Sonho com todos e com tudo.
Acredite. Muitas vezes, não vale a pena pesquisar aquilo que não se entenda. E vale menos ainda se o assunto disser respeito à medicina e s...
Que os céus me ajudem
Acredite. Muitas vezes, não vale a pena pesquisar aquilo que não se entenda. E vale menos ainda se o assunto disser respeito à medicina e seus tratos.
Como aquilo me atraía. O reflexo dourado, a profusão de bolhas, o exagero de espuma. Perto dos 15 anos, atração igual eu apenas sentia pela...
A primeira vez
Como aquilo me atraía. O reflexo dourado, a profusão de bolhas, o exagero de espuma. Perto dos 15 anos, atração igual eu apenas sentia pela filha do melhor freguês do meu pai, moça já feita. Mal percebia que não era capaz de dar conta de uma coisa nem de outra.
Acho que, bem ou mal, o sujeito que eu sou, a percepção que tenho de tudo, a profissão que abracei decorrem do fato de que vi meu mundo pel...
Eu, espectador
Acho que, bem ou mal, o sujeito que eu sou, a percepção que tenho de tudo, a profissão que abracei decorrem do fato de que vi meu mundo pela janela do trem.
Afinal, quem, dentre os meus, pegou e não devolveu o dvd com “American Graffiti”, o filme há muito exibido no circuito nacional de cinemas ...
Quero meu filme
Afinal, quem, dentre os meus, pegou e não devolveu o dvd com “American Graffiti”, o filme há muito exibido no circuito nacional de cinemas como “Loucuras de Verão”?
A propósito, por que as casas exibidoras teimam em buscar bilheterias com títulos idiotas? Duvidam da inteligência do distinto público? “Grafite Americano” falaria menos ao interesse e sentimento dos compradores de ingresso?
Nestes dias angustiantes de isolamento, a leitura de uma postagem de Fábio Mozart traz-me uma saudade a mais. Logo agora, num instante de t...
Amigos num Fusca
Nestes dias angustiantes de isolamento, a leitura de uma postagem de Fábio Mozart traz-me uma saudade a mais. Logo agora, num instante de tantas ausências. É que Mozart me remete a Creusa Pires.
Não sei do ano. Mas estou certo de que foi na semana do fechamento de A CARTA, a publicação do editor Josélio Gondim que por alguns anos mo...
Nos ares de Aruanda
Não sei do ano. Mas estou certo de que foi na semana do fechamento de A CARTA, a publicação do editor Josélio Gondim que por alguns anos movimentou a cena política e cultural da Paraíba.
Encarregado de matérias para as Páginas Amarelas, eu havia procurado Linduarte Noronha a fim de um bate-papo sobre “Aruanda”, o curta metragem inscrito na lista de precursores do Cinema Novo, movimento que teve em Glauber Rocha sua mais forte expressão.
Entrevista feita e editada, eu era informado da extinção da Revista. Sem mais pensar, dei meia volta com o texto debaixo do braço e segui até o CORREIO, onde o entreguei de mão beijada para publicação no domingo seguinte, se bem lembro.
A iniciativa me valeu apertos de mãos e telefonemas elogiosos, menos em razão de algum mérito pessoal e mais, muito mais, em decorrência do que me contava o entrevistado acerca do filme, um documentário com pitadas de ficção e um marco do cinema nacional que rompera com o velho modelo de inspiração hollywoodiana.
Aruanda foi, neste sentido, a primeira cara do Brasil interiorano miserável, desprezado, entregue à própria sorte. E foi o lançamento de um modelo estético gritantemente inovador.
“O que deve dizer o cinema brasileiro sem dinheiro, equipamento nem sala de exibição?”, perguntava-se, antes, Jean-Claude Bernandet.
Linduarte Noronha e Rucker Vieira responderam a isso, pouco depois, em 1960, convém lembrar, com os auxílios luxuosos de Vladimir Carvalho, Jurandy Moura e João Ramiro Mello.
Linduarte me contou de viagens ao Rio de Janeiro em busca da máquina de 35mm com a qual rodou o filme, até consegui-la. Me falou da ideia de destelhar casebres da Serra do Talhado, nos ermos de Santa Luzia, para a iluminação das cenas tomadas entre quatro paredes. Também, da improvisação de rebatedores de luz advinda de fogueiras o que garantiu o aspecto fantasmagórico de algumas tomadas.
E o pessoal no Rio, abismado, incrédulo, quando das primeiras projeções: “Como você conseguiu isso?”, “Que refletor foi esse?”, “Onde foi buscar corrente elétrica?”.
“Aruanda”, em preto e branco, é um desses sucessos de crítica longe do olhar e do sentimento de um público desacostumado ao gênero. É cultuado, isto sim, pela gente do ramo mais afeita às técnicas, as propostas e à gramática do cinema. É peça consagradora da “estética da fome”, ao que se dizia dessa vertente do Cinema Novo. Na trilha, outra inovação, modinhas populares e temas do folclore brasileiro.
Acabo de revê-lo, em seus quase 21 minutos e 30 segundos, via Youtube, com a alma em festa. E me bateu uma saudade enorme do Gordo. A última conversa que tivemos deu-se a propósito da necessidade de restauração do Engenho Corredor quando ele então presidia o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico da Paraíba, o velho e sofrido Iphaep...
Frutuoso Chaves é jornalista