Conta-se que a expressão vem da época dos fidalgos e do propósito de acalmá-los durante a longa espera por uma audiência com alguém da real...

Chá de cadeira

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Conta-se que a expressão vem da época dos fidalgos e do propósito de acalmá-los durante a longa espera por uma audiência com alguém da realeza. Servidos com finos biscoitos em bandejas de ouro e porcelanas raras, os chás dariam a impressão do máximo respeito e da elevada consideração àqueles que em seus anéis maçadas tomavam. Rei é rei, mas precisa de impostos e amigos.

A mim e aos parecidos comigo, sem sangue azul nem grandes posses, ninguém dispensava maiores atenções na antessala do banco de onde a crise já havia afastado a água e o café em copinhos de plástico. E olha que eu fui ali a convite, a fim de conhecer a moça com quem havia ficado o acompanhamento da conta bancária um tanto magra. “Venha conhecer sua gerente pessoal”, me ligaram dois dias antes. Ela faria recomendações para aplicação de alguma sobra do salário.

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E haja espera com uma ficha à mão e o olho no painel eletrônico, atento ao chamado que nunca vinha.

Logo ao chegar, pensei em desistir da conversa assim que vi a multidão ali já sentada. Animava-me, contudo, a inscrição no papelzinho, em letras maiúsculas: PREFERENCIAL. Tomei a coisa como um sinal de distinção e, bobo que sou, decidi ficar.

Doze guichês à disposição, um entra e sai desgraçado, o tempo passando e chamamento nenhum. Notei que isso também incomodava mãe e filha, na fila de cadeiras à frente da minha.

— Que demora, né mãe?
— Pois, não é? Teu pai deve estar uma fera.
— Olha só quem vem ali... Ei, Ritinha, vem para cá. Aqui tem vaga.
— Que bom ver vocês. Estou vendo que hoje vou mofar aqui. Pelo menos, tenho com quem conversar. Sua menina está um moção, dona Alice. Bonita mesmo. Já tem namorado?
— Se tem, anda escondido. Mas espero que ela não me venha tão cedo com essa novidade. E, você, como vai com Luiz?

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— Terminei, minha filha. Aquilo é um galinha. Peguei o bicho de conversa mole com aquela prima de Tereza.
— Vixe... Aquela que o marido deixou?
— Essa, mesmo. A bicha anda solta na buraqueira. Meu primo estava no bar e viu a conversinha dos dois. Ela chegou, sentou com o sem vergonha que, daqui a pouco, estava pegando na mão e comentando o quanto estava apetitosa. Isso é conversa que se tenha com mulher casada? E ela, que também não se dá ao respeito? Não tenho dúvida de que os dois saíram dali para algum canto. Sabe o que meu primo ouviu?
— O quê?
— Dá cá o ouvido. Pichichi, pichichi, pichichi....
— Minha Nossa Senhora. O mundo vai acabar.
— Pois é. A gente passa por cada uma. Mas também já dei o troco. Dispensei o safado e não atendo telefonema dele de jeito nenhum. Foi lá em casa, mas pedi para dizerem que eu não estava. Bloqueei o sujeito no Facebook e no Instagram. Me disseram que rói por mim de manhã, de tarde e de noite. Quero que morra. Sabe de uma coisa? Vou contar, porque a senhora é como minha mãe: eu não faço segredo. Já estou com outro. E a senhora conhece.
— Quem?
Pichichi, pichichi, pichichi...
— Pensa bem, mulher. Isso vai dar certo? Vai criar menino dos outros?
— Não dizem que amor é cego?
— Parece que também é doido.

E mais não ouvi porque, finalmente, fui chamado. A nova gerente da minha conta me empurrou um seguro de carro, fez a aplicação de parte do meu salário e me ensinou a baixar o aplicativo do banco antevendo o fechamento de tudo por conta da pandemia.

À saída, lancei um rabo de olho e lá estavam aquelas três nas mesmas cadeiras, porém, em posição modificada: a que havia chegado por último já sentava entre a mãe e a filha. Pressupus que a conversa andava mais animada, porquanto a mais nova havia largado o celular e era toda ouvidos.

Para que mentir? Juro que quase volto.


Frutuoso Chaves é jornalista

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