Que tal saber das impressões de um jovem estudante brasileiro acerca de um mundo em traumática e ampla mudança? Que tal a leitura dessas impressões mediante acesso a cartas por ele trocadas com a mãe, professora de Filosofia, num momento crucial do cenário político, social e econômico, em escala planetária, aquele que se sucedia à queda, anos antes, do Muro de Berlim, portanto, ainda no frescor dos acontecimentos? Que tal perceber que essa troca produziu pérolas literárias com as assinaturas de Maria das Neves Franca e Marcílio Toscano Franca Filho? O que dizer de seus enredos sobre episódios com a grandeza e o significado da reunificação de um povo, assim tida e havida?
Hora do almoço no sítio do amigo Manoel e lá nos veio o convite: “Vamos traçar um capitão?”. Não me fiz de rogado: “Que bom! Vamos, sim”. Verdade seja dita, eu não gosto de preparar isso pelo qual sou doido desde criancinha. Eis, então, uma das poucas coisas para cuja elaboração, se eu puder, evito a mão na massa. Mas, para sorte minha, todos os bolinhos já tinham sido bem arrumados numa travessa de cerâmica de bom tamanho. Ali estavam, entre
Não dirijo há sete anos, desde quando, irritado com um trânsito mais complicado a cada amanhecer, dei ao filho mais novo o carro que eu tinha. Agora, com alguma frequência, vejo-me obrigado a responder a motoristas de Uber se Frutuoso é, mesmo, o meu primeiro nome. “Não é sobrenome?”. E eu: “Não. É nome herdado do avô paterno que me levou à pia batismal.
A releitura de “Evocação do Recife”, poema de Manuel Bandeira, trouxe-me a constatação do quanto seria difícil a um poeta paraibano compor louvores aos nomes das ruas da sua Capital. Nos versos que o consagraram, Bandeira tinha a seu dispor as Ruas do Sol, da Aurora, do Sossego, da Saudade, da União, da Consolação. E tinha medo de que qualquer delas, ao longo do tempo, fosse transformada em “Dr. Fulano de Tal”.
Ah, as mulheres... Quem vive sem elas? Todas nos têm sido necessárias desde que Adão perdeu uma costela. São, rigorosamente, o propósito e a essência da vida. Saímos dos seus ventres para seus cuidados e solicitudes. Dão-nos os seios, a alimentação, o colo e, quando crescidos, o amor e o carinho nos modos sem os quais não nos multiplicaríamos nesse mundão de Deus.
Nunca usei chapéus. Conto tal coisa e, então, me vejo obrigado ao esclarecimento: mais do que mera observação isso é confissão de um desgosto. “Ainda é tempo”, respondeu minha mulher quando, dias atrás, despretensiosamente, tratei com ela do assunto. Como se quisesse me ajudar numa escolha difícil, aquela com quem há 47 anos divido cama e mesa me veio com o catálogo
A hipertensão num dos seus picos, a dor de cabeça disso decorrente e, para completar a encrenca, uma chuva grossa afastaram-me de algo, sem dúvida, momentoso: o acontecimento que reinscreveu a Academia Paraibana de Letras na agenda dos grandes eventos sociais e culturais da Paraíba.
Pronto, satisfiz minha curiosidade. O “Baptista”, como está no registro do meu e de tantos outros avós, deriva, tal e qual, do latim e, ainda, do grego “Βαπτιστής” (o que batiza). Confesso, minhas e meus camaradas: Não consultei, imprudentemente, o Professor Milton Marques Junior para confirmar o que na minha santa ignorância agora afirmo após uso bem canhestro do grego e do latim. Ao invés disso, a fim de não aborrecer um dos meus articulistas preferidos,
Cuité é “Crescentia cuteje L.” nos livros e cadernos científicos. Popularmente, esse fruto também pode ter os nomes de coité, cabaça, cuteje e outros mais. Eu pensava que fosse cria do nosso Semiárido antes de pôr as vistas num desses textos acadêmicos que circulam na Internet a três por quatro.
Vou tratá-la assim, por nome muito diferente daquele com o qual o pai, a mãe e os padrinhos a levaram à pia batismal. Não quero confusão com possíveis parentes, embora eu não saiba, na idade em que hoje me encontro, da existência de ascendentes nem descendentes da moça vinda ao mundo para o desgosto dos seus e de si mesma. O filho único, fruto da terceira união mais estável, não resistiu à leucemia que o abateu em tenra idade.
Casei-me com um relógio, a julgar pela pontualidade daquela que me suporta desde 1978. Seis em ponto e ela trata de acionar o alarme. Assim o faz pelo bico da chaleira que se abre e fecha. Fechado, temos o vapor a sibilar em volume alto o suficiente para também acordar a vizinhança, se não for logo interrompido. Pronto, sinto-me obrigado a abandonar a cama e correr ao banheiro,
“O que explica isso, seu descomungado? Por que terminar julho desse jeito?”, perguntaria, em estado de embriaguez, Nezinho do Jegue. Quando sóbrio, ele assim não se comportaria. Lúcido, era dado à bajulação. E Odorico Paraguaçu responderia: “Os finalmentes justificam os obstantes”. É claro que estou a falar das criações do talentoso Dias Gomes.
Um dos mais longevos, em escala planetária. É o que se pode dizer do noticioso que começou, em 1935, com o título de “Programa Nacional”, ganhou, três anos depois, o nome de “Hora do Brasil” para hoje se manter no ar como “A Voz do Brasil”. Desde Getúlio Vargas até agora, as transmissões somam 90 anos e dão-se, ininterruptamente, das segundas às sextas-feiras. Minto, houve uma breve interrupção: aquela ocasionada pela tomada das nossas ruas
Que bom! Johnny Mathis está vivo. E ainda canta “Misty”. Consegue fazer isso no mesmo tom e com a voz suave dos inícios de 1960. Eu o reencontrei por acaso durante o mais recente dos meus costumeiros passeios pela Internet. Estava lá, à frente de um fundo escuro, o homem agora calvo e enrugado, o ser alquebrado e irreconhecível, não fora pelo talento espantoso, pela canção que eternizou
e pela maciez do timbre imaculado, espantosamente, no transcurso das décadas.
Johnny vai para os 90 anos, a serem completados em setembro. Acreditem: aquela garganta de menino ainda sustenta os agudos de outrora com a naturalidade do primeiro choro, aquele dos recém-nascidos incomodados com a aspereza da existência fora do ventre materno. O bom e velho Johnny canta sem esforço e sem que as veias engrossem no pescoço, ao que observei da interpretação a mim chegada por acaso, via YouTube, sem que eu a buscasse. Anotei a postagem: 18 de janeiro de 2025. Eu soube que ele anunciou a aposentadoria em março passado. Mas está vivo e ainda consegue cantar, maravilhosamente, ao menos no banheiro.
Como eu estava precisado de “Misty”. Não em suas diversificadas versões, algumas com o carimbo de monstros sagrados do cancioneiro internacional, mas com a voz de veludo de Johnny, a voz da minha juventude, a das minhas aspirações, a dos meus sonhos.
Minha precisão tinha e tem as dores do tempo. Por um momento, ouvindo aquilo, escapei das aflições dos povos e das que, somente minhas, hoje carrego. Fui às nuvens naqueles acordes. Ali, não me alcançavam os males que a idade me trouxe nem as desavenças e confusões do planeta à beira, mais uma vez, da catástrofe em larga escala.
A nuvem em que me dependurei me levou ao passado e me fez pousar numa estradinha emoldurada por coqueiros. Ao sabor do vento, segurei a mão daquela que me daria três filhos. Estávamos jovens. Ela mais segura de si.
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Eu, desamparado e confuso feito filhote de gato numa árvore, tal como descrito no primeiro verso da bela canção.
Mergulhos no passado dão nisso: na confusão de imagens, na mistura de memórias. “Misty” também põe diante de mim amores adolescentes, alguns com vozes de violinos, novamente, como nos versos compostos por Johnny Burke para a melodia do pianista Erroll Garner, criada em 1954. Eu estava, então, longe da idade para as mãos dadas com aquelas que por mim iriam passar e com a que me reteria, por um golpe de sorte, para a satisfação e a quietude da alma. Nosso Johnny gravou essa música em 1959 e dela se fez o melhor intérprete, ao que entende meu coração bobo.
O octogenário de agora ainda alimenta dúvidas juvenis. Uma delas diz respeito aos que se dedicam a agravar a agonia da raça humana, a fazer deste mundão de Deus um lugar de padecimento e expiação, como o fazem os promotores das discórdias e das guerras. Os tiranos ouvem música? Sabem cantar? É o que ainda me pergunto.
Quero crer em que divido com muitos dos meus semelhantes esses mesmos incômodos. Ora têm dimensão planetária ora decorrem dos aperreios cotidianos feitos de desesperanças, enfermidades, desconfortos. Se assim for, recomendo-lhes um cantinho numa nuvem para o sossego do espírito. Escolha cada um o meio de transporte para a fuga momentânea e indispensável dos problemas individuais,
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ou coletivos. Nem precisa ser “Misty”. Basta a música de cada agrado desde que contenha poema e notas suficientes para o deleite e a elevação.
Não custa insistir na necessidade dos voos para recantos onde more a paz, ou a saudade. Dorothy Gale queria voos de passarinho. Desejava pairar bem acima das chaminés, além do arco-íris. Por falar nisso, a canção “Over the Rainbow” somente não foi excluída da trilha de “O Mágico de Oz”, porque Arthur Freed, o produtor associado, fincou pé no studio da MGM, nos idos de 1939: “A música fica, ou eu vou embora”, ameaçou. Ganhou a briga para sorte dos compositores Harold Arlen e Yip Harburg, o letrista. Quem diria que o número de assinatura da jovem atriz Judy Garland se tornaria, em 2021, “a música do Século 20”, assim escolhida em pesquisa conjunta do National Endowment for the Arts e da Recording Industry Association of America?
É como digo. Cada um pode escolher a forma de escape dos problemas diários. “O desejo infantil de escapar, ou fugir, é uma universalidade”, leio isso em texto assinado por Gary Shapiro para boletim da Universidade de Columbia. A sentença é por ele atribuída ao professor de música Walter Frisch, autor do livro “Arlen and Harburg’s Over the Rainbow”.
Burt Howard quis ir acima do ponto desejado pela pequena Dorothy. Johnny Mathis, em meio à profusão de intérpretes consagrados, também cantou seus versos. Frank Sinatra, em 1964, os associou (sem a menor graça, digo eu) às missões Apollo à Lua. Refiro-me a “Fly me to the moon”, outra peça icônica.
Desta vez, a mão da pessoa amada serviria à fuga para as estrelas e para ver como a Primavera se mostra aos apaixonados, em Jupiter e Marte. Prefere você ver um filme, ler um livro? Tudo bem, que assim seja. Quanto a mim, neste exato momento, valho-me de Johnny Mathis, há pouco reencontrado. Felizmente, ele ainda está vivo. E canta “Misty” em palcos que podemos reprisar quando voar for preciso.
Até Francisco ajudou. Ele mesmo, o saudoso Jorge Mario Bergoglio. A verdade é que sua Encíclica Laudato Si (Louvado Sejas) também inspirou a determinação jurisdicional no sentido de que a Superintendência de Administração do Meio Ambiente, a paraibana Sudema, inclua a proteção do patrimônio cultural em suas ações ordinárias de fiscalização.
O jovem Rubens Nóbrega pegou-me pela mão e conduziu este seu amigo mais velho pelas esquinas do tempo, com o perdão de Nelson Coelho, dono da expressão. Li o seu “Memórias do Batente” de um fôlego só e nele refiz percursos ao longo de anos e anos de vida profissional. Atuamos juntos sob o mesmo teto na fase mais curta da nossa convivência. Inicialmente, com o abrigo da velha A União, escola para a minha geração, a dele e a de nomes do jornalismo surgidos antes e depois daquilo que aprendemos e fizemos.
Não apenas me disseram onde eu encontraria aquele infeliz, mas, ainda, que mesa de bar ocupava. Éramos jovens quando, felicíssimo, com um riso de orelha a orelha, ele me fez conhecer a posterior razão do seu padecimento: uma morena bonita com olhos de onça. Ninguém, antes nem depois dela, causou-me tão má impressão no ato das apresentações.
Acho que aqueles dois começaram a se imprensar na janela de Seu Severino por volta de 1958, o ano da primeira conquista brasileira de uma Copa do Mundo. Compunham, então, o agrupamento de televizinhos para a audiência de jogos filmados, enlatados, despachados e exibidos, somente dias depois de ocorridos, num momento em que a tecnologia ainda não oferecia ao mundo os satélites de comunicação nem as redes de tevê para transmissões ao vivo.
Quando eu nasci, o Brasil fazia sua última declaração de guerra contra uma nação soberana, não por minha causa, é claro. Assim o fez por meio do Decreto Presidencial nº 18.811, de 6 de junho de 1945, dia do meu primeiro berro. Acho que o Japão, de quem hoje abrigamos a maior colônia nipônica fora da Ásia, não ligou muito para esse decreto então assinado por Getúlio e dez dos seus ministros. Tinha mais com que se preocupar.
Nas invasões de longa duração, invasores e invadidos acabam por adotar, uns dos outros, um tanto de seus costumes, suas línguas e suas almas. A história tem uma enormidade desses casos. Há quem garanta, por exemplo, que a Guerra dos Cem Anos levou a França a incorporar manifestações dos ingleses como a quadrilha, dança de salão assim denominada porque inicialmente composta por quatro casais. E em espaços quadrados, acrescem outros pesquisadores. Estamos a falar do Século 13 e de narrativas disseminadas, hoje em dia, desde os centros acadêmicos até as páginas de jornais e revistas.