julho 19, 2019
(por Odilon Ribeiro Coutinho) Creio que há uma relação misteriosa entre o individuo e a paisagem. Quando andei pelas praderias da Mancha, di...

(por Odilon Ribeiro Coutinho)
Creio que há uma relação misteriosa entre o individuo e a paisagem. Quando andei pelas praderias da Mancha, diante das planícies que fugiam, céleres, de minha vista até se perderem no horizonte, demarcadas apenas por uma pequena árvore ou simples arbusto, situados a longo intervalo um do outro, apoderou-se de mim uma sensação de espaço intemporal e o imenso vazio que se fez sentir, comunicou-me a impressão de que o espírito ia, aos poucos se desgarrando da terra
Então, compreendi o delírio do fidalgo manchego Alonso Quijano, que não é outro senão D. Quixote. Na Úmbria aconteceu a mesma coisa. A paisagem desse pedaço da terra italiana está impregnada de uma humildade tão doce, que o coração se enternece a ponto de se depurar de todo orgulho.
As suaves colinas que ondulam na Úmbria têm um ar de tanta mansidão, que logo se imagina que São Francisco de Assis se deixou tocar pela doçura e humildade daqueles arredondados montes, marcados nostalgicamente pela presença, no seu macio cimo, de um cipreste solitário.
Curiosamente, D. Quixote foi o primeiro herói literário que conquistou a imaginação de Ângela Bezerra de Castro. Os sonhos e a impávida galhardia com que o heróico manchego defendeu os ideais da Cavalaria, parecem encontrar no espírito da escritora paraibana, semelhanças e afinidades que se revelam na sua admirável vocação para a resistência e na sua irredutível integridade.
E São Francisco, que Chesterton disse ser o único verdadeiro democrata que existiu até hoje, é o santo da paixão de Ângela, que o quer como companheiro em todos os recantos de sua casa, onde há uma dezena de imagens espalhadas por todas as dependências.
Detrás das muralhas de granito, na solidão de um refúgio que lhe oferecia a segurança de uma cidade, confinada, quase tão somente, à convivência do circulo familial, vigiada pela severidade do perfil de rochedos imemoriais, espreitada pelos olhos invisíveis de seres misteriosos que parecem cruzar os ares da Serra da Confusão, a escritora forrou seu ser moral com metais que não se enferrujam.
(Trecho do discurso do escritor Odilon Ribeiro Coutinho para recepção da Professora Ângela Bezerra de Castro à Academia Paraibana de Letras, em 1999)
julho 19, 2019
julho 18, 2019
(Linaldo Guedes) As coisas as coisas não surgem do mar a não ser na bahia de todos os cantos onde todos os afluentes deságuam negrumes salga...

(Linaldo Guedes)
As coisas
as coisas não surgem do mar
a não ser na bahia de todos os cantos
onde todos os afluentes
deságuam negrumes salgados
tambores em versos gregorianos
temperos no auriverde pendão do pelourinho
- e caetano me falando de outros santos que não rezavam agonias
- e das baianas com estranhas liturgias dentro das anáguas
oração na igreja do bonfim: as coisas só surgem se amar.
Lugares
gosto de estar em lugares que já li
- ser cúmplice das angústias e presepadas
de riobaldo, de quaderna, de macunaíma
(eles sabem mais de mim do que o terapeuta que nunca vou ter)
com eles, construí um pacto com o cramunhão
para ser o gênio da raça brasileira
mas, anti-herói que sou, não sai dos livros
e dos lugares que ainda serão lidos.
Ladainha
um oásis se constrói com desertos
perto
(ou)
longe
um oásis se constrói em desertos
perto
(e)
longe
um oásis se constrói
(e os desertos?).
(Do livro, ainda inédito, "Cabo Branco e outros lugares que não estão no mapa")
(Lustração: Pintura de Bruno Steinbach."Cabo Branco, visto da Praia do Seixas". Óleo/tela, 50x70 cm, dez 2006, João Pessoa, Paraíba, Brasil. Coleção: Marcelo Steinbach Silva (in memoriam)
julho 18, 2019
julho 17, 2019
Nem sei mais quando conheci Gonzaga. Faz tempo! Mas confesso que, só mais recentemente é que leio sua coluna com mais assiduidade. Sempre ...

Nem sei mais quando conheci Gonzaga. Faz tempo! Mas confesso que, só mais recentemente é que leio sua coluna com mais assiduidade. Sempre o encontro nos eventos literários. E também sabia que tinha conhecido meu pai, Romero, nos tempos de outrora.
Gosto do seu estilo de crônica (simples, sofisticada, única e poética), e assim como toda a torcida de todos os times, o seu talento. Confesso que, quase sempre não conheço as pessoas de quem fala nas crônicas, seus lugares queridos, Alagoa Nova, e tantos outros recantos da sua prodigiosa memória. Pouco importa. Para quem tem aquele saber, aquela facilidade poética das esquinas, seus amores pela cidade, pelos amigos, e pela vida, nem se precisa conhecer os atores. Um passeio pelas suas vírgulas, já basta.
Também já tive oportunidades de ouvi-lo falar – com maestria. Homem simples, direto, erudito, simpático, e que tenho no seu olhar, uma ternura à toda prova. Uma empatia que sinto. Amor à primeira vista. Com todo o respeito. Ele sempre solícito e sempre carinhoso com meus afagos, abraços e cordialidades.
Nos últimos tempos, por conta dos livros, eventos comuns, e encontros mais costumeiros, esses afagos e abraços sempre mais assíduos. E eu, de longe, aproveitando sua fala, seu humor, e seu sorriso de olhos fechados. Uma unanimidade esse Gonzaga! Que tem no nome, ritmos de outro mestre. Um ritmo que vislumbra em passos devagarzinho, através do seu corpo magro, bem vestido em cortes de linho azul claro, cabeleira vasta, e olhos negros, hoje com uma ligeira névoa de quem já viu, olhou, contemplou , um tanto da vida – Longing day and night! Eu diria em outra língua.
Pois semana passada, fui convidada por amigos, a ir almoçar com alguns, e dentre eles estaria Gonzaga , o Neguinho, como é carinhosamente apelidado pelos seus. Imagina, o luxo de, dividir uma galinha de capoeira, uma cervejinha, cachacinha, ou o que fosse, com esse moço dos olhos risonhos.
Foi uma tarde inteira com ele sentado à minha frente. A discorrer sobre as ladeiras e percalços de suas histórias maravilhosas. Causos. Piadas até. Sua singeleza (sim! Essa é uma palavra boa para adjetiva-lo) e boas risadas de alegria, fizeram meu coração pinotar feito criança com brinquedo novo.
Lá pelas tantas, como se a felicidade não bastasse, comecei a situá-lo em relação ao meu pai. Ele arregalou os olhos – aqueles que riem de espanto, e identificou direitinho o meu pai querido, e o seu lugar de trabalho na Praça Antenor Navarro. Lembrou do seu escritório, das visitas, da generosidade do meu pai, contou até alguns segredos dos dois , confianças, admirações mútuas. Gentil e surpreso, mostrou sua alegria em me descobrir nos teclados das Remingtons que meu pai vendia. Teclados esses através dos quais, escreve suas preciosidades, reconhecidas e aplaudias pela vida toda. E eu ali, com o olhar perdido no passado, ouvindo emocionada, esse elo de afeto!
Sou uma leitora anônima, assim como toda uma cidade, que lê entusiasmada , seus passeios públicos e mais íntimos; sobre suas perplexidades diante do Ponto de Cem Réis; seus pertencimentos da vida; suas alegrias/tristezas da existência.
Ah! Gonzaga! Arvoro-me à essa pequenina sobremesa, ao nosso mais que idílico almoço, que ainda teve direito à performance de João Batista de Brito e seu texto sobre O Anjo Azul e Marlene Dietrich, e gargalhadas com o pai de Brooke Shields! Aí é assunto para uma outra crônica.
Obrigada Gonzaga! Martinho Moreira Franco, João Batista Brito, Mariângela Wanderley, e Luiz Paiva. Voltei pra casa literalmente rodopiando feito bailarina, não sem antes ter te dado um grande abraço que máquina nenhuma conseguiria registrar. Essas coisas do instante! E do afeto!
julho 17, 2019
julho 14, 2019
Meu quintal mede poucos metros e é lindo. Dele eu enxergo o mundo. De um lado, vejo uma nesga do mar, do outro, vejo o entardecer colorido ...

Meu quintal mede poucos metros e é lindo. Dele eu enxergo o mundo. De um lado, vejo uma nesga do mar, do outro, vejo o entardecer colorido com todos os tons de laranja. No meu quintal cabe uma rede e pequenos vasos de plantas que cuido com o carinho de mãe zelosa. Às vezes, sou presenteada com flores e me sinto a pessoa mais privilegiada do mundo.
Tudo se resume em ter um olhar que saiba enxergar.
Olhar é o mais comprometido, descomprometido ato da nossa percepção.
Olhar é exercício de vida e entendimento. É captar na retina da memória e do coração o que nunca esquecemos: a emoção quando desvendamos o rosto do filho recém-nascido, o olhar de aconchego quando enxergamos reciprocidade nos olhos de alguém por quem estamos apaixonados e o mais dolorido olhar, cheio de pavor abissal, é quando enxergamos a vida se findando no olhar de quem amamos.
Olhar o tempo é sentir certa melancolia de quem sabe que a vida é passageira e por isto mesmo, bela. Olhar é um ato de humildade diante da eterna dívida de haver nascido em um mundo absurdo e detonado pelo caos, mas que ainda nos dá a oportunidade de enxergar e reverenciar uma natureza pródiga de céu azul, mares verdes e flores amarelas.
Cristina Lugão Porcaro é bacharel em artes plásticas, psico-pedagoga e escritora
julho 14, 2019
julho 13, 2019
(José Nunes) No livro “O Idiota”, uma das obras-primas da literatura universal escrita pelo russo Fiodor Dostoievski, encontra-se a frase qu...

(José Nunes)
No livro “O Idiota”, uma das obras-primas da literatura universal escrita pelo russo Fiodor Dostoievski, encontra-se a frase que remete à mediação da beleza como princípio para salvar o mundo. Os gregos apontavam nessa direção do belo como fundamental à união das pessoas num único sentido da vida, da mão estendida na mesma direção. Foi com esse sentimento que há dois mil anos Jesus, que viveu nas terras áridas da Galileia, propunha o ensinamento da fraternidade.
“A beleza salvará o mundo”, escreveu o autor russo acreditando que seria possível harmonizar os sentimentos humanos de partilha. Mais tarde, retornaria a esse mesmo tema no romance “Os irmãos Karamazov”, aprofundando a questão do relacionamento harmonioso entre as pessoas como forma de conquistar a paz.
Na história por ele narrada no livro “O Idiota”, um ateu questiona como o mundo seria salvo pela beleza, ao que o príncipe Mynski nada responde, no entanto, fica junto a um moço de 18 anos que agoniza no leito da morte, cheio de compaixão, silencioso até este expirar. Gesto de profunda beleza, de amor ao próximo no momento da extrema dor, provando que atitude dessa natureza ajudará a salvar o mundo.
O romancista russo achava que belo era não roubar a dignidade dos outros, ter um espírito dominador, consumista. Repetia que “seguramente não podemos viver sem pão, mas também é impossível existir sem beleza”.
Também quando lemos ou contemplamos uma obra de arte, seja uma pintura, um poema, uma fotografia, por exemplo, captamos o alimento para nossa alma e, abastecidos do belo, somos impulsionados a conduzir outras pessoas para vivenciar o mesmo sentimento e, lentamente, ajudando a formar a paisagem da harmonia entre nossos semelhantes.
Criei-me num sítio onde vivíamos no mesmo nível de pobreza, as famílias partilhavam-se na mesma dor, repartindo a nesga de mistura para deixar saboroso o prato com feijão e farinha. Na dor e na angústia estávamos juntos e chamávamos de “de belo gesto” quando alguém ajudava o desprovido de alimento, sobretudo da alimentação. A cuia com farinha, o punhado de açúcar, sal ou café trazia alívio à fome e expunha a beleza daquele gesto.
Reconheço quanta beleza nos gestos que nossos vizinhos protagonizaram quando a cacimba deixou de fornecer água, a lavoura não brotou, com dias em que a panela ficava vazia na trempe, salvando-nos da aflição do estômago vazio.
Jesus implantou na alma das pessoas que a generosidade dos gestos nos faz irmãos todos os povos, deixando a lição de que a beleza está acima do estético e que possui uma grandeza moral e religiosa. O belo está expresso quando não se litigia a Deus, mas quando se vence o mal.
O belo não está na formosura do corpo que atende ao apelo do marketing, mas nos gestos que transformam e moldam o relacionamento humano. A flor nasce sem desejar ser contemplada, mas paramos para olhar e admirá-la por menor que seja. A flor é bela porque já nasceu assim, e nos fascinamos quando a contemplamos.
julho 13, 2019
julho 09, 2019
(William Costa) Olho para as nove horas brancas e rosas que o sol acaba de abrir no meu jardim. Não sei por que, me vem à memória a frase fi...

(William Costa)
Olho para as nove horas brancas e rosas que o sol acaba de abrir no meu jardim. Não sei por que, me vem à memória a frase final do romance Nadja, de André Breton, que li, há muito tempo, salvo engano em um artigo ou epígrafe de livro do escritor W. J. Solha: “A beleza será convulsiva ou não será”
Não devo ter lido Nadja com muita atenção – aliás, o livro me foi emprestado pelo próprio Solha -, pois não me recordo da frase por associá-la ao romance do surrealista francês, mas pela citação do autor paulista, radicado na Paraíba, este sim, um dos leitores mais vorazes e de excepcional memória que conheço.
A beleza do mundo me encanta e assusta exatamente por ser fugaz. Efêmera como as nove horas dos meus jarros, que desabrocham no meio da manhã e murcham muito antes do Sol se pôr. Não se pode retê-las, e sim contemplá-las, deixando de lado a vontade de questionar os motivos de sua existência.
Acontece de, às vezes, sentirmos a sensação de que algo maravilhoso irá se revelar a respeito da natureza. Mas permanecemos em suspense, como se não nos fosse permitido romper, pela razão, os limites da intuição. A sensação agrada e desespera, e, também neste caso, o melhor é respirar e relaxar-
Em momentos como este aplaudo em silêncio o cineasta Richard Donner, que dirigiu o longa-metragem O feitiço de Áquila. No filme, o Bispo de Áquila (John Wood) transforma os amantes Isabeau (Michelle Pfeiffer) e Etienne Navarre (Rutger Hauer) em predadores, aprisionando-os em mundos paralelos.
Durante o dia Isabeau transforma-se em uma águia e, à noite, Etienne toma a forma de um lobo. Eles são apaixonados e tentam se tocar no tênue instante que separa a noite do dia, quando ambos voltam à forma humana. Mas não conseguem, sendo este o verdadeiro castigo imposto pelo bispo feiticeiro.
Podemos associar a felicidade à beleza e esta às flores, uma vez que todas são transitórias - como nossas próprias vidas, aliás. E se tudo é passageiro, a alegria também é um estado de espírito momentâneo, como todas as formas de beleza, sendo o seu oposto, ou seja, a tristeza, oriunda dos inevitáveis espinhos.
Na tentativa de ser feliz, exatamente pela certeza dos espinhos, procuro andar pelo mundo atento aos seus jardins, para flagrar o momento de suas flores. Um amigo que encontro é um desses instantes, assim como o verso do poema e o excerto de conto ou romance que, ao lê-los, me emociono.
Cada vez que o mundo me agride, por meio de atos ou palavras, não escondo as lágrimas. Que a terra consuma minhas mágoas, para que, neste húmus sem rancor, vingue a esperança de uma rosa sem espinho. E quando sou eu o agressor, sinto-me como um ladrão que roubou a flor de um jardim celestial.
julho 09, 2019
julho 07, 2019
(Thiago Andrade Macedo) Seu nome se confunde com a própria arte à qual se dedicou por toda a vida, desde muito pequeno. Há pouco mais de 330...

(Thiago Andrade Macedo)
Seu nome se confunde com a própria arte à qual se dedicou por toda a vida, desde muito pequeno. Há pouco mais de 330 anos, nasceu, um dos mais prolíficos e talvez o maior compositor da música ocidental: Johann Sebastian Bach. O número exato de suas obras é desconhecido, mas o catálogo BWV assinala mais de mil composições, entre elas inúmeras peças com vários movimentos e para extenso conjunto de executantes.
Além de ter sido um dos organistas mais talentosos da história da música (tinha dedos ágeis e velozes e uma habilidade incomum no uso dos pedais do instrumento), o alemão, nascido numa família luterana de longa tradição musical, também foi um mestre na arte da improvisação, o que seria, mutatis mutandis, o equivalente ao que hoje fazem os músicos de jazz. Como ninguém nunca escreveu improvisações, jamais saberemos como eram essas suas viagens alucinantes.
Bach foi bastante produtivo, e não só no terreno da música: teve vinte filhos (haja vitalidade!) – ao menos tomou conhecimento da existência desses. Entre os mais famosos, podemos citar Wilhelm Friedemann Bach, Carl Philip Emmanuel Bach e Johann Christian Bach, os quais também ajudavam o pai na cópia de suas composições musicais.
A vastidão da obra de Bach fica ainda mais evidente quando se sabe que possivelmente metade dela se perdeu ao longo do tempo. Produziu concertos, suítes, oratórios, cantatas, solos para cravo, órgão, flauta, cordas. Apesar de ser protestante, Bach compôs um pequeno número de missas latinas. Revelou-se um gênio na arte da fuga e do contraponto. A fuga era uma espécie de composição extremamente complexa, em geral escrita para quatro linhas ou vozes musicais. Cada melodia é semelhante às outras, mas só começa depois que uma outra já começou. O impressionante é que todas elas soavam bem juntas! Já o contraponto eram duas, três, quatro ou mais linhas melódicas tocadas a um só tempo, produzindo incríveis harmonias.
A música do gênio alemão é universal e vai além do Barroco, estilo musical que cultivou e do qual foi o nome mais importante. A lista de compositores notáveis ao longo dos séculos XVIII, XIX e XX que demonstraram ter recebido sua influência é extensa: Mozart, Haydn, Beethoven, Brahms, Chopin, Liszt, Wagner, Mahler, Debussy, Ravel e nosso fabuloso Heitor Villa-Lobos (as Bachianas brasileiras são sublimes). Seu alcance foi tão poderoso que reverberou até mesmo na cultura popular: ele se tornou uma imagem icônica, chegando a ser incluído no rol dos santos da Igreja Luterana (sua data é comemorada no dia 28 de julho), tendo sido homenageado como compositor ilustre no calendário da Igreja Episcopal dos Estados Unidos.
O impacto de sua música não mais se restringe à música erudita: vários de seus formatos foram utilizados também na música pop, no rock progressivo e pesado e até mesmo no jazz, por nomes como Dave Brubeck. O melhor de tudo é que, a despeito de muitas de suas composições terem se perdido, um imenso número de obras-primas foi salvo, o que nos permite, até nossos dias, ouvir suas camadas de sons celestiais. A música de Bach, transcende, alimenta e nos põe em contato com as esferas superiores. Ela é a prova inconteste de que, em espírito, o homem não é só miséria.
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Nota: Link para o vídeo sobre a vida e obra do compositor à disposição no canal do arquiteto e bacharel em música, Germano Romero, produzido na Alemanha, em 2016: http://bit.ly/2XyS9Af
julho 07, 2019
julho 06, 2019
(Milton Marques Júnior) Para quem estranhou o título, gostaria de esclarecer alguns pontos, antes de iniciar a discussão sobre o assunto. De...

(Milton Marques Júnior)
Para quem estranhou o título, gostaria de esclarecer alguns pontos, antes de iniciar a discussão sobre o assunto. De literatura entendo alguma coisa, devido à minha vivência de professor na área, já com três décadas de atuação. De psicografia, por outro lado, nada entendo, a não ser por alguns testemunhos que tenho visto e por algumas leituras que, ultimamente, ando fazendo. Leituras teóricas e leituras literárias. Aproveito também para esclarecer que o que passarei a discutir não pode e não deve ser confundido com proselitismo, pois não professo nenhuma religião, ainda que o Espiritismo me seja muito simpático. Mesmo que professasse alguma religião, aqui não seria o espaço para isto.
A simpatia, que me inspira o Espiritismo, deve-se ao fato de que, diferentemente de outras religiões que conheço, o Espiritismo é mais expressão de religiosidade do que, na realidade, religião. Seu foco, explicando melhor e incorrendo na possibilidade de estar errado, não é em uma instituição a partir da qual se estabeleçam hierarquias e, consequentemente, haja disputa ou concentração de poder. A sua espinha dorsal se estabelece, pedindo a devida vênia aos espiritistas e arriscando a ser reducionista, não em obrigações e punições impostas e previstas por uma doutrina muitas vezes mal interpretadas, mas no amor e na caridade, tendo como Jesus como guia. Feitos tais esclarecimentos, passo a discutir, ainda que de forma incipiente ou insipiente, se quiserem alguns, o tema proposto.
O que me leva ao tema deste artigo é o impacto que senti após ler algumas obras psicografadas por Chico Xavier. Em dois meses, li Sexo e destino (1963), Nosso lar (1944), Há dois mil anos (1939), Ave Cristo, (1953) e Paulo e Estevão (1942). Todas me impressionaram seja pelos assuntos variados que nelas encontramos - obsessão sexual, vida após a morte, Cristianismo nascente -, seja pelo apuro da linguagem, seja, enfim, pela precisão das informações, no que concerne às chamadas narrativas históricas, sobre o Cristianismo primitivo.
Adianto que os títulos citados não são livrinhos, nem no diminutivo quantitativo, nem no qualitativo. Além de se tratar de narrativas de razoáveis para excelentes, são obras alentadas em seus números de páginas. Paulo e Estevão, por exemplo, é uma narrativa de 550 páginas, editada pela Federação Espírita Brasileira, em 1998, na sua 31a edição. Esta obra, cuja primeira edição é de 1942, foi psicografada por Chico Xavier, ditada pelo espírito Emmanuel.
Particularmente falando, fiz a leitura de Paulo e Estevão de uma assentada, entusiasmado com o tema e com a fluência da escrita. Tendo me impressionado com os livros anteriores, essa obra motivou-me a escrever algo, porque o rói-rói não me deixava quieto. Impressionava-me, sobretudo, o fato de ter conhecimento do pouco estudo escolar de Chico Xavier, que só fez até o antigo ensino primário. A obra em questão - Paulo e Estevão - trata dos primórdios do Cristianismo, mais precisamente da sua fundação e instituição, a partir do apostolado de Paulo, a verdadeira pedra da Igreja Cristã. Partindo do início da vida de Estevão, sua conversão ao Cristianismo ou à Igreja do Caminho, conforme era chamado o Cristianismo no seu início1, sua perseguição sistemática e inflexível por Saulo de Tarso, até chegar à conversão de Saulo, seu apostolado com as quatros viagens missionárias de Paulo, a ele designadas por Cristo - Galácia, Grécia, Ásia e Grécia, e Roma - e, enfim, sua morte em Roma.
Há quem possa alegar que a obra foi construída em cima dos Atos dos Apóstolos, o que é uma verdade. Porém isto não a desmerece, muito pelo contrário. Trata-se da utilização consciente ou não de um dos recursos mais antigos da literatura – a intertextualidade. Por outro lado, Paulo e Estevão não pode se resumir apenas a uma repetição dos Atos dos Apóstolos, como poderiam inferir leituras menos atentas, mas de uma recriação, como a boa literatura requer. Recriação dos primeiros momentos da vida de Estevão, da relação amorosa de Abigail com o ainda então Saulo, doutor da lei e importante fariseu do poderoso Sinédrio de Jerusalém, até chegar à morte de Paulo, em Roma, sob Nero, fato que o livro do Novo Testamento não retrata. Por outro lado, quem conhece bem os Atos dos Apóstolos sabe das várias viagens que Paulo fez e dos intrincados caminhos pelo oriente e pela Grécia, percorridos pelo Apóstolo judeu convertido em Damasco. Na narrativa de Paulo e Estevão, o personagem Paulo faz aquela viagem, o que seria a sua quinta missão evangelizadora, ao ocidente, evangelizando a Gália, atual França, e a Espanha. Tais fatos encontram-se apenas anunciados como propósitos na Epístola aos Romanos (15, 23-24), de autoria de Paulo. Mesmo para o estudioso do assunto, não é fácil ter em mente essa geografia. A fluência com que a narrativa corre demonstra um narrador muito à vontade em fazer e tecer tais percursos. Como explicar tais coisas? Como explicar que alguém pouco letrado tivesse a capacidade para escrever narrativas de linguagem apurada, com tramas em que a chamada verossimilhança interna me parece inquestionável e, além disso, com informações precisas que, de modo algum, parecem superficiais ou retiradas às pressas de algum manual? Francamente, não tenho como explicar. Alguém poderia explicar que o autodidatismo é um fato e que o livro poderia ser fruto de pesquisa, mas não acredito que essa explicação seja satisfatória, senão vejamos.
Aos que não sabem, Chico Xavier viveu 92 anos (1910-2002) e sua primeira obra, Parnaso de além-túmulo (1932), foi escrita em 1931. Ao longo dos 71 anos de atividade espírita, Chico Xavier psicografou 468 (sim, quatrocentos e sessenta e oito) livros e cerca de dez mil cartas. Considerando, portanto, o ano de 1931, o início de suas atividades de psicografia e o ano de 2002, quando morreu; considerando ainda que ele morreu ainda em atividade – do que eu não tenho certeza -, isso dá uma média de quase 7 livros por ano. Fazer pesquisa para um livro, para alguns livros é plenamente possível. Já não vejo como se pode fazer pesquisa para quase quinhentos livros, escritos a um ritmo de sete por ano. Quem escreve, quem produz sabe exatamente do que estou falando. Sei o quanto a questão é polêmica e está longe de ser resolvida, do ponto de vista da arte literária. Esclareça-se, ainda, que, em momento algum, as entidades, seja Emmanuel, seja André Luiz, expressam uma pretensão literária.
Diante desses fatos, a pergunta é incontornável: alguém já pensou em como se faz para escrever sete livros por ano, ao longo de setenta anos? Como possíveis respostas, só encontro o seguinte: ou Chico Xavier realmente psicografou tais obras ou ele era um escritor de uma prolificidade invejável. E, diga-se de passagem, melhor do que muitos que posam de escritor, no Brasil dos últimos tempos.
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1 Atos dos Apóstolos, 9, 2; 19, 9; 24, 14 e 22. Em Latim, o termo Caminho é traduzido ora como via, ora como secta, nesse caso epitetado como haeresis, doutrina. Como o Novo Testamento foi escrito em grego, o termo que lá se encontra é (o do/j, caminho, via, também existindo o epíteto ai(/r esij. Para a Bíblia em português, usamos a Bíblia de Estudo de Genebra. São Paulo e Barueri, Cultura Cristã e Sociedade Bíblica do Brasil, 1999. Para a Bíblia em grego e latim, usamos o Novum Testamentum Graece et Latine, Stuttgart, 1928.
julho 06, 2019
julho 04, 2019
(Germano Romero) Quando o meu amado pai ficou subitamente sem poder andar, por causa de uma estenose lombar aguda, encontrávamo-nos em Tel-A...

(Germano Romero)
Quando o meu amado pai ficou subitamente sem poder andar, por causa de uma estenose lombar aguda, encontrávamo-nos em Tel-Aviv, numa viagem que ainda tinha pela frente três dias em Londres. Com 89 anos, e mesmo novinho em folha, o imprevisto nos preocupou.
Após o diagnóstico recebido no hospital israelita, fomos tranquilizados pelos médicos daqui, por telefone, de que não havia gravidade nem urgência. Que poderíamos seguir viagem. Mesmo porque, sentado ou deitado, nenhum incômodo ele sentia. Só não conseguia andar. Que coisa.
Esquecidos os problemas, chutamos a bola para a frente e tomamos o avião para Londres, com uma breve escala em Zurique. Já instalados no hotel, com muita dificuldade com o nosso paraplégico, eis a questão: e agora? Três dias pela frente, sob um surpreendente céu azul e a capital da Europa a nossos pés. Pés? Nem pensar! Só se fossem rodas… Eureka! Eis a ideia, junto com a dúvida: será que ele topa?
Bem, conhecendo o cronista, amante da vida e da saúde, elegante e apreciador da elegância, era natural supor que ele não topasse andar de cadeira de rodas numa cidade que conhecia tão bem com a palma dos pés.
Arriscamos. Através das facilidades da internet, em minutos o mais apropriado e confortável veículo para a ocasião era entregue na recepção do St. James, da Pall Mall.
Agora, o suspense. Pois nada havíamos lhe dito sobre a iluminada ideia. Na expectativa de sua reação, batemos na porta de seu quarto, com a cadeira em punhos.
“Vamos passear?” – perguntamos, já adentrando e empurrando a bendita em sua direção. Ele estava sentado na lateral da cama, esfregando os olhos, como já se preparando para ver a novidade. Levantou a cabeça, olhou para a cadeira de rodas, e, imediatamente esboçando um largo sorriso, sapecou: “Só se for agora!”
Ora vejam só, e nós receando sobre a sua impressão diante da situação e do inesperado convite. Mas, logo entendemos que aquele era o Carlos Romero que conhecíamos, há 90 anos, tão bem vividos com alegria e bom humor.
Foram três dias inteiros na rua. Livrarias da Charing Cross, concerto no Royal Festival Hall, balé no Coliseum, pontes, parques... como é bom andar numa cidade inteiramente acessível, sem ao menos 2 centímetros de batente.
Não era surpresa que o bom humor do cronista estivesse sempre presente. Dava gosto vê-lo sorridente, cumprimentando as pessoas, completamente esquecido da estenose. Chegou a olhar para mim, o seu “motorista”, e disse: “Se eu soubesse que era tão bom, já teria alugado uma cadeirinha dessa antes”. E todos gargalhamos.
Numa das movimentadíssimas esquinas da Leicester Square, aguardávamos o sinal abrir para atravessar pela faixa de pedestres. Então ele percebeu, ao lado, um rapaz segurando o carrinho de seu bebê, também à espera do sinal. Cutucou-me, falando baixinho: “Diga-lhe que, no futuro, eles trocarão de lugar e ficarão como a gente”.
É, meu pai, como foi bom trocar de lugar com você, nesses últimos anos. Quantas vezes você dizia aos outros, carinhosamente, que, agora, eu é quem era seu pai… E como foi bom poder, na hora do banho, lhe dizer: “Feche os olhos que agora vou ensaboar seu rosto”… Que sensação inesquecível era passar minhas mãos por suas pálpebras macias, que, há poucos meses se abriram para definitivamente enxergar o caminho, a verdade e a verdadeira vida...
julho 04, 2019
julho 03, 2019
Eu subia. Na escada rolante. E ela, a alguns degraus à frente. Pareceu-me uma escultura andante. Lá estava ela. Uma mulher de costas. Com ...

Eu subia. Na escada rolante. E ela, a alguns degraus à frente. Pareceu-me uma escultura andante. Lá estava ela. Uma mulher de costas. Com um vestido estampado, pouco acima dos joelhos, sem mangas, mas o que tinha de comportado no comprimento, ultrapassava no decote das costas, profundo até a cintura. Suas costas brancas imaculadas. Com alguns sinais marrons, espalhados por aquela pele de porcelana. Juventude e beleza.
Era uma mulher jovem. Nos seus trinta anos. Não muito alta, mas usava uma sandália de salto grosso. O cabelo, castanho dourado, preso desarrumadamente. Sem brincos. E sem maquiagem. Um leve batom cor de boca. Olhando de costas, eu fiquei literalmente impressionada. Uma mulher como aquela, vestida assim às 3 da tarde, num shopping, chamava muita atenção. A minha!
Pensei que seria um vestido para a noite. Penumbras dos bares. Dancing. Drinks. Mas o que é a noite frente à luz do dia? Prazerosa e deliberadamente. Uma mulher elegante. Silenciosa. Em outra qualquer estaria vulgar. Nela? Sensual e assertiva. E quem há de saber os limites e as horas se não ela mesma?
Entramos juntas na loja de artigos de casa. Eu não conseguia tirar os olhos daquelas costas. E quando a olhei de frente? Um vestido que deixava seus seios à mostra dos lados. Seios belos e firmes que teimavam em sair pela super cava, um pouco mais decotada que o habitual. Só um corpo escultural daqueles permitia tamanho limite entre o (não) mostrar. E a moça perambulava por entre as louças, os potes, as tábuas de madeiras, as taças de acrílico, os conjuntos de cozinha. Já eu, nem mais sabia o que tinha ido procurar. Sim, uma tábua de pão para que os farelos não sujassem tanto a minha cozinha. Quão doméstica senti-me! Sem vestido. Sem decote! E com a minha pele já gasta pelo tempo....
Fiquei a pensar em mim. Quando mocinha. Magra, morena, com um corpo que caberia naquele vestido. Mas, ao invés, estava eu - ou com saias longas de hippie-chic, ou de shorts jeans e top, ou ainda com calças frouxas de alfaiataria e camisas largas.
Queríamos esconder o corpo. Chamar atenção para nossas ideias, outros charmes, e outros erotismos. Que também são afrodisíacos, sei. Mas nunca tive aquela feminilidade ditada pela cultura. Aquela, a da moça das costas nuas. E menos ainda aquele poder circunscrito pelo andar. Na época, já tinha meus parâmetros da rebeldia que contestavam as curvas, os apertos, e as mostras. Sonhava com os olhares das atrizes francesas.
Mas ao ver aquela moça tão camafeu, tão simples e tão sofisticada, tão desnuda, tão dona de si, do corpo, da sua beleza, do seu poder, e da sua autonomia, por entre pires e xícaras, fiquei a pensar nisso tudo. No poder da beleza! Sim! Aquela mesma!
Proclamada secularmente pela supremacia dos valores. Claro que, por agora, já não tenho mais esse rosto magro, nem peitos firmes, nem costas lisas. O tempo passa. Mas uma mulher assim, numa escada rolante, com um vestido desses, tem o poder de despertar um olhar devastador. Hoje não mais aquele olhar objetificado do gaze masculino. Confesso até que, por um instante tive, mas o olhar de outra mulher, que por aquele degrau, contemplou uma beleza, é bem verdade renascentista, mas mesclada com o contemporâneo, com a altivez das mulheres jovens e poderosas dos nossos tempos.
Por um piscar de olhos, eu quis aquele vestido. E não só... Acho que quis sim, ser aquela mulher subindo na escada rolante. E que despertasse um olhar. O meu!
julho 03, 2019
julho 01, 2019
Multiverso (Walter Galvão) A poucos dias de morrer no ano passado, o gênio britânico Stephen Hawking mais uma vez surpreendeu o mundo. O pro...

Multiverso
(Walter Galvão)
A poucos dias de morrer no ano passado, o gênio britânico Stephen Hawking mais uma vez surpreendeu o mundo. O professor lucasiano, astrofísico, cosmólogo e ícone transmidiático pop da superação, revisou um artigo sobre a existência dos universos paralelos.
Os fãs do Homem-Aranha vibraram. O que seria uma fantasia delirante embutida na animação “Homem-Aranha no Aranhaverso” conquistou inusitada potencialidade científica.
A mesma emoção atinge quem assiste à série do canal Netflix “Como seu eu não tivesse te conhecido”. A história é um misto de fábula sci-fi e drama romântico sobre perdas e o peso das decisões pessoais. Acontece em surpreendentes universos paralelos. Vai ao encontro do artigo por Hawking revisado antes de morrer.
O autor de “Uma breve história do tempo” na verdade revisou um texto disruptivo na perspectiva dos fundamentos da cosmologia que usamos para explicar, ou ao menos tentar explicar, para além da fantasia artística e das cosmogêneses mitológicas, como tudo surgiu, espaço, tempo, galáxias, estrelas, planetas, porque estamos aqui e como ficaremos no universo (?) em expansão.
Disruptivo por considerar adequada, melhor dizendo: considerar inevitável a demolição de quase tudo o que aprendemos e pensamos com a ciência da física, principalmente.
Há uma cosmogonia alternativa no artigo de Hawking. Nela, a noção de universo, de uma totalidade exclusiva que a tudo abarca e sustenta, é substituída por uma nova visão, a do multiverso, conjunto de universos, alguns muito parecidos com o nosso, outros com diferenças expressivas - dimensões alteradas, mentes e personalidades alternativas, mas com cópias reconhecíveis da gente por lá - todos originários do big bang.
Uma leitura interessante a esse respeito é propiciada por Brian Greene. Em “A realidade oculta” (Companhia das Letras), o cosmólogo norte-americano especula sobre a existência, no mínimo, de nove versões de universos paralelos matematicamente concebíveis. Ele parte dos fundamentos da teoria da relatividade, avança sobre a mecânica quântica e conduz o leitor com linguagem acessível e exemplos eficazes à fronteira das supercordas onde Stephen Hawking finca uma bandeira.
O caminho trilhado por Hawking foi desbravado por Einstein. A teoria da relatividade foi a chave por ele usada para abrir as portas da imaginação de cientistas, líderes espirituais, filósofos e artistas.
Pensamento analítico, mente especulativa, raciocínio lógico excitados pelas possibilidades inauguradas pela física e seus novos ramos, quântico, computacional, ondulatório…
Ramos geradores de teorias comprovadas como a da quarta dimensão, do entrelaçamento do espaço e do tempo, a do nível quântico em que a mesma partícula ocupa dois lugares ao mesmo tempo, os buracos negros, a matéria invisível, a matéria escura, a teoria do big bang…
Tais circunstâncias confirmaram antigas intuições, delírios proféticos conceituais e fantasmagorias teóricas que afirmavam a existência de uma realidade sob a realidade em que vivemos e também de outros mundos que escapariam aos parâmetros da matéria e das energias de que somos feitos e também ao nosso espaço-tempo.
A arte sempre esteve na vanguarda dessas especulações com suas antenas direcionadas para a latitude do impossível e a longitude do improvável. Ao declarar ser a arte uma coisa mental, Leonardo, de quem lembramos os 500 de morte no último maio, atraiu a ciência para a teia imaginativa capaz de transformar tempo e espaço. Não fosse uma projeção mental de Einstein - o postulado da constância da luz - formulada quando ele tinha apenas 16 anos e nós não estaríamos usando o GPS para encontrar a nova tapiocaria. A ciência como coisa mental.
Um craque em universos paralelos foi o poeta Fernando Pessoa. Seus heterônimos resultam de uma poderosa intuição de vivências em realidades alternativas, assim como ocorre no universo criativo diverso do genial Arthur Bispo do Rosário. A arte como coisa mental.
A série “Como seu eu não tivesse ...” especula sobre a teoria da decisão, mexe com o conceito de destino, discute as viagens no tempo, aborda livre arbítrio na perspectiva da ética, dialoga com a psicologia da personalidade, formula uma teoria do amor interdimensional, indaga sobre como trabalhamos o nosso passado e dá uma explicação dos universos paralelos.
O diretor espanhol Joan Noguera (os diálogos são em delicioso catalão, o elenco é ótimo) usa a teoria do buraco de minhoca combinada com a tese da realidade cósmica como tecido dobrado em espiral, camadas superpostas através das quais se poderia construir passagens. Provocativa e atualíssima, a série nos estimula a ter fé na ciência. Um show de imaginação.
julho 01, 2019
junho 30, 2019
(Ângela Bezerra de Castro) O romance Suíte de Silêncios, de Marília Arnaud, é um texto para ser lido como um poema, tal o nível de elaboraçã...

(Ângela Bezerra de Castro)
O romance Suíte de Silêncios, de Marília Arnaud, é um texto para ser lido como um poema, tal o nível de elaboração e densidade da linguagem, no desenvolvimento do tema do amor habilmente reinventado pelo enfoque original. Amor que não conheceu “momentos pequenos, nem gestos de fastio ou indiferença, tampouco palavras banais ou mesquinhas”.
Duína é a protagonista-narradora que, vivendo uma situação extrema, escreve para João Antonio espécie de carta-testamento, onde reconstitui a intensidade da história de amor compartilhada pelos dois e o seu desnorteamento ante o desfecho cruel que o amado anunciou, optando pelo “pacto tácito de conforto e comodidade”.
Enquanto escreve, a personagem recupera lembranças marcantes e decisivas de sua existência que evoluem em contraponto com o conflito central do romance: o desamparo e a vergonha pelo abandono da mãe; a difícil interação com o pai, sempre amargurado; a convivência salvadora da avó paterna com a ternura de seus sábios conselhos; o bloqueio que a isolava das brincadeiras com outras crianças; o abuso sexual a que foi conduzida pelo velho professor de violino; a repulsa do primeiro namorado, ante a revelação de seu traumático segredo; a morte da avó; a impossibilidade de ser compreendida pelo irmão e pela amiga, em seu dilaceramento de amar o perdido, o “existido que continua a doer eternamente”.
A ligação da protagonista com a música, por admiração ao pai, um devotado maestro, se reflete na semântica do romance, desde o título que associa a construção da narrativa à composição musical caracterizada por reunir diversos movimentos inteiramente livres quanto ao número e ao caráter melódico. Assim se alternam os movimentos ou conflitos do romance, sem subordinação à sequência temporal, cada um em seu andamento melódico lancinante, agônico e enternecedor.
Duína resiste à “insuficiência da vida” e desvela para o grande amor, “erguido no mistério urgente da carne e nutrido na grandeza do imaginário”, “os jardins secretos do próprio ser”, sem reservas, sem limites, como a última, completa e definitiva entrega. Agora mais que “a integridade do seu corpo-alma” a “melodia-existência, labiríntica como o espírito”.
Despertando silêncios abismais com a música das palavras, a romancista recupera para o grande amor sua verdade essencial, que transcende as convenções e aparências para encontrar, na inteireza e densidade de ser, a sua eternidade. Um romance ousado e verdadeiro, que veio para ficar na história.
junho 30, 2019
junho 29, 2019
Ela jazia abandonada por sobre a calçada. Um e outro pedestre lhe roçaram as pétalas com solas rápidas. Alguém quase a chutara. Pisaram-lh...

Ela jazia abandonada por sobre a calçada. Um e outro pedestre lhe roçaram as pétalas com solas rápidas. Alguém quase a chutara. Pisaram-lhe o caule e ela girou sobre si.
Tais suplícios não lhe roubaram, contudo, o frescor e a beleza. À luz escaldante do meio-dia, sua cor amarela vibrava num incandescente intercambio de energia com o sol.
E os pesados pés em passos apressados passavam perto, alheios à sua presença. Afinal, eram simples mortais mortos de fome, caçando o almoço de cada dia. Correndo e se entrecruzando por caminhos permutados, opostos.
Cada um por si.
Caoticamente.
Queria o destino que simples mortais não a notassem. Era preciso mais.
Era preciso alguém com fome de devaneio...
Quando se dirigia ao edifício de apartamentos onde residia, o escritor sentiu que pisara em algo que era mais perfume que matéria. Quis saber o quê.
Consciente da dificuldade física decorrente da idade avançada, o senhor agarrou-se fortemente à bengala. Abaixou-se com suma cautela, para não se desequilibrar e nem deixar caírem os óculos, sem os quais não enxergava bem.
Cuidadosamente, mansamente, num ademã sonhador, levantou a rosa amarela, deixando estendidas no calçamento três pétalas que dela se haviam desgarrado. Uma aragem litorânea quase descolou as outras pétalas, que se agitaram em ondas como as das águas do Cabo Branco.
O pequeno senhor de parcos cabelos brancos quebrou-se assim, por infinitos segundos – uma mão apoiada na bengala, a outra segurando o recém-encontrado tesouro. Por que seria tão amarela aquela rosa? Por que amarela? Qual o significado escondido por detrás de cada pétala de sol?
Ajustando os óculos de vidros grossos e circulares, tentou decifrar a plurissignificância inerente àquele misto de suavidade e agressividade: A suavidade emprestada pelo aroma, textura e forma. A agressividade da cor.
Sentiu sua vista morrer um pouco. Fechou, por um segundo, as pálpebras. Cambaleou. Teria sido pelos excessos de tão iluminado amarelo?
Ante a vertigem, o senhor se firmou na bengala com ambas as mãos, deixando escapar a rosa. Viu-se a, então, cair molemente ao chão, salpicando pétalas que revoluteavam qual borboletas ao sabor do vento.
Entregue àquele instante de magia, o escritor rendia-se ao palpitar intenso de seu coração. Embaçavam-se-lhe as lentes. Com uma mão, tateou o bolso do paletó.
Encontrou o lenço. Introduziu uma pontinha sob os óculos, bem a tempo de interceptar uma lágrima...
Sentiu-se só! Confinado. Único. Prisioneiro de uma solitude atroz. Solidão só sua. Inacessível. Invisível aos indiferentes transeuntes passageiros de outros destinos.
Mas sentiu, também, toda a energia que cabia nessa sua solidão. Pensou no negativo fotográfico, que a um tempo contrapõe e preentifica uma imagem. Estranhamente, havia uma completude invadindo os vazios de sua alma, fazendo-o perder a noção da gravidade. A bengala já não era seu eixo de equilíbrio. Oscilava, com todo o seu ser.
Vieram-lhe ânsias. Ia vomitar tudo aquilo. Esvaziar-se. Esvair-se. Evadir-se numa última viagem.
Uma brisa mais forte o susteve. Refrescou-lhe o corpo e o espírito. Era o Aracati que compunha um redemoinho de partículas amarelas. De repente, o escritor viu-se no centro da ciranda doirada de pétalas dançantes.
E então se sentiu um agraciado dos deuses.
Sorriu. Ensaiou uma prece sem destinatário definido. Uma prece ao sol, talvez... ou a uma rosa amarela...
junho 29, 2019
junho 26, 2019
Cronista de variados matizes, arraigado naturalmente ao literário, Gonzaga Rodrigues tem olhos que descortinam realidades. De sua pena e d...

Cronista de variados matizes, arraigado naturalmente ao literário, Gonzaga Rodrigues tem olhos que descortinam realidades. De sua pena e de sua visão privilegiada criam-se cenas irretocáveis, quando fixadas na crônica do jornal. Capaz de transformar, como ato de criar, um olhar sobre a cidade, um comentário que parece en passant sobre um amigo vivo ou morto, uma crítica sobre política ou o que seria um mero documento sobre um fato ou lugar, na perenidade incontornável do poético.
Homem do povo, ser da cidade, trazendo no sangue a terra grávida do Brejo paraibano e na alma o senso de justiça em prol dos desvalidos, Gonzaga é o manso enérgico. Manso quando se propõe a ouvir quem fala, sendo sempre bom ouvinte; enérgico, quando defende suas causas, sem nunca ser o chato doutrinador. Quando se põe a contar “causos”, é um narrador impagável, pois guarda como um dos segredos de sua longevidade o bom humor.
A cabeleira farta, a tez acobreada, boa altura, ombros largos e o perfil característico do indígena, Gonzaga é para mim o Gregory Peck de Alagoa Nova. Não foi fazer sucesso no cinema, mas na imprensa paraibana, que reinventou; sucesso que guarda humildemente para si, mas que é do conhecimento de todos. Doutor honoris causa, diz-se um mero leitor a quem, machadianamente, tudo falta. Sua escrita, no entanto, mostra que o cronista é pleno e as lacunas, na realidade, estão nós.
Mesmo tendo passado dos 80, Gonzaga jamais será multado. Como multar uma amizade que conquistei na maturidade. Não é, Mago?
junho 26, 2019
junho 24, 2019
(Sérgio de Castro Pinto) A coruja São todo ouvidos Os teus olhos de vigília. Olhos acesos, Luzeiros De sabedoria. Olhos atentos À geografia ...

(Sérgio de Castro Pinto)
A coruja
São todo ouvidos
Os teus olhos
de vigília.
Olhos acesos,
Luzeiros
De sabedoria.
Olhos atentos
À geografia
do dentro,
és uma concha.
Um encorujado
Caramujo
Monja em voto de silêncio.
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Do leão, a juba
Sol de Pêlos
ao redor
da cabeça
a fulva juba flameja:
estrela
de primeiríssima
grandeza!
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Poeta X poema
Nem sempre o poeta
Ronda o poema
Como uma fera à presa
às vezes, fera presa e acuada
entre as grades do poema-jaula
doma-o o chicote das palavras
junho 24, 2019
junho 20, 2019
Dize-me como tratas os animais que te direi quem és. Eis uma pista muito eficaz para definir o espírito e o caráter de um ser humano....
Dize-me como tratas os animais que te direi quem és. Eis uma pista muito eficaz para definir o espírito e o caráter de um ser humano. Aliás, entre as atitudes que delineiam com indubitável nitidez a índole e o nível de evolução de uma pessoa, está o tipo de tratamento que dispensa aos subordinados, aos humildes, assim como aos irmãos que nada têm de irracionais.
junho 20, 2019