Sou um cronista do cotidiano. Nos textos que dou publicidade procuro refletir sobre os mais diversos aspectos do comportamento humano, na t...
A política não pode estragar amizades
Sou um cronista do cotidiano. Nos textos que dou publicidade procuro refletir sobre os mais diversos aspectos do comportamento humano, na tentativa de encontrar a compreensão para atitudes, sentimentos e emoções, que dominam nossa vivência. Sem a pretensão de me colocar como um filósofo, vagueio pela capacidade de pensar, formulando conceitos, dialogando comigo mesmo e construindo opiniões e definindo convicções sobre a vida.
Não conheço o Lobo-Guará, que está a enfeitar a nova cédula em circulação no Brasil. Ele, no entanto, a julgar pelas fotos que circulam por...
O Guará e outros lobos
Não conheço o Lobo-Guará, que está a enfeitar a nova cédula em circulação no Brasil. Ele, no entanto, a julgar pelas fotos que circulam por aí, me parece desmilinguido.
O personagem François Mouret, de La conquête de Plassans (Émile Zola, A conquista de Plassans, 1874) diz: “moi, je m’en lave les mains mai...
E Pilatos lavou as mãos...
O personagem François Mouret, de La conquête de Plassans (Émile Zola, A conquista de Plassans, 1874) diz: “moi, je m’en lave les mains maintenant” (“eu, eu lavo minhas mãos a esse respeito, agora”, Capítulo III), fingindo um desinteresse sobre o que faz o abade Faujas, seu inquilino, embora esteja ardendo de vontade de espionar a sua vida. Desinteresse ou fingido desinteresse. Esse é um dos significados que a expressão “eu lavo minhas mãos” tomou, ao longo do tempo.
As duas linhas de ferro paralelas serpenteiam os mais diversos cenários. Máquinas pesadas na construção e leves na poesia seguem equilibrad...
De trens, linhas e trilhos
As duas linhas de ferro paralelas serpenteiam os mais diversos cenários. Máquinas pesadas na construção e leves na poesia seguem equilibradas na estrada férrea que parece se estender indefinidamente. Os monstros de pés de aço cavalgam pelo real e imaginário, expelem fumaça pela cabeça, feito bule com o café quentinho.
Estavam bem velhinhos, ela já doente, ele lhe fazendo companhia. Tudo que tinham eram as lembranças dos velhos tempos, que pareciam cada ve...
A volta
Estavam bem velhinhos, ela já doente, ele lhe fazendo companhia. Tudo que tinham eram as lembranças dos velhos tempos, que pareciam cada vez mais indistintas. Como não tinham tido filhos, encheram a vida com passeios, viagens e uma rotina silenciosa. Pareciam se entender sobre quase tudo e sentiam pouca necessidade de falar um com o outro.
Fé na vida, fé no homem, fé no que virá. Esse recorde da bela canção do compositor Gonzaguinha, Sementes do Amanhã, remete-nos ao cultivo ...
Fé na vida
Fé na vida, fé no homem, fé no que virá. Esse recorde da bela canção do compositor Gonzaguinha, Sementes do Amanhã, remete-nos ao cultivo da fé na vida, fé no ser humano e no porvir. Mas, o que significa ter Fé? A Palavra Fé no original hebraico, Emunah é um termo usado no cotidiano do povo Yehudi (judeu), para designar fidelidade, confiança, honestidade, constância, firmeza, dentre outros.
Ao chamar uma sinfonia inteira de "Poema Divino" o autor demonstra a que veio. E, logo no início, os graves metais já lançam a id...
'Confie em mim!'
Ao chamar uma sinfonia inteira de "Poema Divino" o autor demonstra a que veio. E, logo no início, os graves metais já lançam a ideia de Divindade que o formidável moscovita desenhou em toda a sua obra, numa encarnação de apenas 43 anos. Assim, Alexander Scriabin classificou a 3ª de suas 5 sinfonias. À quarta e à quinta também deu títulos de poemas sinfônicos. “O Poema do Êxtase” e “Prometheu: O Poema do Fogo”.
Imprimir a ideia poética em obras sinfônicas foi comum a outros compositores clássicos. Em Scriabin, porém, é notória a influência do lado místico, aprofundado por seus conhecimentos teosóficos.
Na 3ª sinfonia, há uma peculiar “Introdução” que dura apenas um minuto. O bastante para expor a célula mater que expressará a “voz de Deus”, presente em todo o Poema. A seguir, o 1º movimento se inicia com brincadeira alegre e dançante rodopiando pelas cordas, contrapondo-se ao tom solene da abertura.
O caráter jocoso se desenrola até aparecerem os primeiros sinais de romantismo, esboçado em clamores insinuantes das cordas, na intenção de acolher a paixão como sentimento igualmente divino. Em seguida, o som dos metais volta a imprimir seriedade ao assunto, logo amaciado pelo novo tema que surge ritmado, concluindo o andamento com lirismo comovente.

De súbito, o desabrochar de flores, borboletas e outras miudezas bucólicas da manhã surgem delicadamente em estrofes que voltam a revelar a personalidade divina, intensa, sob a qual se estabelece o significado do Poema. Entremeado das nuances já descritas, o movimento se desenvolve, fazendo-as desfilar em vários planos e registros permitindo as ideias se abraçarem amigavelmente com notável unidade harmônica. Alternando ritmos em períodos curtos e mais extensos, vem nova alusão ao “baile” já citado.
Assim consolida-se a bem lapidada diversidade de frases que adornam a ideia do Divino, entre aparições da Voz anunciada pelos metais no tema da introdução. Estas citações se reelaboram num colorido encantador, trocando de roupagem sonora em trechos que se dão as mãos como na “dança” de Matisse.
E o fim do primeiro movimento já se anuncia em clima crepuscular, mesclado às sensações iniciais, renovando-se com a delicadeza das flautas e flautins que assobiam como passarinhos voejando por copas verdejantes. O epílogo deste movimento é muito bem marcado por ritmo galopante de fragmentos temáticos com toda a orquestra, concluídos com a mesma Voz solene dos trompetes que abrem a peça, que logo se evapora aveludada pelas harpas a concluir a parte que Scriabin intitulou como “Lutas trágicas e misteriosas”.
No segundo movimento, uma verdadeira prece é declamada. Confissões, introspecções, reflexões, íntimas e externas, emolduradas pela ternura do instante, são debulhadas até o êxtase central em que a angústia existencial das dúvidas, incertezas e sortilégios deblateram em crescente explosão preparada pelas harpas. O conjunto vai se fundindo aos arpejos que soam como filetes luminosos de conexão com os anjos. Há, porém, lampejos de resignação perante o destino, com olhar para as branduras da Fé. E a alma volta ao corpo confiante dos benefícios auferidos, fortalecida pela consolidação temática que se ampara em novas aparições da Voz.

A concepção desta parte final é burilada nos mesmos moldes de toda sinfonia. Riqueza de cores, timbres, ritmos, cavalgadas, bailes, gorjeios primaveris, tudo recitado em temas e subtemas que, embora diversificados, se estruturam em uma admirável atmosfera poética, única e coesa na firme intenção: retratar a sublimidade do Divino.
Nos três últimos minutos, a extraordinária composição assume grandiosidade espetacular. Concentra maciçamente a essência da linguagem pretendida ao juntar todas as forças da expressão musical na triunfal e extasiante exposição do tema conclusivo.
Unindo-se à introdução, a Voz clama, antes do último acorde, e se eterniza divinamente: “Confie em mim!”
O oitão da casa no sítio Tambor está preparado. A poeira assentada. A gambiarra de luzes amarelas dá as cores à noite. A Charanga dos Batis...
Reencontros na despedida
O oitão da casa no sítio Tambor está preparado. A poeira assentada. A gambiarra de luzes amarelas dá as cores à noite. A Charanga dos Batistas dá os toques. Tudo está nos conformes. Aqueles homens vestidos com camisa xadrez do mesmo tecido e chapéu, acompanhados de mulheres da família com vestidos em igual cor. O ritmo é o coco! Lá dentro, já tem galinha cheirando. O fogão de lenha de Tia Judite estala forte a lenha seca. Uma panela de barro com um porco bem gordo não poderia faltar, já que Judite, a anfitriã da festa, adora.
Leonardo da Vinci iniciou sua vida como pintor em Veneza tornando-se aprendiz no ateliê de Verrocchio o ajudando a concluir “ O Batismo de...
Veneza e Leonardo
Leonardo da Vinci iniciou sua vida como pintor em Veneza tornando-se aprendiz no ateliê de Verrocchio o ajudando a concluir “ O Batismo de Cristo”, recebendo posteriormente a encomenda de “A Adoração dos Magos”, tornando-se um pintor de moderado sucesso. Mudou-se para Milão aos 30 anos, devido à dificuldade de vender seus quadros.

Passou os últimos dois anos de sua vida em Amboise, na França, a convite do rei Francisco I, que era muito culto e considerava Leonardo pelos seus inúmeros dons, além de admirá-lo pelas suas imensas qualidades, sendo uma delas a de filósofo. Por isso o convidou para transferir-se para a França doando-lhe uma renda confortável para que não dependesse de suas pinturas. Concedeu também a seu uso um solar de tijolos vermelhos, ornamentado com arenito e curiosas torres pontiagudas que ficava ao lado do castelo do rei, no vilarejo de Amboise, localizado no vale do Loire. Levou consigo para sua nova casa seus móveis, baús cheios de roupas, manuscritos, além de pelo menos três pinturas que obsessivamente as aperfeiçoava: A Virgem e o Menino com Santa Ana, São João Batista e a Mona Lisa.
A casa de Leonardo era conhecida originalmente como Château de Cloux, hoje chamado de Clos Lucé, construída em um terreno de cerca de 1,5 hectare de jardins e vinhedos, ligado por um túnel subterrâneo ao Château d’Amboise, o palácio real, distando apenas 450 metros desse castelo. Essa sua última residência em Amboise, foi transformada no museu Leonardo da Vinci e faz parte do roteiro turístico no Vale do Loire onde estão localizados os mais belos castelos da França. Vale a pena visitá-lo.
O problema de enchentes provocadas pelos três rios que desembocam na Lagoa de Veneza pensava-se havia sido resolvido há mais de 300 anos.
Grandes obras desviaram e aprofundaram os leitos dos rios movimentando um volume de terra equivalente ao das escavações que abriram o Canal do Panamá, embora a força do mar continue ainda indomada, fazendo estragos. Há muitos anos a cidade de Veneza está cada vez mais sendo alagada pelas forças dessas águas que continua a ser ainda o maior desafio para barrar os alagamentos das suas ruas.

A maré mais alta já registrada na cidade de Veneza foi de 1,94 metro, em 1996. Em novembro de 2019, o centro histórico registrou quatro marés superiores a 1,4 metro, acontecimento inédito em toda história da cidade. A maior delas, durante a lua cheia do dia 12 de novembro desse mesmo ano, atingiu a altura de 1,87 metro. Foi a segunda maior enchente da história. Alguém, de estatura mediana, que caminhasse pela belíssima Praça San Marco enfrentaria água acima de sua cabeça.
O ciclo lunar exerce forte influência nas marés do Mar Adriático além dos eventos meteorológicos, destacando-se tempestade e ventos, principalmente o vento de siroco. Esse vento é uma corrente de ar quente proveniente do deserto de Saara que cruza o Mediterrâneo atingindo com violência o sul da Itália e, em certas ocasiões, chega até à Costa Azul e à Riviera Francesa. Em 1951, um filme estrelado por Humphrey Bogart e Lee J. Cobb recebeu o nome de Sirocco, em português legendado como Vento do Deserto.

Somente a partir de 1973 foi aprovada uma lei especial transferindo para o governo italiano a responsabilidade da solução do problema de Veneza. Depois de uma concorrência internacional sem vencedores, somente em 1980 foi nomeada uma comissão para definir um projeto, aprovado dois anos depois. Originou-se então o projeto MOSE (Modulo Sperimentale Elettromeccanico), evocando Moisés que controlou as águas do Mar Vermelho, segundo a Bíblia. É um sistema de barragens móveis, com 79 módulos de aço, presos no fundo do mar. Quando submersos, serão levantados com marés acima de 1,1 metro. Seria a maior obra pública já realizada na Itália e esperava-se que ficasse pronta em 1995.
A obra destinada a proteger o centro histórico da cidade de Veneza contra inundações foi iniciada em 2003 depois de 30 anos de estudos, com previsão de custo correspondente a 6,5 bilhões de euros. As comportas estão localizadas nos três acessos da Lagoa ao Adriático e poderão resistir a inundações com marés de até três metros de altura. Em 2019, as comportas da Bocca de Malamocco, o principal dos três acessos, já haviam sido testadas com sucesso. A ideia é que o MOSE entre em funcionamento em caráter experimental em dezembro de 2021, mas apenas em situações de emergência.
Se Leonardo da Vinci, um dos maiores gênios da humanidade, vivesse nos dias atuais, quem sabe, esse problema já haveria sido resolvido há muito tempo.
Tangeu os bois da pastagem e o leite virou água nas torneiras Rio de sua Casa Comercial. O outro rio da Fazenda seguiu cortando camin...
Bois sem pasto



e o leite virou água
nas torneiras Rio
de sua Casa Comercial.
O outro rio da Fazenda
seguiu cortando caminhos
com Fama
Tramontina Pial
marcas sem céu.
Nunca pensei muito nele. Muito menos em fazer planos a distância. O tempo sempre me pareceu tão longe, mas tão longe, que minha imaginação ...
O futuro
Nunca pensei muito nele. Muito menos em fazer planos a distância. O tempo sempre me pareceu tão longe, mas tão longe, que minha imaginação não alcançava. Vivi sempre o dia a dia. No máximo enxergando o fim de semana próximo, o Natal próximo, meu próximo aniversário.
Com atraso involuntário de alguns anos, eu alço voo na releitura de “Cesário Alvim 27”, livro de reminiscências de Abelardo Jurema Filho. ...
O menino de Abelardo
Com atraso involuntário de alguns anos, eu alço voo na releitura de “Cesário Alvim 27”, livro de reminiscências de Abelardo Jurema Filho.
Mantenho esse livro guardado em espaço de minha biblioteca, reservado aos autores paraibanos, dele me apropriando quando preciso de uma referência sincera sobre a ditadura militar de quem viveu as amarguras de uma época, que desejamos nunca mais reviver.
Viveu cabalísticos sessenta e dois anos: francês que chacoalhou a vida musical de seu país, Hector Berlioz nasceu no início do século XIX....
Fantástico Troiano
Viveu cabalísticos sessenta e dois anos: francês que chacoalhou a vida musical de seu país, Hector Berlioz nasceu no início do século XIX. Lembrando-me aqui de meu admirado professor Didier Jean Georges Guigue que, durante a graduação, apresentou-me seu conterrâneo de forma mais íntima e esmiuçada do que dele já conhecera até então. Um pesquisador do timbre, das instrumentações, seu livro sobre orquestração – tempos depois, revisado e ampliado por Richard Strauss, que com sua obra, muito aprendeu – é marco original até hoje.
Corria o ano de 509 a. C., Roma tinha em seu comando o rei Tarquínio , o Soberbo, que se apoderou à força do poder e instaurou a primeira m...
Você botaria a mão no fogo?
Corria o ano de 509 a. C., Roma tinha em seu comando o rei Tarquínio, o Soberbo, que se apoderou à força do poder e instaurou a primeira monarquia hereditária da cidade. Seu filho, Sexto Tarquínio, queimando de desejos, estupra Lucrécia, mulher de seu primo Lúcio Tarquínio Colatino, dentro do recinto sagrado do altar doméstico da jovem. Sentindo-se desonrada e maculada, Lucrécia confessa ao pai e ao marido o estupro e se suicida. Esse ato ignóbil perpetrado por Sexto leva à expulsão dos Tarquínio de Roma e, com eles, da monarquia.
Foi no século passado. Meu pai se vestindo para sair ao trabalho na loja de tecidos. Naquele tempo, anos cinquenta, os vendedores de balcão...
Susto matinal
Foi no século passado. Meu pai se vestindo para sair ao trabalho na loja de tecidos. Naquele tempo, anos cinquenta, os vendedores de balcão no comércio ainda raso da Rua Beaurepaire Rohan e adjacências se punham em traje formal. Era costume adotado. Demorava-se no quarto, engalanava-se para a freguesia razoável. Os shoppings não existiam e o passeio pela área comercial era preferido por muitos que iam gastar a tarde naquelas ruas pacatas, sem riscos maiores de assaltos, mesmo os de pequena monta.
Nas décadas de 1960 e 1970 a cena se repetiu em auditórios, teatros e até em respeitáveis salas de concerto, em cerca de quarenta países de...
Os índios que tocavam músicas de Chopin
Nas décadas de 1960 e 1970 a cena se repetiu em auditórios, teatros e até em respeitáveis salas de concerto, em cerca de quarenta países de quatro continentes. Na primeira parte do espetáculo, um duo de violões se apresentava em trajes compostos, compatíveis com a música que era tocada: peças de Rimsky-Korsakov, Manuel de Falla, valsas e fantasias de Chopin. Na outra parte do concerto, os mesmos instrumentistas voltavam ao palco vestidos com roupas coloridas, adornados com cocares e penas indígenas.

O exotismo da apresentação causava impacto inesquecível nos espectadores. Mas o duo não impressionava os ouvintes apenas pelo aspecto inusitado e exótico. Em 1970, depois de um recital realizado na Alice Tully Hall, em Nova York, um crítico de música do jornal The New York Times escreveu:
“Their adaption for two guitars of such piano or violin pieces as Chopin’s ‘Tristesse’, ‘Hora Stacatto’ and ‘Liebestraum’ gave these overly familiar pieces new colors that made them seem remarkably fresh”.
“A adaptação feita pelos Índios Tabajaras para dois violões de peças escritas para piano ou violino, como 'Tristesse', de Chopin, 'Hora Stacatto' e 'Liebestraum', deu novas cores a essas famosas canções, que as fizeram parecer incrivelmente atuais”.
Um crítico musical canadense, após assistir uma perfomance dos músicos, elogiou a qualidade das transcrições para dois violões, que foram feitas do "Noturno Op. 9, nº 2" de Chopin e de "La Ronde Des Lutins", composta originalmente para violino pelo italiano Antonio Bazzini.
A dupla de violonistas radicara-se, nos primeiros anos da década de 1960, nos Estados Unidos, onde era admirada por importantes artistas norte-americanos, como Chet Atkins, renomado violonista, e Don Gibson, autor do hit "I Can’t Stop Lovin’You", interpretado por Ray Charles. Os músicos gravaram álbuns com o duo. Na época, os discos dos dois instrumentistas eram muito tocados nas rádios,

"Mas, afinal que dupla de músicos era essa?", perguntaria um impaciente leitor. O duo de violões era formado por dois irmãos brasileiros, nascidos na primeira metade do século passado em uma isolada aldeia de índios da etnia Tabajara, localizada na serra do Ibiapaba, em uma região fronteiriça entre o Ceará e o Piauí. Dessa origem dos componentes vinha o nome com que eles próprios se batizaram: Índios Tabajaras. Dois depoimentos, prestados por um dos componentes da dupla, permitem que se conheça a saga desses índios, que saíram dos grotões do Nordeste brasileiro para se apresentar nos palcos de todo o mundo. Um dos testemunhos foi dado em 1981 ao jornalista Edwin McDowell, do The New York Times. O outro, em 2004, a Luís Nassif, então colunista da Folha de São Paulo.
Na entrevista a Nassif, Natalício Lima, que era o solista da dupla, narra que o seu primeiro contato com o som de um instrumento musical ocorreu quando, acompanhado de dois irmãos, encontrou um violão abandonado embaixo de uma ingazeira, em local próximo à aldeia onde viviam. Relata ele:

Por volta de 1929, uma tropa de militares do exército, chefiada pelo tenente Hidelbrando Moreira Lima, passou pela aldeia que se encontra atualmente localizada em terras do município cearense de Ubajara. Natalício diz que, naquela ocasião, foi a primeira vez que viu homens brancos e negros, acrescentando:

Usando roupas que haviam sido descartadas pelos soldados, pai, mãe e catorze filhos, partiram em viagem. Por cerca de três anos, caminharam pelos sertões, veredas e estradas. Durante o percurso, conforme depõe Natalício, “algumas vezes cantávamos com aquele violão que havíamos encontrado [...] vimos violonista tocar e passávamos o dia inteiro escutando”. Ao chegarem ao Rio de Janeiro, em 1937, foram registrados com o sobrenome Moreira Lima, que era o do militar de quem tinham ficado amigos. Começaram a tocar na rua:

Passaram a tocar em circos, clubes e teatros modestos. Em meados dos anos 1950, começaram a excursionar, fazendo muito sucesso por toda a América Latina. Resolveram ir para o México. Lá, assistindo ao filme "A Song to Remember" (À Noite Sonhamos, uma película biográfica romanceada de Chopin, de 1945) tiveram o primeiro contato com a música erudita:
Contratados pela então poderosa gravadora RCA Victor, foram para os Estados Unidos. Mesclavam o repertório com músicas clássicas e populares. Entre as peças clássicas que gravaram estava a "Valsa em Dó Sustenido Menor", de Chopin. Sobre a música, assim se refere Natalício:
O nível de habilidade que Natalício atingiu como músico permitiu que ele fizesse alterações na própria construção dos instrumentos que tocava. Para possibilitar a execução de transcrições, para um duo de violões, de peças clássicas compostas originalmente para piano ou violino, ele modificou a sexta corda do seu violão e alterou o número de trastes do instrumento, aumentando-o dos convencionais 19 para 26 trastes.
Na segunda semana de novembro de 1963, uma canção executada pelos Índios Tabajaras chegava aos primeiros lugares do ranking das mais tocadas e vendidas, publicado pela revista norteamericana Billboard.
Era a regravação de um antigo sucesso da orquestra de Jimmy Dorsey, o fox mexicano "Maria Elena", que suplantava, na lista da revista, músicas de Elvis Presley, Roy Orbison e até "Be my Baby", o envolvente hit de Phil Spector para o grupo vocal The Ronettes. A regravação de "Maria Elena", feita pelo duo brasileiro, vendeu mais de um milhão e meio de discos somente nos Estados Unidos.
A importância dos Índios Tabajaras como instrumentistas é ressaltada pelo jornalista Luís Nassif, que também é músico:

