Tenho falado de uma visão sistêmica do fato literário, o que, em si, não é nada de novo. É quase impossível falar isoladamente de um texto...
Abra seu horizonte de expectativa!
Você consegue imaginar uma música que, muitas vezes, parece ser guiada pelos silêncios e pausas entre os acordes e notas, e não propriamen...
Debussy e Jobim: uma ponte impressionista
Surge um sinal alvissareiro de abertura ou de meio alívio na recomendação da autoridade americana de se poder baixar a máscara, certamente...
Vacinando, dá
Vacinando, dá.
Ricos, ainda os mais ricos do planeta, à hora em que chegou um governante que considerasse a imunização questão de vida e morte, o resultado veio à tona. Dinheiro não faltou e, bem mais importante, a vontade firme e, com perdão da má palavra, autoritária. Nesses casos tem de ser autoritária, quando a vida humana está em jogo.
Os Estados Unidos, pelas condições imperialistas particulares da ciência e tecnologia que desenvolvem, e, claro, dos meios de acioná-las, nos apavoraram a todos, a povos de todos os níveis, quando se deixaram dominar pelo inimigo invisível, ainda hoje sem origem. Os americanos começaram a desconhecer o seu presidente.
Chegou com 1 quilo e 400 gramas. Mal ficou em pé e já saiu andando desengonçada pelo corredor, cheirou todos os cantos até fazer o primeir...
A chegada de Lola
Pela grade fechada com dois cadeados e correntes vejo duas borboletas fazendo uma ronda no gramado da praça. Parecem voar aleatoriamente...
Borboletas e soldadinhos
Levei muito a sério aquela máxima escrita em alguma página do Livro Sagrado: “Crescei-vos e multiplicai-vos”. Não sei se cresci tanto as...
A raspa do meu tacho
Certa vez percorri o Rio Gramame, a barco, realizando desejo desde quando aqui cheguei, em meados de 1971. Conhecer os arredores des...
Um rio que entrou na minha vida
Conhecer os arredores deste rio, penetrar na profundidade mítica do manguezal, até certo ponto acalentador, era minha vontade. Foi um passeio inesquecível e de recordações porque, conhecendo-o de passagem, agora eram suas águas que me transportavam lentamente, enquanto observava sua paisagem. Um lenitivo para a alma.
Estreando em livro no auge da efervescência das vanguardas, Águia Mendes não fez do concretismo e seus desdobramentos uma espécie de cláus...
Uma obra em progresso
Na turma, todos queriam ser escritores. Rabiscavam contos, poemas ou trechos de romances e mostravam uns aos outros em mesas de bar ou nu...
Alguma coisa
Marcos precisou se mudar para uma cidade maior que a sua. Demorou mais do previsto. Depois de tantas tentativas, finalmente passou no ves...
Nunca é tarde para rever
Conforme seu pai descreveu, quando chegou na pensão Paraíso, encontrou o sábio Sr. Manoel sentado na sua cadeira de balanço, pitando seu cigarro de palha enquanto viajava pelos pensamentos.
“Isto é o caos em vez de música”. Assim intitularam um artigo publicado no Pravda, o jornal oficial do Partido Comunista da União Soviétic...
Quarenta minutos de aplausos
O Pravda se referia à obra de Dmitri Shostakovich, justamente após Stalin ter se retirado da plateia no intervalo da apresentação de uma de suas óperas, "Lady Macbeth", acompanhado dos demais membros da cúpula do Partido. A obra conquistara estrondosa repercussão, encenada 180 vezes em apenas dois anos, e não se sabe exatamente o que intrigou o líder socialista, uma vez que era notória sua admiração pelo compositor russo, tendo comparecido publicamente a outras performances de sua autoria. Assim como não se sabe que conceituação de “caos” o Pravda vinculava ao notável, senão o mais extraordinário pós-romântico soviético. Afinal, não se trata de uma definição exatamente pejorativa considerando-se seus profundos aspectos filosóficos.
A Teoria do Caos é até hoje intrínseca ao espetáculo da existência, celebrada em muitos campos do conhecimento científico. O próprio Universo, microscópico ou macroscópico, seria um fenômeno fundamentado em aparente imprevisibilidade, sujeita a condições não predeterminadas. Assunto que atraiu nomes como Fritjof Capra, Hubert Reeves, André Dreyfus, David Ruelle, Stephen Hawking e o próprio Einstein, entre muitos outros. Para a maioria, nada é presumível e totalmente conhecido no milagre infinito da vida. Pelo contrário, mistérios e buracos negros continuam assombrando, diante dos quais advertiu Hawking, à luz de Dante, na porta do inferno: "Deixai toda esperança, ó vós que entrais".
Parafraseando Alighieri, diríamos “enchei-vos de esperança, ó vós que ouvis a música de Shostakovich” na qual o imprevisível é a beleza. Não há obviedades formais, tonais, objetividade alguma, e sim uma infinda liberdade de expressão. Tal como inconstante é o fluir de tudo o que existe, a exemplo dos processos estocásticos em que o aleatório se contrapõe tão indeterminado quanto perfeito, é a sua música que evolui em direções imponderáveis.
Experimentalismo, narrativa épica, heróica, características próprias, peculiarmente distintas, e ao mesmo tempo irmanadas ao tradicional romantismo ocidental, tudo encanta no universo artístico criado por Shostakovich. Da mais delicada e poética melodia ao mais estrondoso e arrebatador turbilhão sinfônico.
Quiçá tenha sido o poder de criar com tamanha vastidão o que cativou e espantou Stalin, ao ponto de fazê-lo temer a contaminação emocional do povo que mantinha sob jugo político-ideológico. Ressalte-se que a música de Dmitri já havia rompido todos os limites nacionais e contagiado a Europa Ocidental de maneira surpreendente. Principalmente, quando ele foi repudiado a partir de Lady Macbeth e da crítica do Pravda, por não se adequar às normas do “realismo socialista” impostas pelos stalinistas e que todos os artistas e criadores deveriam adotar em sua linha de produção.
Apesar de ser tachado como “inimigo do povo”, Shostakovich continuou conseguindo apoio do governo porque Stalin apreciava notoriamente suas composições, com ênfase às mais de vinte peças dedicadas ao cinema, considerando-o um artista capaz de atingir as grandes massas.
Ao viger das restritivas recomendações oficiais, o compositor estava escrevendo sua quarta sinfonia, mas resolve suspender e dar início à quinta, tentando se moldar aos preceitos políticos recomendados pelo Partido Comunista, e estreou-a com a Orquestra Filarmônica de Leningrado, em novembro de 1937.
Maravilhosamente “caótica”, ainda que sob criatividade supostamente restrita, a Quinta Sinfonia em Ré Menor, Opus 47, foi um imenso sucesso. Com impressionante riqueza temática que se insere em variada gama de possibilidades sonoras inimagináveis, a obra está muito longe de ser bem comportada, estética e formalmente. A diversidade de atmosferas, estilos, abordagens, combinações, timbres, melodias, surpresas que se interpõem tecidas com espantoso senso de unidade traduzem exatamente a certeza de que, em Shostakovich, o caos é tremendamente belo. O Pravda tinha razão, mas não tinha ciência de que aludia a uma obra “fractal”, de geometria não clássica, com partes independentes construindo tessitura com magnífica “anastomose”, em uno e verso, tal como na autossimilaridade caótica.
Em estudos científicos sobre códigos que transcendem a previsibilidade, a arte, a música e a poética se afinam à luz da matemática superior como complexas estruturas geométricas, por vezes associadas a organismos psicodélicos, caóticos e “enlouquecedores”, a exemplo dos fractais que cativam pela hipnotizante beleza.
Assim é a música de Shostakovich. Ramifica-se aleatória e imprevisivelmente como os caminhos de seu balé — “O Córrego límpido” (Op. 64) — pelo leito terreno e pelos raios que se estampam na cúpula celestial tempestuosa.
Apesar de ter sido escrita após a ordem para que os artistas guardassem “fidelidade” ao regime soviético e às “regras” estéticas impostas pelo governo stalinista, Shostakovich venceu todos os limites da liberdade de expressão em sua Quinta Sinfonia. Aliás, alguns críticos referem-se como superiores as obras concebidas durante o período intenso e doloroso de sua história — a Segunda Grande Guerra e o regime stalinista — quando, para poder se ajustar às exigências políticas, exerceu a inspiração de forma inteligente e subliminar, inclusive conseguindo criticá-las sutilmente sem que Stalin e a maioria do público percebessem.
Não havia precedente de tamanho êxito em estreias de outras peças de Dmitri Shostakovich até então. O entusiasmo do maestro Yevgeny Mravinsky, conterrâneo de São Petersburgo, o levou a erguer a partitura da Quinta acima da cabeça para o público que gritava vociferante em delirantes aplausos. Segundo registraram os jornais da época, a ovação durou cerca de 40 minutos e a satisfação da cúpula socialista foi oficializada por uma crítica favorável escrita pelo acadêmico e consagrado escritor russo, Aleksei Tosltói, aliado ao poder. Em outro artigo, o escritor, compositor e musicólogo, Boris Asafyev, definiu a sinfonia como “instável, sensível e evocativa de um conflito gigantesco que surge como relato dos problemas enfrentados pelo homem moderno”, o que corrobora a liberdade formal alcançada em sua música.
Estruturada classicamente em 4 movimentos, a quinta é mesclada com impressionante diversidade na fruição musical inovadora. Não fosse infinita a fertilidade da divina arte, poder-se-ia dizer que ela contém tudo o que a música ousaria exprimir.
Já no movimento inicial (Moderato), o universo é amplamente difuso. Na fatídica introdução, eis o Shostakovich apresentado com a pompa de sua índole sinfônica . O primeiro tema circunscreve-se sob a peculiar seriedade, repetido delicadamente em timbres que se contrapõem variados, ora soando inteiro, ora fragmentado, para concluir a primeira exposição.
O segundo tema começa com reflexões poeticamente ritmadas , solfejado em cordas agudas, depois em sopros, que após uma segunda apresentação, converge em direção à primeira surpresa: o súbito aparecimento de um piano a dialogar solenemente com os metais! . Tudo muda, como sugere o “acaso”, sucedendo-se a rica e agitada profusão que ruma acelerando-se voluptuosamente para mais uma inesperada situação: a celebração marcial militarmente percutida com tímpanos caixas, tambores e, por fim, nos xilofones. que culmina com um “fugato” de angustiados fragmentos do primeiro tema .
Esta parte é finalmente coroada com a aparição do terceiro tema, uma demonstração inequívoca de que um fraseado melódico é capaz de seguir inimagináveis caminhos, fortuitos como o traçado de riachos e auroras boreais, sem se afastar da coerência contextual de sua natureza criativa .
Seguindo-se à apologética conclusão, abruptamente despontam raios de ternura na insólita atmosfera que casualmente se instala na dulcíssima melodia conduzida pela flauta transversal que dialoga com o lamento das trompas. O clarinete entra, seguido de fagote, oboé, e, por fim, cellos e metais se fundem aos mistérios da etérea e crepuscular despedida, salpicada pelo brilho do flautim, das harpas e de uma doce celesta .
Eis que se instaura o jocoso segundo movimento, deliciosamente dançante e musicalmente debochado . O bucolismo campestre saltita valsando por sopros e madeiras como a parodiar o “efeito borboleta” da Teoria do Caos nos volteios de borboletas em um jardim florido.
Um tema sincopado extremamente gracioso e dançante marca este andamento com personalidade inesquecível . É o Shostakovich folclórico, circense, das valsas, da arte russa, do balé, sentido em cada nota, cada arpejo, cada frase do mundo colorido deste provocante Allegretto, intensificado por amoráveis pizzicatos e staccatos. O clima burlesco prossegue, canta as síncopes mais uma vez e subitamente se encerra .
Notícias da época enfatizaram a grande emoção que o Largo (3º movimento) causou na plateia. Lágrimas foram vistas descendo dos olhos ao peito enternecido, com a alma nitidamente circunspecta. Neste andamento, o autor convoca o ouvinte a uma pausa para um encontro com questionamentos íntimos que só a consciência desnuda penetra. Lá se encontram dúvidas e reflexões existenciais que se lançam sobre vivências e experiências de todos os contornos do eu. Há no que é revelado pela música certo espanto perante a grandeza da criação: um convite à introspecção resignada que emerge da sabedoria de uma compreensão maior. É ternura o que soa, é poesia o que deflui da cativante sonoridade.
Ao longe, agudos violinos se juntam à latente nostalgia e conversam com os cellos para introdução da magia, no encanto das harpas que elevam o canto da flauta às alturas da sublimidade . Uma imensa paz toma conta do ser, que entra em transe com a mensagem acalentadora.
Mas a evolução insiste em provocar as angústias do imprevisível e cresce com a orquestra (1637) à culminância evocativa da inexorabilidade que clama no existir, aquietando-se em seguida no acolhedor aconchego dos violoncelos . Um novo instante de reencontro com a paz intercede-se pelo oboé clamando o olhar às belezas da natureza que se ergue como bênção ao planeta, como raios de luz a se infiltrar pelos bosques, no amanhecer silencioso e orvalhado. Sopros diáfanos se juntam à cena que enleva o espírito a um delicado estado de contemplação e serenidade.
Mas em Shostakovich nada é estanque, tudo surpreende e o Largo prossegue com efusiva declamação orquestral, trêmula e trágica, martelada pelo xilofone, elevando o contexto ao ápice como se desejasse exorcizar toda a instabilidade provocada no íntimo do espectador . E a conclusão, outra vez inusitada, devolve o encantamento que cintila oniricamente no cosmo, com as harpas dando suporte ao canto agudo de flautas e violinos, magistralmente arrematado com a delicadeza da celesta .
Finalmente esbraveja o velho Dmitri, bem ao seu entusiasmado estilo, anunciando o último movimento. Um verdadeiro desafio aos músicos diante da complexidade de execução com grandiosidade frenética a se infiltrar em todos os timbres, entrosados em perfeição logo coroada com o triunfante tema que remonta às suas composições cinematográficas composições cinematográficas .
A riqueza cromática em que se desenvolve o “Allegro non troppo”, último movimento, parece ter sido criada para enfeixar todas as intenções de Shostakovich para concluir a tão emblemática peça. Afinal ele precisava responder às fronteiras impostas pelo regime à sua criatividade em um nível de interpretação capaz de se impor com toda a personalidade a si consagrada pela inconteste admiração do povo russo. E conseguiu! Até hoje, a quinta sinfonia se inclui entre as obras mais tocadas no mundo erudito, havendo quem a considere como, sem dúvida, uma obra-prima.
Isto fica claramente enfatizado em vários momentos da sinfonia, mas com ênfase fortemente exacerbada no Allegro, em trechos que expõem o tema, sobretudo no glorioso e espetacular final . Quando se esclarecem as razões que abalaram o público presente à decantada “première”, aplaudindo por mais de meia hora um dos eméritos símbolos da música clássica soviética. Era a consagração de toda a maravilha que o caos inteligente pode produzir.
Há lições nesta pandemia de Covid-19. E histórias estão sendo escritas neste exato instante: a nossa história pessoal e a coletiva. Est...
Lições da pandemia
Estamos há mais de um ano em uma guerra que nos exige coragem, é óbvio, mas também sabedoria, sacrifícios e o exercício da serenidade. Esta é decisiva para tomar sábias decisões, a fim de sobreviver. Até hoje ninguém provou que o desespero e o ódio sejam bons conselheiros quando se exige de nós fazer escolhas sensatas. Muito ao contrário.
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A terceira margem do rio
Não se usam mais pés parados. E o traço desfeito, o arrebol da estrada, o sentido de um bilhete ao vento, são insultos, farsas. (A poesia rege as cordas despercebidas do Mundo; é a brisa incógnita sobre o Leviatã.) Cobramos por tudo, inclusive pelo silêncio dos mortos.
Pouco depois do atentado de 11 de Setembro, eis que aparecem sobre os telhados de Paris as figuras de Monsieur Chat, um gato amarelo sorri...
Elegância, ironia e crítica do cinema francês
Esta é a sinopse do filme Gatos Empoleirados (Chris Marker, 2004) que traduz a fina ironia gaulesa e inquietação (até aqui) discreta no desconcerto global do novo milênio.
Uma mirada sobre o cinema francês — colocando em perspectiva o debate acerca do Poder e da Comunicação — se mostra importante por vários motivos:
Primeiramente, porque a França possui uma modalidade de produção cultural historicamente crítica, cujos atores, cineastas, estetas, jornalistas e apreciadores da sétima arte têm se caracterizado pelo engajamento em termos estéticos e ideológicos, formais e plásticos, em luta pela liberdade, autonomia e emancipação.
Depois, aponta uma alternativa para o circuito cinematográfico que concorre com a indústria de Hollywood, na medida em que define os termos de uma identidade cultural, mesmo e por causa das negociações simbólicas com os modelos globalitários e comerciais norte-americanos.
E finalmente porque o cinema francês, desde a "Nouvelle Vague", não cessa de dialogar com a produção cinematográfica brasileira, compondo outro prisma da conexão entre as artes audiovisuais e as identidades latinas na época da mundialização.
Cumpriria fazer aqui algumas considerações focando o fenômeno do poder e o cinema no contexto francês.
Primeiramente, cumpre relembrar o caráter nacionalista da sociedade francesa que, estrategicamente, se empenhou em realizar a primeira revolução burguesa do mundo e como metrópole ocidental antecipou a globalização avant la lettre, colonizando inúmeros países da África e do Oriente, e o que há de positivo nessa experiência colonialista é a arte absorver o melhor das suas ex-colônias, revigorando a imaginação criadora.
Hoje, Paris e outras cidades francesas experimentam em casa e na própria pele a revanche do multiculturalismo. As novas gerações (árabes, afrodescendentes) imprimem as suas impressões digitais na cultura francesa, mas nem sempre se integram à normatividade sociocultural e política, daí desencadeiam-se conflitos. Isto, por um lado, representa um tipo de caos, distúrbio e decadência para um cenário cultural outrora relativamente tranquilo, mas por outro lado, significa um novo estilo de "revolução", resposta ao racismo, intolerância, segregação e dissociabilidade.
Tudo isso já fora prenunciado em filmes indignados como Delicatessen (Jean-Pierre Jeunet, 1991), O Ódio (La haine, Kossovitz, 1995), Irreversível (Gaspar Noel, 2002) e Banlieu 13 (Pierre Morel, 2004), e reaparece em todas as cores e credos nos filmes franceses mais recentes como Intocáveis e Samba (Olivier Nakache e Eric Toledano, 2011 e 2014), Que mal eu fiz a Deus? (Philippe de Chauveron, 2014).
Em cena, os mestiços franceses, árabes, africanos, orientais, latinos, francofônicos descendentes, migram dos subúrbios, são excluídos e indignados, exigem o seu lugar no mundo do trabalho, das atividades sociais, das decisões públicas.
Numa palavra, o cinema francês, como o brasileiro, tem exibido os abismos sociais e as fraturas do cotidiano, sintoma de um projeto neoliberal, que dá mostras de insustentabilidade.
Apreciando uma cultura de tradição verbal, como a francesa, à primeira vista ressalta aos olhos, a maneira com o cinema absorveu — mais do que em qualquer outro país — a retórica literária. Mas este é um país privilegiado pelo extraordinário acervo das artes plásticas, pintura, escultura, arquitetura, moda, design, publicidade; a França é hors concours em matéria de comunicação visual. Além da tradição de dramaturgia, que também fornece grande parte da matéria prima do cinema francês, o estilo de vida parisiense, desde a época dos Luíses, passando pela urbanização de Haussmann, a construção das Passagens, a decoração dos ambientes, a etiqueta e o adestramento na construção dos interiores, atestam uma modalidade de mise-en-scène que antecipa a simulação da vida imaginada no cinema.
As imagens da Cidade-Luz, os grandes diretores e a constelação de estrelas, que fizeram a fama do cinema francês ao longo do século XX, contribuíram para a consolidação de um estilo narrativo que reúne arte, existência, ficção e história, produções que primam no trabalho de elaboração do princípio do sonho (ficção) e princípio da realidade (documentário).
No cinema ocidental há manifestações das interculturalidades embaladas pelos véus da beleza, bom gosto e elegância, mas há também projeções de uma razão sensível ao mal-estar, angústias e inquietações face às desordens sociais, econômicas e políticas globais. Logo, cumpre apreciar a história do cinema francês percebendo como este libera os deuses e monstros que habitam os seus seculares territórios simbólicos.
A título de ilustração, há alguns filmes que servem de pretexto para uma compreensão das relações entre o poder e a sociedade no contexto francês: A Grande Ilusão (Renoir, 1937), Les Enfants du Paradis (Marcel Carné, 1945), Hiroshima Meu amor (Alain Resnais, 1959), Os Incompreendidos (Truffaut, 1959), A Chinesa (Godard, 1967), além das versões da obra prima de Victor Hugo, Os Miseráveis, para o cinema, são clássicos que levam a um aprendizado estético do social.
"Aquele que diz que está na luz, mas odeia o seu irmão, está nas trevas até agora. O que ama o seu irmão permanece na luz e nele não...
Na ausência do bem
Sob esse título, Emmanuel analisa que as diferentes manifestações da intransigência ou fanatismo refletem uma alma enferma, doente porque escolheu viver na ausência do amor.
Como enfermidade do espírito, a intransigência expressa severidade ou rigor perante os comportamentos e opiniões humanos. Em se tratando de ação política ou religiosa, a intransigência demonstra atitude odiosa, agressiva, a respeito daqueles de cuja opinião ou crença se diverge.
Estejamos, pois, atentos porque a intransigência não se instala abruptamente. Requer um período de incubação gradual, semelhante ao que acontece nas doenças infecciosas. Só que no caso da intransigência, a infecção ocorre na alma.
Procuremos guardar a devida vigilância com o intuito de aprender identificar sinais reveladores dessa terrível infecção espiritual, alguns dos quais são assim destacados por Emmanuel:
O filósofo iluminista Voltaire já afirmava que a intransigência ou fanatismo "[…] é para a superstição o que o delírio é para a febre, o que a raiva é para a cólera. Aquele que tem êxtases, visões, que toma os sonhos como realidades, e suas imaginações como profecias, é um entusiasta; aquele que alimenta sua loucura com assassinato é um fanático." [2]
A história humana está repleta de atentados cometidos contra a Lei de Deus porque pessoas fanáticas ou intransigentes, agindo como juízes severos e frios, não hesitaram em cometer crimes, condenando à morte ou à perseguição implacável irmãos em humanidade, simplesmente porque estes não pensam como eles. A civilização atual, contudo, indica que o ser humano evoluiu e que leis mais justas foram elaboradas, a fim de que a vida em sociedade possa estabelecer uma convivência mais pacífica.
A pessoa de bem sabe que é preciso agir com muita prudência e espírito de benevolência perante as divergências encontradas no cenário social.
O maior desafio da humanidade atual é vivenciar o amor, trilhando os caminhos da luz, libertando-se das trevas, como esclarece o apóstolo João na citação inserida no início deste texto: "o que ama o seu irmão permanece na luz e nele não há ocasião de queda." O Amor é, pois a solução, o remédio salutar, a vacina eficiente, que cura e produz imunidade às enfermidades espirituais.
"Quem ama o próximo sabe, acima de tudo, compreender. E quem compreende sabe livrar os olhos e os ouvidos do venenoso visco do escândalo, a fim de ajudar, em vez de acusar ou desservir."
É necessário trazer o coração sob a luz da verdadeira fraternidade, para reconhecer que somos irmãos uns dos outros, filhos de um só Pai. [4]
Com aqueles olhos de forte claridade, Otávio Sitônio Pinto já havia chegado ao meu terraço com esta conversa: quem deu nome ao Brasil foi ...
Recordando
- Onde você viu isto, homem?
Ele não lembrou ou não quis dizer, mas aquilo ficou fermentando minha cerveja.Otávio, além de minerador de leituras é bom de intuição.