Quando cursava a graduação em filosofia, ainda bem jovem, eu tinha um colega que era, digamos, um tanto quanto fora dos padrões socialment...
Para além da 'mente'
17 anos de morte e vida. Neste mês de junho completam-se 17 anos do rompimento da "Barragem de Camará", a mesma que invadiu...
A fúria de Camará
Parece que foi ontem!
A vida passa, e tantas vezes, não nos pede consentimento, nem nos dá conhecimento dos desvãos de suas íntimas surpresas avassaladoras.
A barragem se rompeu! E, do ninho onde dormiam as suas águas, rompeu-se com um barulho de vulcão, a sua quietude e, inesperadamente — de madrugada — ainda no escuro da noite, desaguaram todos os seus terrores e fantasmas.
Como uma gigantesca serpente veloz pelas grutas dos caminhos, margeando a Serra da Borborema, foi fazendo suas ranhuras pelo chão da terra, ainda adormecida do Sertão do Paó.
Numa invasão gravíssima, num frio árduo da madrugada do mato brejeiro, desde o furor de suas comportas estranguladas na cidade de Alagoa Nova, atirou-se, destruindo quase tudo, e sem clemência!
Das agonias que a sua ira deixou, ficaram as sequelas de um tempo de assombrações e perdas irreparáveis.
Passados 17 anos, só os sarcófagos vieram à tona. Esses da nossa imaginação. Todos cheios de restos de casas simples, sem cadeiras nas calçadas, misturadas com os sambaquis, pedaços de pontes, encostas, restos de móveis, colchões que boiavam ao léu sem servir mais para o sono tranquilo dos homens, das mulheres, das crianças e dos bichos de criação e de estimação.
Cada um se somando à sua história, à própria culpa da sorte que o destino atribuiu a um caso negligente. E foi!...
A oficina de Jorge Alemão virou leito na água turva da inundação. As águas levaram todas as fundações de sua oficina, só deixando os consertos das máquinas pesadas dos engenhos, e dos tachos e moendas que o eficiente Jorge reconstruiu em Alagoa Grande e deixou na memória da cidade. Se vivo fosse, aquela devastação teria sido considerada uma terceira guerra, do tipo daquelas que destroem os indefesos, tais quais as ruinas da Segunda Guerra que lhe tangeram da Alemanha para Alagoa Grande, capital dos quilombolas. E assim, as águas que rolaram durante o revés, só poderiam esbarrar na simbologia feita de espera, após os ventos enxugarem a rebelião e o desastre, e desenharem no espelho das águas enlameadas, a partitura de algum opus de Ludwig Van Beethoven e Johan Sebastian Bach, seus conterrâneos do céu.
O "Clube 31" - por exemplo - onde noites maviosas entraram na relação das coisas eternas, saudosas, sagradas, ficou estremecido! Enfraquecidas as suas bases, empurraram-no para o chão. Aquele castelo de enlevos de música e de paixões bem que deveria ser reconstruído noutro lugar da cidade, no mesmo formato, porém, numa versão maior. Deveria, sim, para grandioso ser o espaço a fim de rememorar o que dele cresceu tanto e muito se eternizou.
Também revitalizados deveriam estar os outros monumentos, tal qual a “Estação Ferroviária”, ora carrilando o vagão do abandono, fora da linha de qualquer interesse político, estilhaçado pelos anos, em plena lembrança viva ainda, apesar de tudo, sem a concretude merecida da memória oficializada. Enfim, o prédio ainda agoniza, morrendo lentamente ao cair dos seus últimos rebocos. Sem trem, sem trilhos, sem rumos. Só as viagens fenomenais estacionadas na configuração do passado.
E outros tantos patrimônios ceifados, a exemplo da Banda de Música, extinta por um canalha, regida por um dobrado mal composto e um espírito roto que a desafinou e a jogou para as bandas do lixo. São valores tangidos, brutalmente, do convívio do povo, esse que tanto precisa ficar contente e sorrir mais um pouquinho, além da vida!
Muitos estão alimentados por alguma beleza que poderia ser mais bem cuidada. Estão metidos numa ilusão! Essa é a sustentação, ou diria, o consolo de quem não quer reconhecer que essa terra amada poderia ser maior e ter mais brilho e mais beleza!
Outros patrimônios urgem, e não foi só a ira de Camará, mas os atos de destruição que todos veem, todos sabem, e quase todos se calam, mas nunca apontam para os culpados, justamente, em época de eleição.
Alagoa Grande não merece esse padecimento. Isto é muito sério!!! Ou melhor, seríssimo!!!
Por outro lado, não podemos ir só envelhecendo nessas lamúrias, advindas de tantos reveses e tantos Camarás da vida, pela natureza tempestuosa, mas também pelo não saber cuidar, pelos maus tratos, e essas omissões de gente com viseiras, sem amor e sem excelência nenhuma.
Quando Deus, já exausto, parou de fazer a Natureza e viu que da sua lista ainda faltava uma criação, decidiu fazer um ser que fosse a sua ...
Uma divina obra-prima
Bom, isso é o que a Bíblia diz. Mas ela não fala que, após algum tempo observando o homem interagir com a natureza, começar a olhar para as plantas e os bichos de cima para baixo, perguntar-lhes “você sabe com quem está falando?”, não gostou muito do que viu.
Gilberto Freyre escreveu dois artigos de enorme importância para a bibliografia crítica de Augusto dos Anjos. O primeiro foi redigido em i...
Gilberto Freyre, leitor de Augusto dos Anjos
Diz-se, não sem razão, que a primeira impressão é a que fica. Sim, mas não sempre. Vejamos. Claro que a impressão inicial tem muita força,...
Primeiras impressões
Anselmo de Lyra, 52 (Bairro Mauricio de Nassau) Minha mãe descansava o horizonte na tarde desenhada tão leve e eu morto ...
Brinquedos
Na ladeira de São Francisco se postava um homem fardado. Chegava, ao moribundo sol. As casinholas agarradas, dependendo da luz da usina d...
Guarda noturno
Quem escreve — ainda que um simples bilhete — tenta afastar-se do falar cotidiano, tenta usar uma linguagem diferente da que está habituad...
O poeta é o que vê poesia onde o comum dos mortais não vê nada
Penso nisso agora, ao reler o artigo que (pasmem!), um poeta escreveu no caderno Mais!, de 26-01-97, na Folha de São Paulo. Refiro-me ao artigo “A necessidade atual da inútil poesia”, de Régis Bonvicino, em que ele diz, entre outras coisas:
Voltou de surpresa. Parou à beira da estrada no lugar, exatamente, de onde podia de melhor modo observar a cidadezinha espichada no fundo ...
O regresso
Visto assim de longe, tudo lhe parecia como antes. A torre da igreja tinha a mesma cor desbotada e as duas linhas de coqueiros ainda emolduravam aquela trilha que tantas vezes o conduzira aos afagos da primeira namorada.
Aconteceu comigo na década de 80. Lá se vão mais de 30 anos, quase 40. Comecemos perguntando ao amigo leitor e à querida leitora se sabem ...
A baratinha
pilot_micha Grande compositor popular brasileiro, Chico Buarque se insere em um grupo seleto de nossa música, um panteão onde fi...
Os 50 anos da construção de uma obra-prima
Mas vamos ao que interessa. Clássico irretocável do nosso cancioneiro popular, o disco “Construção”, que neste ano de 2021 completa cinquenta anos de seu lançamento, é o quinto álbum de Chico para a gravadora Philips e traz músicas até hoje cantadas e executas em todos os recantos de nosso país. Feito impressionante é que quase todas as suas faixas foram sucessos, na época de seu lançamento. Mas não foram meros “hits” da ocasião. Devido a sua indefectível qualidade musical e assombrosa lírica, Chico elevou várias músicas deste LP originalíssimo ao patamar de clássicos da música popular brasileira.
Com produção do grande Roberto Menescal, do não menos importante Mazola e de Toninho, “Construção”, com seus pouco mais de trinta minutos de duração, é, inegavelmente, um dos mais importantes discos da história de nossa música. O contexto político do ano do lançamento do álbum (1971) todos já conhecem: o Brasil vivia sob a égide de um regime militar, em que generais se revezavam no poder em Brasília. Marcadamente influenciado em suas orquestrações por Rogério Duprat, o álbum é um petardo que une os ritmos tradicionais de nosso cancioneiro à crítica social e política, com a notória desenvoltura poética de Chico para burlar a censura da época.
Deus lhe pague e a música-título do álbum — que pode ser ouvida ao lado, com seus famigerados versos alexandrinos com rimas esdrúxulas, ou seja, aquelas rimas que ocorrem entre palavras proparoxítonas -, dão o tom da denúncia dos desmandos do contexto político em que vivíamos. Além delas, há a bela melodia de Valsinha , parceria com o poetinha Vinícius de Moraes, o Samba de Orly , verdadeiro hino de vários brasileiros exilados na época, outra colaboração com Vinícius, com a participação do ás do violão Toquinho.
Filho do historiador e grande intérprete de nossa realidade política, econômica e social Sérgio Buarque de Holanda, Chico confirma neste fabuloso disco que é um grande contador de estórias, um artista que consegue transportar para o terreno da música popular crônicas urbanas, detalhes de nosso dia-a-dia, lamentos amorosos, profundas observações sobre as relações entre homem e mulher, lançando um olhar perscrutador sobre a própria condição humana, com um fino lirismo característico de sua obra: é o que ouvimos e sentimos em clássicos como Olha Maria (este com a participação de Vinícius e o gênio Tom Jobim) e Cotidiano.
Marco de uma época que hoje é motivo de chacota e piadas em redes sociais por gente que nunca estudou História do Brasil, “Construção” é um disco único, obrigatório. Os fabulosos sambas e outros ritmos de seu repertório, eivados de ricas harmonias e melodias, mostram que a nossa música perdeu muito em criatividade e inspiração lírica nas décadas seguintes. Será que a democracia não fez bem a nossos artistas?
O fascínio de ver Ivo Barroso comentando a tradução de L'Amant – De Marguerite Duras – feita por Denise Bottmann Em maio de 2007, e...
Comentários à tradução de 'L'amant', de M. Duras
Em maio de 2007, ele publicou na FOLHA DE SÃO PAULO o artigo “Duras: A Doença Mortal de Escrever”. Quatro anos depois, no blog Gaveta do Ivo, acrescentou:
- Denise costuma dizer que não gosta de traduzir literatura, mas quando o faz é com resultados irrepreensíveis, como neste caso.
Como Ivo Barroso é o grande tradutor de autores como Ítalo Calvino, Breton, Jane Austen, Umberto Eco, Herman Hesse, Rimbaud e Shakespeare, pedi-lhe – com viva curiosidade - que justificasse o adjetivo “irrepreensíveis”. Ele me atendeu, quatro dias depois, no mesmo blog, com a matéria DURAS AINDA:
- Em primeiro lugar, no perfeito conhecimento das línguas, de partida e de chegada. Depois, seus dotes de escritora. Finalmente sua vasta cultura humanística, que lhe permite avaliar estilos, fases, tempos, adequações enfim.
Ele nos passa, então, um trecho do original, seguido de tradução de Denise Bottmann. Para que se sinta melhor a comparação, junto cada frase em francês, à que ela verteu para o português. Mesmo que você – como eu – não domine o francês, é gostosa essa aproximação às duas vozes:
Ivo comenta:
A tradutora lhe confidenciou:
O editor Maurício Ayer:
Ivo encerra:
Machado de Assis fez uma crítica contundente a Eça de Queirós, acusando-o de haver plagiado Émile Zola. A acusação foi a de que O crime do...
Eça, Machado e Zola: um triângulo literário
Que ninguém seja lento para buscar sabedoria quando jovem, nem cansado em sua busca quando estiver envelhecido, pois nenhuma idade é muit...
Um dia além
Epicuro
O voo Soltar-se as asas Espécie de levantar âncoras Ser em sustento pelas batidas Tantas, tantas repetidas Abaixo o olho mir...
Revelando voos
Soltar-se as asas Espécie de levantar âncoras Ser em sustento pelas batidas Tantas, tantas repetidas Abaixo o olho mira, fantasia De Ícaro em voo de seda Magistral equilíbrio, penas Que a si próprio não sustenta Ao pássaro, o próprio voo inventa Obstáculos cria e desvia, cruza Dribla fiação, joga a rota Vento, equilíbrio, mágica torta
Aos amigos Heloísa Arcoverde de Morais e João Leonardo Ribeiro de Morais (irmãos de Luciano) O meu compadre e amigo Luciano Morais,...
O meu compadre Luciano Morais
Os que o conheceram apenas superficialmente tinham tudo para julgá-lo um extrovertido, um sujeito que, sem avareza, sem parcimônia, se gastava de dentro para fora. No entanto, o homem da piada pronta, da resposta precisa, disfarçava o tímido que ele sempre foi e que aparecia de corpo inteiro quando se via obrigado a cumprir um script. Nessas circunstâncias, o meu compadre não desempenhava o papel que, inadvertidamente, alguns desejavam que ele cumprisse, pois, insurrecto, insubmisso, tudo o que atravancasse o seu caminho,