Ao iniciar a segunda metade do século 19, as cidades paraibanas ainda não tinham nenhuma organização urbanística, o que se pode constatar ...

Quando as cidades começaram a se organizar

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Ao iniciar a segunda metade do século 19, as cidades paraibanas ainda não tinham nenhuma organização urbanística, o que se pode constatar pela situação da própria capital da Província. Ao assumir, em 1858, a Presidência da Paraíba, Henrique de Beaureupaire-Rohan apresentava em relatório a situação em que encontrara a Cidade da Paraíba:

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Henrique de Beaurepaire-Rohan (1812—1894) ▪ Arq. Nacional
“Os arruamentos nesta cidade nunca forão nem ainda estão sujeitos a plano algum, quer em relação aos alinhamentos, quer em relação ao nivelamento; cada um edifica á sua vontade e dahi resulta esse labyrinto em que se vai sensivelmente convertendo a cidade”.

Em 1861, a capital provincial ainda tinha várias casas de palha, o que se pode deduzir por lei aprovada pela Assembleia Legislativa que estabelecia uma prorrogação de três anos “para demolição das casas de palha do recinto desta cidade”. E acrescentava que “a Camara Municipal não consentirá a edificação de novas casas e nem reparos importantes nas existentes”.

No interior da Paraíba a situação não era diferente. Durante a década de 1860, as Câmaras de várias vilas aprovaram as primeiras proposições de leis disciplinando as construções e estabelecendo posturas nos municípios e que foram confirmadas pela Assembleia Legislativa e sancionadas pelo Presidente da Província.

Em 1864, no ano em que a vila de Campina Grande passou a ser cidade, ela “formava um pequeno aglomerado humano, de pouco mais de trezentas casas, distribuídas em quatro ruas, três largos, oito becos”,
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Concepção do traçado urbanístico de Campina Grande-PB em 1864 ▪ Fonte: SEC/PMCG — Francisco Evangelista Porto
conforme o relato de Elpídio de Almeida, o principal historiador dos primórdios da antiga Vila Nova da Rainha. Ainda no tempo de vila, a Câmara de Campina Grande encaminhara para aprovação pela Assembleia Legislativa uma lei que tratava da postura dos imóveis no município:

“Fica prohibida dentro das ruas da Villa de Campina Grande, a edificação e reedificação de casas, cujas frentes não sejão de tijôlo ou pedra, e tenhão menos de 20 palmos de altura, 12 as portas e 8 as janellas, com calçadas de 10 palmos de largura” [...] “Os proprietarios de casas nesta Villa ficão obrigados, até o 1º de dezembro de cada anno, a ter concertadas as suas calçadas e frentes, e estas caiadas e pintadas, e a limpar e aplainar té o meio da rua suas testadas” [...] “Ficam prohibidas desde já as empanadas nas portas e janellas, e as rotulas que abrirem para fora.”
— Lei nº 6/1860 —

Por essa época, Campina Grande era o local no qual se entrecruzavam as rotas dos tropeiros que transportavam a produção e as mercadorias do comércio da Província. Esses almocreves foram homenageados nas palavras imortais do político e poeta Raimundo Asfora
em “Tropeiros da Borborema” (parceria com Rosil Cavalcanti), canção que se tornou um clássico da música nordestina e uma espécie de hino da cidade:

“São tropas de burros que vêm do sertão / Trazendo seus fardos de pele e algodão [...] Riqueza da terra que tanto se expande / E se hoje se chama de Campina Grande / Foi grande por eles que foram os primeiros / Ó tropas de burros / Ó velhos tropeiros”.

Na Vila Nova da Rainha, o fluxo intenso dos tropeiros conduzindo as suas tropas de burros, que ficariam como um símbolo da cidade de Campina Grande, também foi regulamentado através de lei:

“Os condutores de cargas, e almocreves, só poderão conduzir seus animaes a um de frente, e jamais emparelhados; devendo o primeiro animal da tropa trazer ao pescoço uma campanhia ou chocalho.”
— Lei nº 49/1862 —
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Pouso noturno de tropeirosJoaquim da Rocha Ferreira
Campina Grande se tornara um dos mais importantes entrepostos da Província e as feiras da vila foram, também, regulamentadas, com sua realização em data fixada (aos sábados) e em locais determinados, além de outras disposições que disciplinavam o ambiente da mercancia, tais como:

“Ninguem poderá vender nas feiras aguardente ou qualquer outra bebida espirituosa, sem que apresente primeiro ao Fiscal licença da Camara [..] Os que fizerem vozerias ou palavras obscenas nos açougues e feiras sofrerão quarenta e oito horas de prisão [...] Os que correrem, galoparem ou equiparem a cavallo nas ruas da Villa de Campina Grande e Povoações de seu Termo nos dias de feira soffrerão a multa de 5$réis”. (Lei 62/1862)

A criação de animais na vila de Campina Grande também foi objeto da legislação:

“É prohibida nesta Villa e suas comprehensões a creação de cabras, ovelhas e porcos; assim como ter cães soltos” [...] “Exceptuão-se [...] as cabras de leite, que servirem para amamentação das crianças, as quaes deverão trazer cangas de quatro palmos e ser recolhidas ás seis horas da tarde”.
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Frans Post
Outras vilas, como Bananeiras, também criaram as suas regras de posturas:

“Os proprietarios e inquilinos das casas desta villa e povoações do municipio, são obrigados a varrer de oito em oito dias as frentes das mesmas casas, na extenção de quarenta palmos nas ruas largas e vinte e cinco nas estreitas [...] Os mesmos proprietarios e inquilinos são obrigados a tapar os buracos, que fizerem as chuvas nas frentes de suas casas, inclusive os becos” [...] “É prohibido nos dias de feira passar pelo meio da rua carros, lotes de bestas de engenho e boiadas” [...] “É prohibido vender bebida espirituosa aos escravos sem que por elles seja apresentado bilhete de seu senhor, assignado e datado” (Lei 101/1863)

Outro assunto que começava, naquela época, a ser objeto de regulamentação municipal era o enterramento das pessoas falecidas, as inumações, como se dizia naqueles anos. Parte dos sepultamentos era, então, feito nas igrejas. Segundo o historiador João José Reis, “para os luso-brasileiros, até pelo menos a metade do Oitocentos” era indispensável ter uma cova dentro de uma igreja, mas havia “dentro delas uma geografia da morte que refletia hierarquias sociais”.

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Frans Post
Somente em 1855, conforme escreveu Irineu Ferreira Pinto, foram construídos os primeiros cemitérios da Paraíba: inicialmente o da vila de Piancó e, em seguida, o da capital da Província. Beaurepaire-Rohan, em seu relatório de 1858, expunha a situação da Província com relação aos poucos cemitérios existentes: “Freguezias ha na provincia nas quaes ainda se fazem as inhumações nas igrejas; outras em que consistem os cemiterios em uma certa extensão de terreno sem cerco algum”. Entre os vários casos relacionados por Rohan estava a vila de Alagoa Nova, onde o cemitério estava “abandonado e servindo de pasto para os animaes”.

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Frans Post
As exigências de salubridade levaram as vilas a proibirem os sepultamentos nas igrejas, “devendo ser em cemiterio ou campo para esse fim destinado, que seja fora do povoado, e em sepulturas bastante fundas”, como se constata na lei 42/1861 originária da vila de Cabaceiras.

Os legisladores municipais daquele tempo também se preocuparam com a proteção ao meio ambiente nas suas comunidades, mesmo sendo ainda núcleos urbanos incipientes:

Bananeiras “É prohibido lançar lixos ou qualquer outra immundicia nas ruas. A camara designara os lugares proprios para esses depositos. Os infractores incorrerão na multa de 5$rs sendo pessôas livres e em circumstancias de pagar, se forem porem pobres e não poderem satisfazer as multas, ou se forem escravos e seus senhores recusarem pagar soffrerão quatro dias de prisão [...] É prohibido lavar roupas e animaes nas bicas fontes destinadas a bebida dos habitantes."
— Lei nº 101/1863 —

Mamanguape “As pessoas que cortarem madeiras ou fizerem roçados á margem do rio Mamanguape, desde o lugar onde entra elle neste Municipio até sua foz, são obrigadas a remover os galhos, e qualquer páos que hajão cahido sobre o alveo do mesmo”.
— Lei nº 37/1861 —

Cabaceiras “Todo aquelle que cortar pelo tronco as arvores que servem de alimento aos gados, bem como mandacaru, barriguda e outros, será multado em dez mil réis” [...] “É prohibido o corte das arvores que servem de sombra aos gados e mesmo aos viandantes.”
— Lei nº 42/1861 —

Se todas essas leis editadas pelas Câmaras municipais há cerca de 160 anos, com redações simples e objetivos modestos, tivessem sido cumpridas no decorrer do tempo, certamente as vidas das cidades seria, atualmente, muito melhor.

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  1. Parabéns pelo texto, que traz muitas questões interessantes ao leitor. No trecho onde moro, no Bessa, cada calçada está nivelada ao bel prazer do dono da casa e é impossível a um cadeirante de deslocar por ali.

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  2. Anônimo8/5/22 08:23

    Parabéns,pelo texto e contribuição á História de nossas cidades .Um grande abraço. Feliz Dia das Mães!@

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  3. Ah! Se os nossos atuais licurgos se espelhassem nesses princípios, atualizando-os e os fizessem aplicar.
    Decerto, teríamos cidades bem mais agradáveis e salubres, com melhores condições de vida para todos.

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  4. Anônimo8/5/22 17:20

    Historia linda.

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