Moramos num bairro tropical, e bonito por natureza. Mas, diferente da música de Jorge Ben, gerenciado por homens. Mas que tristeza... ...

A morte de uma natureza

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Moramos num bairro tropical, e bonito por natureza. Mas, diferente da música de Jorge Ben, gerenciado por homens. Mas que tristeza... Eu explico por que.
Há 20 anos que nos mudamos para este bairro, quando ainda restavam uns poucos pauis e muitos pés de cajú. Para facilitar o acesso à nossa garagem, nós calçamos a artéria ao lado do nosso prédio, a rua Cândido Ferreira da Nóbrega, no trecho correspondente ao nosso terreno, onde antes só havia lama.

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Limitando esse calçamento, nós moradores do Residencial Rembrandt construímos um futuro canteiro central, e sobre ele colocamos bancos de cimento. E ao longo desse canteiro plantamos quatro árvores, da família das figueiras. A primeira árvore foi plantada por nossos vizinhos Dr. Rui Eloy e Dona Iara, sua esposa, que deram o bom exemplo para os demais.

As árvores cresceram, criaram copas densas, e tornaram-se abrigos para as aves, que se sentindo seguras, passaram a ser freqüentadoras, e para nossa imensa satisfação até construindo ninhos.

Ao longo dessas duas décadas diversas gerações de anuns pretos, anuns brancos, bentevis, pardais, sibites, e muitos outros pássaros, se sucederam nos ninhos das nossas árvores. Estas eram, portanto, motivo de muito orgulho para todos nós, do edifício Rembrandt.

Mas eis que de repente construíram, justamente ao nosso lado, o Parque Parahyba 4. Até ontem, isso foi motivo de satisfação, de muita alegria para nós e os nossos filhos e netos, de duas e de quatro “patas.”

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Parque Linear Parahyba (J. Pessoa) @aluguepousadas.com.b
Passamos, então, a desfrutar do parque, onde só encontramos pessoas satisfeitas, a alegria no ar, que estão tão contentes que se tornaram comunicativas, não importando procedência, cor, idade, sexo ou raça de cachorro.


Hoje pela manhã tive o horror com a cena que vi: as nossas arvorezinhas, plantadas com tanto carinho, ser massacradas por uma serra elétrica, como nos piores filmes de terror. Por que isso, meu Deus?!

Surgem as desculpas amarelas. Alguém falou que foi porque planejam construir uma ciclovia rente ao canteiro. Por que não pouparam as árvores? Elas eram bem centrais, ao longo do canteiro, e não atrapalhariam nenhuma bicicleta de circular por lá.

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Por que não fazem essa ciclovia apenas ao longo de um dos lados do canteiro? Têm espaço para isso. Mas com a atitude radical que tomaram, provaram que não têm competência para planejar e construir.

Qualquer que seja a desculpa, jamais conseguirão justificar isto: são pessoas indiferentes, não têm sensibilidade, não têm respeito pela natureza. A insensibilidade à vida da natureza pressupõe a indiferença ao sofrimento dos outros. São pessoas que acham que isso tudo é besteira, que é manifestação de fraqueza.

Esse pensamento de indiferença ao sofrimento das árvores, dos animais, dos rios, do ambiente, tornou-se comum no nosso país, nos últimos anos. Parece ser uma corrente que coloca o lucro acima do bem estar do mundo animal e vegetal. As conseqüências estamos vendo aí: a destruição praticamente irreversível do meio ambiente, cujas repercussões já se fazem sentir no clima da terra com força cada vez maior.

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Há três dias aconteceu algo impensável em João Pessoa: após a meia-noite um ciclone varreu a cidade, com muitos raios, relâmpagos e pouca chuva, espalhando eletricidade, causando uma destruição inédita por todos os bairros.

Na minha juventude, em uma anedota outros povos questionavam Deus por ter feito o Brasil privilegiado, sem ciclones, furacões e terremotos. E Deus respondia, com um sorriso maldoso:

“Vocês precisam ver o povo que vou botar lá!”

Agora a coisa está mudando. Coincidência?


Ao sair da nossa garagem, não consigo passar por lá e ver a cena de horror, sem pensar na agressão injustificável que fizeram à natureza. Não olho para lá. Mas passo com a impressão de ouvir os seus gemidos de dor, seus suspiros de tristeza, seus sentimentos de derrota completa. É isso que não deixarei de sentir.

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Jamais me esquecerei da lembrança de suas sombras, tão generosas para aqueles passantes que se sentavam nos bancos. Do entra e sai dos passarinhos ao longo do dia. Da alegria barulhenta do final da tarde.

O canto característico dos anuns brancos, sempre em bandos de sete aves. Do canto orgulhoso e belicoso dos bentevis, desafiando as outras aves. Da confusão causada pelo inadvertido pouso de um gavião em seus galhos, com todos os passarinhos se unindo para dar uma sova no invasor, até expulsarem-no da árvore.

E agora, José? Para onde irão os passarinhos? Onde é que vão fazer seus ninhos? É inevitável, para mim, me lembrar dos versos da música genial de Chico Buarque, Passaredo:

Bico calado, muito cuidado: O homem vem aí! O homem vem aí!


Hoje me sinto triste, muito triste, por terem ferido a natureza tão querida para mim. A minha natureza!

Dói em mim só de pensar. Só o tempo pode curar.

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  1. Tão afetado pela devastação em seu 0
    pequeno Éden no qual teve participação criativa., o cronista até esqueceu de lembrar a piora climática do ambiente. Executado por contratados que certamente viram na derrubada das árvores um aumento de orçamento. Horror.

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  2. 😢😢😢😢😢😢😢😢😢✂️🧵🪡

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  3. Realmente lamentável, muita falta de escrúpulo e visão distorcida do que realmente tem valor

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  4. Amigo José Mário, por aí se vê o quanto a SEMAM/PMJP cuida bem do meio ambiente. Parabéns pelo texto e pela denúncia. Francisco Gil Messias.

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  5. Parabéns pelo artigo, que se soma às vozes que denunciam esses desmandos. A destruição socioambiental em curso é resultado de uma visão de mundo que só vê o lucro desenfreado como meta, sem considerar as consequências. O aquecimento global e a crescente violência social são irmãs gêmeas e filhas dessa ganância.

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  6. É muito triste Zé Mário, assistir essas cenas, de quem deveria, ao contrário zelar por nosso meio ambiente.

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  7. Eu fui um dos primeiros moradores do Jardim Miramar, onde tínhamos como vizinhança, a Granja São Rafael e a Granja Santana, onde podíamos desfrutar da vegetação em seu estado original!... Ainda menino, assisti à construção do Campus da Universidade Federal da Paraíba que, sem necessidade, devastou a floresta para erguer os edifícios e vias da UFPB. Depois, plantaram-se Eucaliptos, para tentar corrigir o desmatamento!... O resultado, foi uma floresta de Eucaliptos, sem vida, sem canto de passarinhos ou das Cigarras!... Ninguém denunciou o equívoco e a brutalidade das ações, em prol do "progresso"! Quando lembro disso, me dói ter presenciado tal devastação, sem poder fazer nada para impedir a derrubada de árvores remanescentes da Mata Atlântica.

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  8. Só para lembrar O Unipê fez a construção do seu Campus, preservando o máximo da sua vegetação original.

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  9. JOSE MARIO ESPINOLA20/2/24 13:22

    Um dia, há poucas décadas, a nossa cidade já foi considerada uma das mais verdes do planeta. Com a construção desenfreada, JAMPA está começando a se transformar em SAMPA "...Da força da grana que ergue e destrói coisas belas..." (SAMPA-Caetano Veloso).
    Agradeço a solidariedade de todos os comentaristas, vocês são um alento para mim

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  10. O título de segunda cidade mais verde do mundo, foi uma Fake News, pois não existe nenhuma comprovação disso com dados e registros. O ‘título’ foi criado em 1992 pelo então prefeito Carlos Mangueira, durante a Conferência das Nações Unidas sobre meio ambiente e desenvolvimento, a Eco-92, no Rio de Janeiro. Apesar de não existir esse reconhecimento oficial, a cidade, que completou 488 anos, tem muito verde para se orgulhar.

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  11. Uma pessoa que tenha voltado a Joao Pessoa uns vinte anos depois de sua ultima visita ficará chocada com a redução das árvores pare passu ao aumento dos "espigões", alguns deles com mais de trinta andares! É um caminho sem volta...parabéns José Mario Espinola pela bela crônica, inserindo até poesia num tema tão triste !

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