Bancada do telejornal formada com o âncora e seus convidados. Você olha para aquela gente e, prontamente, é levado a crer em que tem diante de si, na sua sala de visitas, as criaturas mais sábias e capazes do planeta. A vinheta e as primeiras imagens do programa trouxeram-me à lembrança um conselheiro aposentado do Tribunal de Contas conhecido por suas tiradas. Grupo reunido para a fotografia, ele gritava antes do clique do fotógrafo: “Todo mundo com cara de inteligente”.
Há pouco, eu me ajeitei na cadeira-do-papai, um presente do neto, a fim de acompanhar o debate sobre o tema da moda, o DeepSeek, a empresinha chinesa que, de uma hora para outra, desbancou as Big Tech americanas e todo o Vale do Silício.
O parvo que sou entendeu que a primeira questão levantada pelo âncora faria melhor sentido se formulada ao contrário. Isso mesmo, o moço peitou às avessas o problema. Quis ele saber dos seus convidados como e por que um empresariozinho de nada, um sujeito com menos de US$ 6 milhões, fez produto melhor e empurrou goela abaixo dos gigantes do setor prejuízo além de US$ 1 trilhão, resultado da queda brutal, inédita e, portanto, histórica das ações do grande empresariado na bolsa de valores.
“Que imbecilidade!”, pensei com meus incultos botões. A pergunta mais lógica e significativa, apesar de bem curta, seria: “Por que algo tão barato custa os olhos da cara da distinta freguesia?”.
Aí, então, a conversa teria sequência muito mais interessante e útil à humanidade, posto que passaria por investimentos governamentais titânicos, por contratos a peso de ouro, pelo liberô geral dos bancos com seus juros e, evidentemente, pelo comércio de ações nas bolsas.
Ah, sim, o estúpido que sou quase esquecia dos doadores de milhões e milhões às campanhas presidenciais. Quase não lembrava dos assentos ocupados por gigantes da Big Tech nas cerimônias dos que saem dessas campanhas vitoriosos, com paletó novo e o discurso de posse. Ou vocês não repararam na festa do último dia 7, aquela do Capitólio? Não viram quem ali estava à frente de chefes de Estado e congressistas, ou, quando menos, ombro a ombro com estes?
Mark Zuckerberg (Meta/Facebook), Jeff Bezos (Amazon), Sundar Pichai (Google) e Elon Musk (Tesla/Xspace) reunidos na posse de Donald Trump. ▪ Washington, EUA, 20.01.2025.
Sim, o chinês dono da DeepSeec, um moço chamado Liang Wenfeng, democratizou o uso da Inteligência Artificial (a coisa tem código aberto) e pôs muita gente grande em palpos de aranha. Ele, seu laboratoriozinho,
Liang Wenfeng
E, agorinha mesmo, Liang Wenfeng e sua criação despertam o tonto que sou para o entendimento de que a pergunta daquele âncora pode ter sido feita de modo torto não por burrice, mas por esperteza, para minorar a encrenca. Para permitir ilações diversas. Uma delas a de que a pirataria barateou o aplicativo Made in China.
Mas estamos a falar da maior economia do mundo em paridade de poder de compra, do segundo maior detentor de títulos do Tesouro dos EUA (era o maior antes de Trump-1, quando passou a vendê-los) e de uma nação que já mapeou, na Lua, as áreas de Hélio 3, o mineral indispensável à fissão nuclear, a fonte de energia que em breve porá as demais na lata de lixo. Perguntemos isso ao pessoal da astrofísica. É claro que, naquela bancada, ninguém ainda toma a China como um país de bicicletas. Pronto, este bobo acordou. Perdoem-me o cochilo.
Shenzhen, sexta cidade mais populosa da China, importante centro de tecnologia, pesquisa e indústria.
SCake
Sabe um bebê que aprende a andar caindo e levantando? Assim, dizem, é o DeepSeek. Essa coisa ajusta seus movimentos até a perfeição dos passos. É modelo que, portanto, supera os que não aprendem dessa forma.
Faz uso da cadeia de pensamento para treinar, repita-se, um modelo menor. Assim treinadas, as versões menores podem apresentar resultados até melhores do que os do “professor” em áreas como codificação e raciocínio científico. Tem, potencialmente, uma clientela vastíssima: empresas pequenas, startups e pesquisadores com pouco dinheiro, dado que podem rodar essas versões compactas em computadores mais simples. Combina precisão, aprendizado contínuo e acessibilidade. Mas, acima de tudo, serve à democratização do acesso à IA.
Luo Fuli