Talvez um dos textos que mais exprimem a impetuosidade devastadora da paixão seja a tragédia de Hero e Leandro, imortalizada pelo poeta grego Museu, que traz um signo como a indicar o quanto uma história de amor é sempre trágica. E, se não for uma tragédia, não é uma história de amor.
Hero e Leandro Louis-Marie Baader (1866)
Eles, então, passaram a usar um ardil para se encontrar. À noite, Hero agitava uma lanterna do alto da torre, e Leandro se lançava em braçadas ao mar, para, enfim, se encontrarem.
Hero e Leandro William Etty
Hero espera aflita por ele até o dia amanhecer, já convencida que o amado não mais lhe queria, mas quando dirige seu olhar para a praia, ela vê o corpo inerte do amado. Então, em desespero, se joga da torre sobre o corpo de Leandro.
Hero e Leandro William Etty
Bráfama é morto, junto com sua comitiva. Então, os portugueses, astutos, vestem suas roupas e seguem para a cidade. Quando chegam aos portões, a moira, que estava no alto de uma torre, ansiosa pela volta de Bráfama, percebe que, apesar das roupas serem de seu amado, não era ele quem vestia, e conclui imediatamente que ele havia sido morto. Então, se lança do alto para a morte.
Salúquia Editora Moura
Em “O eu e a psicologia das massas”, Freud vai proclamar que, sob o viés da Psicanálise, estar apaixonado é quando se estabelece, necessariamente, a servidão ao outro, quando esse outro já consumiu o seu ego. Freud também vai postular que o objeto amado normalmente guarda identidade com as vivências da infância, e que essa ligação amorosa é a promessa de felicidade plena que, sem ela, não existirá.
Sigmund Freud Museu de Viena
Esse pensamento reverbera em Lacan, em “Outros escritos”, quando dá a entender que a paixão é um estado de fascinação e arrebatamento, antes, “um lugar da captação imaginária”. E ainda, é de onde nasce “a excitação maníaca pela qual esse retorno se faz mortal.”
Lenadro e Hero Nicolas Régnier
Freud vai objetar que para a perda do objeto amado o eu vai oferecer a possibilidade do luto, que é elaborar a perda e o que a perda representava. Está em “Luto e melancolia”, uma de suas mais notáveis obras sobre as perdas.
Semiramis morta Augusto Valli
Ou seja, a perda do objeto amado leva ao vazio, ao sem-sentido para seguir vivendo. Assim, Hero decide morrer, inclusive, até simbolicamente, ao lado de Leandro, quando se joga da torre sobre seu corpo inerte. Da mesma forma, ocorre com a moira de Salúquia, para quem a vida perdeu todo o sentido. Encontrar a morte é como tentar encontrar o amado numa espécie de eternidade. Seguir adiante, sozinha, não seria mais possível.
Há os casos da tragédia de uma paixão não correspondida, que é de certa forma uma perda também, na medida em que o objeto amado se torna inacessível, não pela morte, mas pela rejeição, o que talvez seja ainda mais doloroso.
Werther Leonardo Alenza y Nieto
Esses breves apontamentos não têm a afetação de circunscrever os mistérios da paixão num ensaio definitivo. Muito longe disso. Até faço um alerta: rogo que o leitor não imagine que os versos deste livro são todos forjados apenas por relatos de paixão e morte. Na verdade, são versos, simples versos, que buscam, sem qualquer presunção, certa pretensão de imortalidade, não do autor, mas da magia que só as palavras têm.

Apresentação do livro:
Breves relatos da paixão
■ Helder Moura
Editora Ideia, 2025
Disponível na Livraria do Luiz