Em meados dos anos 70 do século passado, Wamberto foi fazer doutorado na Universidade Paris II, de Paris, e por lá viveu durante quatro anos. Enquanto estudava, desfrutava o quanto podia da Cidade Luz, dentro do que lhe permitiam as suas possibilidades econômicas.
Morando só numa água-furtada perto da Place d’Italie, ele com frequência se encontrava com os outros brasileiros que se achavam em Paris, ou para realizar estudos, ou para fugir da ditadura militar que assolava o Brasil. Ou para as duas coisas. Com isso, Wamberto conheceu toda a cidade de Paris.
Place d'Italie@lartnouveau
E tinha os seus lugares prediletos: a Cinemathéque; clubes e jazz (com muita bossa nova!); a Fnac; e os tipos de cafés e bistrôs que se espalhavam por toda a cidade. Pois passear pelas ruas de Paris era um deslumbramento, e não pesava no bolso!
Café du Dhôme (Paris) WSJ
Pois foi no meio dessa festa que Wamberto recebeu um grupo de amigos vindos do Brasil. Casais jovens que pontificavam na mais alta sociedade de sua cidade. As madames muito elegantes que, acompanhadas de seus maridos, vieram conhecer os encantos da “Lutetia Parisiorum".
Era a sua primeira viagem à França, e todas tinham em comum a vontade de desfrutar do melhor da cidade. Mais exatamente daquilo que Wamberto desfrutava, pois confiavam no seu gosto. Foi isso que elas manifestaram quando o reencontraram.
Le Louvre Vladyslav Piatyhor
Começou pelo Louvre, onde passaram o dia deslumbrados com o quadro da Mona Lisa, as múmias egípcias, as telas de Tintoretto, e a estátua comemorativa da Vitória de Samotrácia.
Jantaram no restaurante L’Universitaire, na Rue de l’Opéra, onde puderam saborear uma autêntica soupe a l’ognion acompanhada de tintos da região de Côtes du Rhône
Depois subiram a Champs Elysées, onde fizeram uma parada na loja Fnac, onde era possível adquirir o que havia de melhor, em termo de cultura e de tecnologia voltada ao conhecimento.
Logo acima ficaram encantados com L’Arc du Triomphe. Alguém lembrou o desfile dos alemães no filme quando conquistaram Paris, ao som da bonita e trágica marcha Les Allemands à Paris , de Francis Lai, no filme Retratos da Vida (Claude Lelouch-1981).
Paradise in Palazzo Bevilacqua (Tintoretto) / Arco do Triunfo / Av. Champs Elysées (Paris) Unsp / Dave Levy
No dia seguinte, depois de um delicioso café da manhã. quando tiveram a oportunidade de comer um autêntico pão francês (a baguette), e croissants, seguiram para se encontrar com Wamberto no Trocadero.
Neste, após se deslumbrarem com o melhor ângulo de visão da onipresente Torre Eiffel, visitaram primeiro o Musée de l’Homme, à esquerda. Depois, logo à direita, o Musée de la Marine. Neste museu impressionaram-se com os barcos que transportaram Napoleão quando se casou com Josephine. Em cada remo o nome de um peixe.
Trocadero (Paris) François-Xavier Chamoulaud
Atravessaram o rio Sena e caminharam hipnotizados até a Torre Eiffel: QUEL MERVEILLEUX! Subiram logo para o terceiro andar. De lá puderam desfrutar da vista de Paris em 360 graus: o Sena, a Sacré Coeur, o Louvre, La Madeleine, Todo o perfil da paisagem delineado na balaustrada à sua frente. Ah, Paris, toujours Paris !
Rio Sena / Torre Eiffel (Paris) Arnaud Mariat
Depois seguiram para Montmarte, passando por todos aqueles cafés e cabarés históricos. Visitaram a basílica do Sacré Coeur, de onde puderam admirar outro ângulo da cidade.
À tarde foram conhecer a histórica l’Université de Sorbonne, na Rive Gauche. De lá esticaram até o Jardin du Luxembourg, daí foram conhecer as Galerias Lafayette, que ninguém é de ferro...!
Basílica de Sacré Coeur (Montmartre, Paris) Majd Haseeb
À noite todos foram jantar no restaurante Le Train Bleu, na Gare du Nord. Apesar de ser numa estação ferroviária, é um restaurante de alta gastronomia, onde os preços são inversamente proporcionais à quantidade de deliciosa comida.
No cardápio, escargots de Bourgogne, patê de foie gras; coquilles Saint Jacques; Filet a la sauce béarnaise, canard à l'orange, tarte tatin, poire belle-hélènne e outras finas iguarias...e a carta de vinhos excelentes, com exemplares de diversas regiões vinícolas francesas, e o cognac Rémy Martin como digestivo. Para finalizar, a comemoração mereceu um brinde, na forma de uma taça de champagne brut.
Restaurante Le Train Bleu (Gare du Nord, Paris) @hedonisthk
Terminado o jantar, a prima Deolinda puxou a conversa:
“Wamberto, o que Paris tem a oferecer de mais interessante, bem mais impressionante que Les Folies Bergère?!”
“O Lidô é uma boa pedida. Ou o Moulin Rouge”
“Queremos conhecer algo mais intenso, um espetáculo que torne bem mais inesquecível a noite de Paris!”
“Bom. Temos shows para todos os gostos. Vocês é que escolhem”
Lido (Paris, anos 70) Léon Volterra
“VOCÊ é que escolhe, pois você conhece a cidade!” “Não é bem assim. A noite de Paris oferece uma miríade de espetáculos para o turista”
“Nós não queremos assistir ao trivial. Queremos ver o inusitado. O espetáculo feito para Ô parisiense!” “Bom, vou pesquisar o que tem pela cidade e amanhã vocês poderão escolher”
Dia seguinte, após o petit déjeuner, encontraram-se na recepção do hotel. Deolinda foi direta ao assunto:
“E aí, Wamberto, o que você nos preparou para esta noite?”
“Sugiro, pela manhã, visitar o Museu D’Orsay. Depois, uma visita à Catedral de Notre Dame. Em seguida, vamos conhecer a bela igreja Sainte-Chapelle.”
Igreja Sainte-Chapelle (Paris) Gaudiumpress (Flicker)
“Bom, atravessaremos o Sena, para conhecer a Place de La Concorde. Esta praça era o Marco Zero, ponto de partida, para os viandantes que iam para Santiago de Compostela, no noroeste da Espanha. Hoje preferem iniciar a caminhada no próprio território espanhol.
“Continue”
“Não podemos deixar de conhecer a famosa praça Les Halles. Era um mercado imundo no passado, o do centro de Paris. Foi totalmente remodelado, a moderna arquitetura em harmonia com os velhos edifícios em torno da praça. Em seu centro encontra-se UM PRÉDIO SUBTERRÂNEO!”
“Como assim?”
Forum Les Halles (Chatelet, Paris)
Bruno de Hogues
Bruno de Hogues
“O seu roteiro parece ser muito atraente. E o que nos reservou para a noite?!”
“Bom... À noite podemos ir até uma região perto de Quartier Latin, para assistir um espetáculo de strip-tease...”, disse Wamberto, reticente.
“Porque essa hesitação?”
“Por que... talvez vocês não apreciem tanto, a região não é bem para turistas, tem muitos árabes... Fica pra lá do Quartier Latin! Pra ilustrar, o nome do local é Les Deux Boules!*
Elas não deram muita importância ao nome.
“Como é o espetáculo?”
Danecarney
Elas conversaram entre si, ponderando, trocaram idéias, depois consultaram os maridos. E decidiram:
“Vamos assistir a esse show! Mas hoje à tarde só queremos visitar lojas”
“Está bem. À noite nos encontraremos aqui, na recepção do hotel”
Nessa noite, após o jantar encontraram-se na recepção do hotel. Elas pareciam bem animadas, um verdadeiro frisson! Os maridos nem tanto. Porem estavam confiando nas esposas. E programa de strip tease, convenhamos, não deixava de ser atraente!
O primeiro sinal ocorreu no táxi. O chauffeur, após darem o destino, perguntou em francês, com cara de quem não acreditava:
“PARA ONDE?!?”
Danecarney
O chauffeur ficou olhando para ele um instante, olhou para as mulheres, prestando atenção à elegância de todos. Levantou os ombros, como um bom francês, passou a marcha e se dirigiu ao destino, sem acreditar. Elas não desistiram.
O segundo sinal foi a aparência do bairro em que estavam entrando. Era uma Paris bem mais modesta, sem os pequenos edifícios elegantes. Em torno de si, a hora já avançando, pessoas simples, pouco elegantes, muitos estudantes. Porém, ainda não desistiram.
O último sinal viram logo que desceram do táxi. O ambiente em torno do café; a rua; os passantes... E, principalmente, o cartaz! Mas elas não desistiram. Este era altamente sugestivo do que os esperava. Explícito, mesmo! O táxi ainda esperava, porém elas resolveram ficar. O chauffeur foi embora, dando de ombros, como quem diz:
“Ils sont fous, les brésiliens!”**
Orientados por Wamberto, compraram ingressos em grupo, diminuindo alguns francos. E ingressaram no recinto.
GD'Art
Nossos heróis foram levados para duas mesas de pista, à beira do tablado. Logo mais a música baixou, e um apresentador anunciou em francês o início do espetáculo.
A orquestra começou a tocar uma música árabe, e entrou uma bailarina muito bonita, dançando a dança do ventre. Os homens ficaram calados; as mulheres olhando atentas, a bailarina que se requebrava.
O ritmo do atabaque foi acelerando, a dançarina se contorcendo cada vez mais intensamente, se enxerindo principalmente para os árabes, que não tinham mulheres entre si. Eles vibravam, se curvavam, enfiando notas de 1.000 francos nas roupas íntimas da dançarina.
Logo a orquestra parou. A dançarina, rápido, se ausentou. Pessoas invadiram o palco, montaram uma rede de circo. O apresentador anunciou um espetáculo circense. Surgiram dois casais de trapezistas, se curvaram para o público e subiram pelas cordas até os trapézios, um casal de cada lado.
GD'Art
Súbito uma calcinha voou, caindo na cara de João Fernando, para horror de Deolinda, que arrancou a peça da cara do marido e puxou-o pra fora do recinto. Dilma disse para Wandilson não olhar, tapando-lhe os olhos com a mão e puxando-o para fora.
Valdilene, horrorizada, mandou o seu esposo, Zeca Mello, lá pra fora. E seguiu atrás.
Logo estavam todos lá fora, elas sem esconder a indignação, eles rindo escondido. Elas se voltaram para Wamberto, que repetiu que realmente nunca assistiu a esse espetáculo:
“Foi você que pediu!”
Logo estariam retornando ao hotel, já aliviados, todos rindo da experiência maluca que haviam experimentado, elas falando desse ou daquele detalhe extravagante ou hilariante.
Realmente, Hemingway tinha razão: naquele tempo, Paris era uma festa!
*As Duas Bolas
**As brasileiras são doidas
**As brasileiras são doidas
1 - Com a colaboração de Humberto Espínola
2 - À memória de Arlette Denise Martin Espínola, que nos deixou, transformou-se numa bela arara, voou para a França e agora está sous le ciel de Paris!