Domingo, 12, foi Dia das Crianças. Dia de brincar, celebrar, pensar na infância, em como andam as nossas crianças. Pensar em educação, parentalidade, comportamento e tantos temas que permeiam as nossas vidas. O futuro!
Me pego a pensar na menina que um dia fui. Na primeira casa, na Rua Visconde de Pelotas. Lembro dos batentes grandes e frios, da cozinha a cheirar coentro e dos tamboretes enormes (eu tinha 3 anos), os passeios de bonde e o medo daquele quarto de pé-direito alto. Ouvia os adultos de longe. Não lembro muito do meu pai nesse tempo. Mas lembro de ter tido sarampo, de um vestidinho de galão colorido, da Lagoa e da chegada da minha irmãzinha. A ida à maternidade e a felicidade que senti. Um velocípede faz parte dessas memórias.
Depois fomos morar no Miramar. Um bairro distante. Sem calçamento. Uma ladeira em que os carros atolavam e de onde o ônibus das Lourdinas me buscava. Uma rede no quarto. As visitas de um avô distante. O meu pavor de cachorro. Minha mãe não entendia e me botava de castigo do lado de fora da casa para que eu perdesse o medo. Aumentou! A rua. A vizinhança. O Clube Cabo Branco na esquina. E uma caminhonetezinha que meu pai tinha. Os passeios à Praia Formosa.
A Rua João Amorim. Brincadeiras de rua. Teatrinho. Castigos – dormir às 7 da noite sem sono. Ser obrigada a comer carne, com horror. Carne de boi foi o meu carma. Cirurgia de amígdalas. E a primeira vez que entrei em contato com a mentira. Minha mãe me enganou para que eu me operasse. Fiquei indignada. Talvez aí, quem sabe, tenha acontecido uma ruptura de confiança. Coisas de mãe e filha. Segredos! Mas teve a chegada da terceira irmã. E eu estava de férias na Usina das primas. Chorei ao saber que tinha um bebê em casa me esperando.
Na Praça da Independência foi onde ganhei minha bicicleta, aos 10 anos. Uma liberdade nunca dantes conhecida. A praça! A mesma praça! As tardes nas varandas das amigas. Estudar para prova. Matemática e o meu martírio. Não entendia a “banda da laranja” que o meu pai tentava explicar com as frações. Primeira Comunhão. A hóstia e as confissões que eu inventava. A ida ao Conservatório e aprender a tocar os si bemóis. Andar de ônibus sozinha. Uma liberdade naquela vila que era João Pessoa. O balanço do quintal. E a descoberta do alcoolismo do meu pai. Um deserto árido a ser vivido. Eu tinha cinco anos. Mas também, aos nove, teve a chegada da irmã caçula — e eu a ninava na rede. Dormia junto. Amor!
Na Av. Camilo de Holanda eu descobri os meninos. Assistia ao “Repórter Esso” e à primeira novela na casa da vizinha. Ia a pé para o colégio. De ônibus para a aula de balé no Teatro Santa Rosa. Na esquina havia uma casa de pedrinhas cor-de-rosa. Tinha medo da noite e do escuro. Meus pais iam ao cinema. Minha mãe arrebentou o Simca no muro da entrada. Soltava estrelinha no São João. Jogava ossinho nos ladrilhos frios. Era uma menina que gostava de ficar sozinha. Nunca fui muito das bonecas. Fiquei menstruada nessa casa, e essa é uma data inesquecível. “Virei moça!”, diziam. Me envaidecia. Mas me assustavam aqueles odores nunca dantes vivenciados. E o aprendizado com o corpo: as cólicas, o Modess (só tinha ele), o fluxo, os humores e o desconhecido. A vida no colégio e o aprendizado da vida. Amigas, inveja, competição, recreio, Grapette e pastel oco. As freiras e as aulas de Ciências. Pai-Nosso que estás no céu...
Na Av. Almirante Barroso foi o endereço dos primeiros namorados. As serenatas. Os jambeiros, os tapetes fúcsia e os dentes dormentes. O Vinho Celeste para as amigas das Lourdinas. A casa dos 35 cachorros em frente à minha. O primeiro amor e as primeiras descobertas do sexo escondido. A perda da minha Tia Dodô. Uma tragédia! As festas e matinês. A Lagoa e o Estadual de Tambiá. Namorar nos bancos da Av. Duarte da Silveira. Sair escondido. O cinema. Os filmes. O jantar dançante. Meu primeiro casamento, aos 19 anos. A despedida da casa dos meus pais. E as dores do sábado. Anos 70 — a ditadura!
Minha vida de menina é marcada pelos meus endereços. Sei cada geografia da cidade, dos bairros e das casas por onde morei. O meu quarto, o alpendre, o jardim e o quintal. A atmosfera, a hora do almoço (dos Mutantes), a hora do lusco-fusco, a radiola e as músicas de Roberto Carlos, ou as dos LPs dos “Metais em Brasa” do meu pai, e as quatro filhas de bailarina pela casa.
Penso na minha criança: tímida, ensimesmada e contemplativa, mas rueira e que gostava muito de dançar. E se perdia no mar. Nos sargaços, nas conchinhas e naqueles barquinhos da Praia Formosa e do Poço. Tinha um maiô de babadinho, uma saia cinzenta que odiava, um cabelinho ralo, os olhos amarelados da mãe e sentia uma ânsia de ver o mundo. Nunca gostou de esportes, revirava os olhos para alguns artistas, de paixão, e gostava de uma boa sopa de feijão.
Minha vida de menina... já se foi faz tempo. Mas ainda aqui, me fazendo boas memórias.



















