Em criança, eu ouvia dizer: “Perfeito, só Deus”. Ouvia e ainda ouço muito, mas parece que o ser humano afirma isso e ...
Ânsia de perfeição
Amsterdã é um caos ordenado. Caminhões da limpeza urbana invadem as calçadas, mas não nos dei...
Notas de Amsterdã
Eusébio tinha obsessão pela língua portuguesa. Desde moço lia Eça, Rui, Camilo, que para ele eram os expoentes do idioma. A leitura dos...
Traição
Para Eusébio uma silabada, uma concordância malfeita, um pronome mal colocado eram crimes de lesa-pátria. Certa vez recusou-se a assinar um documento
Josué Montello dizia que escrever para jornal exig...
Dos humores da crônica
Acordou com uma sensação boa. Depois de décadas malhando na repartição, estava enfim a...
O relógio
As crises são produtivas e mesmo desejáveis. Precisa-se delas para crescer. Isso é verdade t...
Crises
Em 2023 completei 50 anos de magistério. É muito, mas não o suficiente para ter aprendido o que d...
A voz
Gosto do termo “brumas” para figurar o esquecimento. O que vivemos se perde numa massa brumosa que dissipa as impressões do que...
A busca de ser lembrado
Augusto dos Anjos é um dos poetas mais citados do Brasil. A originalidade de suas imagens e o vocabulário esdrúxu...
Augusto dos Anjos sentencioso?
As academias viraram moda. Digo “moda” porque nem sempre os que as procuram pensam na...
A beleza requer medida
Desse narcisismo faz parte o culto da imagem, a que não raro o indivíduo sacrifica a saúde física e psicológica. Vez por outra a mídia noticia o caso de alguém que, na busca pelo corpo ideal, se excede na prática de exercícios e mesmo na ingestão de anabolizantes que terminam por lhe comprometer funções essenciais do organismo.
Costumávamos nos reunir aos sábados na casa de Ferdinando, um velho amigo da adolescência, para ...
O anúncio
Acendeu a luz, pressionando o interruptor até ouvir um clique, e entrou no quarto transpondo o umbral que separava esse cômodo da sal...
Reconto (para ler cortando)
Desde que o homem é homem, tem a ambição de fabricar instrumentos que o auxiliem e eventualmente o substituam. A história humana pode...
Amor de máquina
Terminado o almoço ele se aproxima do pai, que está quase adormecendo no sofá. – Pai! – Hum. – A gente pode conversar um pouco?...
A promessa
– Pai!
– Hum.
– A gente pode conversar um pouco?
– Hum.
– “Hum” quer dizer que pode ou não?
– Pode. Mas fale logo, que eu quero tirar minha soneca.
– Tem coisas que eu gosto em você... no senhor, e tem outras que não gosto.
– Por exemplo...
– Gosto quando me leva pro cinema ou compra gibis pra mim. Não gosto quando me bota de castigo ou não me deixa jogar futebol com a turma. E sobretudo não gosto quando o senhor briga com a mamãe, como agora.
– Eu não brigo com ela. Ela é que briga comigo.
– Dá no mesmo. Fico triste de ver os dois discutindo pelos mesmos motivos. E quase sempre ela está com a razão.
– Você acha? Às vezes sua mãe exagera...
– Não é exagero. É cuidado. Ela pensa muito na casa, na família, em nós dois.
– E eu não penso?! Você é muito pequeno para entender isso. Agora me deixe dormir. – Só se o senhor prometer que não briga mais com ela.
– Por que essa conversa agora?
– Porque domingo é seu dia, eu vou ter que lhe dar um presente e não quero fazer isso de má vontade.
– “Vai ter”?
– Não se preocupe. O presente já está comprado e vou lhe dar de qualquer maneira.
Mas a gente precisava, antes, ter essa conversa. De homem para homem.
– De menino para homem, você quer dizer.
– Está vendo? O senhor não me respeita. “Menino”! O que tem demais ser menino?
– Nada, contanto que não se meta em assuntos de adulto. Com o tempo você vai compreender que brigas de casal não são o fim do mundo. Acontecem em todo casamento. Isso não quer dizer que os dois não se gostem. Pergunte à sua mãe pra ver se não é verdade. Agora vá, que já está passando a hora do meu cochilo.
O menino se afasta e volta depois de alguns minutos.
– Pai...
– O que é agora?!
– Perguntei a ela. Brigas de casal acontecem, mesmo, em todo casamento.
– Eu não lhe disse?
– Mas não precisam durar tanto tempo. Por que não aproveita, que domingo é seu dia, e faz as pazes?
– Isso deve partir de sua mãe.
– Não acho. Esse tipo de decisão deve partir do pai, que é o chefe. Ele é quem toma a iniciativa.
– Está bem. Vou pensar.
Era uma promessa, mas o menino ficou aliviado. Sabia que ele não era de quebrar promessas. Tudo indicava que teria um ótimo Dia dos Pais.
– Vamos ali, que está escuro. – Entre aquelas...
O flagrante
– Entre aquelas árvores?
– Sim. Ninguém vai ver.
– Ótimo. Tem até um banquinho de cimento...
– Fique alerta para que ninguém se aproxime.
– Ok.
– Agora deite e abra.
– Estou tentando. Parece que o fecho ecler emperrou
– Tente com mais força.
– Não consigo.
– Veja se puxando a alça...
– Já puxei, e nada.
– Então mude a posição. Vou tentar pelo fundo.
– Pelo fundo? E se rasgar?
– Tolice. Eu sei fazer com jeito.
– Então faça.
– Também está difícil... Vamos tentar de lado.
“Barbie”, o filme, não é brinquedo. Nada tem a ver com a exaltação glamurosa da boneca que despertou precocemente as meninas para a...
''Barbie'', uma alegoria feminista
"Marlene vê Nossa Senhora” – falou minha mãe com o ar muito sério. Isso era um anúncio e uma advertência. Significava que...
Surpresa no sítio
Li que as funerárias estão em crise devido à estabilização da taxa de mortalidade. Antigamente morri...
Marketing funerário
Torço pelo Botafogo desde que, menino de calças curtas, vi Garrincha atuar no time. Posso dizer que minha escolha se fez certa por pe...
Um brilho de alegria
Com o tempo, passei a identificar Garrincha como a melhor representação do emblema do time – a estrela solitária. Seu drama pessoal, marcado pelo alcoolismo e por uma ingenuidade que o levou a ser explorado por empresários do futebol, dava-lhe um brilho que repercutia no meu ânimo de torcedor. Ele era também a alegria do povo.
O assunto dos últimos dias nas redes sociais, e mesmo fora delas, tem sido a implosão do Titan. A simulação do que teria ocorrido com o...
A regra é sobreviver
Houve quem se decepcionasse ao saber que eles morreram “sem sentir nada”. Mas como, se eram bilionários que por espírito de aventura, ou mesmo para se distrair, resolveram mergulhar para ver os restos do Titanic? Como terem placidamente sucumbido quando milhares de imigrantes vêm perdendo a vida em naufrágios de precárias embarcações? Não era justo!
Essa é uma ponderação pouco sensata, pois morte é sempre morte. O fato de os cinco serem endinheirados não deve diminuir o pesar por uma tragédia que também representou frustração quanto aos planos, por exemplo, de aperfeiçoar a engenharia náutica. Se não fossem os aventureiros que com ousadia exploram a Natureza e ampliam o conhecimento humano, ainda morreríamos de doenças hoje erradicadas ou de muitos eventos naturais.