Cultivo o silêncio. Aquele em que converso com meus pensamentos.
Apreender o silêncio é complexo e preciso de um ritual para exercê-lo. Não é somente a ausência da fala, dos sons banais do cotidiano, da música. É mais profundo, está ligado à importância com que compreendo o mundo e entendo o que sinalizam minhas interrogações.
O silêncio acontece em momentos inusitados, quando estou desenhando, lavando pratos, observando o nascer do sol, ou nas madrugadas insones. Há uma força intricada
Você já tentou abrir a tela vazia do seu computador e se determinar a escrever qualquer coisa, algo simples, coloquial, besteiras de amor, paixão ou olhares que lhe fugiram?
Não é tão simples assim. Você escreve, apaga, torna a escrever, apaga e nestes infinitos gestos vão-se os minutos, os segundos e acaba a primeira hora.
Todas as manhãs de domingo ele saía silencioso do quarto. Ia à padaria, comprava pães quentes, derretia queijo, fazia café, tirava as sementes do mamão. Trazia até a cama e me acordava com brincadeiras. Fazia tudo isso sagazmente, premeditando receber recompensas.
Ando tão turbulenta, tão indócil.
Que só as palavras escritas me dão paz.
Sei que sou intensa, dramática, instável.
Gosto da vida e o que ela me traz de doce ou amargo.
Sei que vim para aprender e a cada dia me torno mais sábia
Ou, por que não, mais vazia
Choro de dor, piedade, saudade, amor.
Gargalho alto sacudindo corpo e alma.
A alegria habita em mim, mas às vezes me deixa extenuada.
Morei em Recife durante algum tempo e o que mais ouvi foi a frase: não pode... é perigoso. Chegou o carnaval, que eu adoro, e tudo não podia. Ver a saída do Galo da Madrugada... não pode, muito perigoso. Acompanhar os blocos... perigoso. Olinda? Que doida você é?
O carnaval acontecendo e eu cercada de “não podia”. Lembrei que eu fora, durante anos, rodeada de nãos e minha alma rebelde falou baixinho em meu ouvido – o que você pode perder? Eu que vivi chorando perdas, perder o que mais?
Sem dúvida, aquele final de semana foi diferente ou talvez, estranho demais para ser ignorado. Numa sexta-feira pela manhã, havia tomado a terceira dose da vacina, e, à tarde, mesmo com o braço doendo um pouco, resolvi encarar uma faxina na varanda.
Bendito o tempo que conduz nossa vida, que acrescenta experiência, que nos dá sapiência, que oferece a oportunidade de construirmos nossa identidade, que nos proporciona astúcia para compor uma biografia.
O envelhecimento vem me ensinando a viver plenamente, e a abraçar a vida com sentimentos de amor-próprio. Vejo com clareza meu sentir e o quanto sou corajosa em redesenhar o roteiro da vida. Concluo que a felicidade está em mim. Reconheço minhas imperfeições, meus medos, minha vulnerabilidade, mas sou a dona do meu espaço amoroso e nada abalará essa enorme certeza do quanto minha vida é rara e preciosa.
Quebrei uma ponta do dente da frente. Primeiro, foi o susto e depois, ao olhar no espelho, enxerguei um buraco negro do tamanho do mundo. Não havia nada a fazer às 23 horas de uma sexta-feira. Mesmo tendo a melhor dentista e amiga, nunca a incomodaria em tal horário.
Pesarosa, fui dormir. Mas, todos conhecem os pensamentos ruins que surgem nas madrugadas. Comigo não foi diferente. Imaginava que o dente quebrado não teria como ser consertado, teria que fazer um implante. A causa provavelmente era a velhice, que fatalmente enfraquecia os ossos. Ou era deficiência de uma das vitaminas A, B, C, D, ou E... sei lá. Era falta de cálcio. Porque não tomei leite, que detesto, ou comi peixes, brócolis, agrião, acelga?
Se hoje alguém me perguntar o que mais sinto saudades, eu digo pesarosa, da minha alegria. Gosto de gargalhar, de sorrir para desconhecidos, de demostrar satisfação e carinho com abraços apertados. Ultimamente, isto é impossível. Claro que a situação não está fácil para ninguém e as perspectivas futuras não se mostram muito otimistas. Percebo, numa quase unanimidade, que as pessoas andam carrancudas, cheias de verdades, raivosas, tanto que retraio minhas demonstrações de euforia.
Dia das mães é aquele em que se desperta o afeto que reside na essência de cada um de nós. É onde buscamos lembranças da mãe trazidos da infância, momentos felizes, as zangas, castigos que são encarados como afagos. Depois, surgem as lembranças da adolescência, com seus conflitos aflitos, discordantes, às vezes ocultos. Mais tarde, já adultos, guardamos as lembranças calmas, amistosas, aquelas onde confrontamos nossa situação de pais e nos vemos repetindo atitudes iguais àquelas que antigamente recusávamos, que nos constrangiam, irritavam.
Sabe quando você pensa no quanto já viveu e surge aquele pensamento de dúvida sobre o quanto existe para viver mais? Estou assim, ocupando o tempo sem realmente entender as noites e dias, os acontecimentos abalando o mundo, as pessoas distantes que não abraço mais.
Você sabe quantos anjos podem dançar na ponta de uma agulha? Ou quantos dedos dos pés são necessários doer para sentir que é hora de tirar os sapatos de salto alto e deixá-los soltos ao vento?
Você sabe quanto vento bate na sua cortina ou assanha seu cabelo e suas pestanas ao ponto de você não conseguir respirar? Respirar é mesmo necessário? Quando é que respirar faz entender que estamos vivos?
Ontem arrumei um dos armários. Sabe aquele que fica no outro quarto e você vai protelando a arrumação? Pois é. Peguei firme e fui olhando cada lençol, cada fronha, cada toalha de banho. Por mais que eu seja prática, ainda assim, há um excesso que fui eliminando para que seguissem outro destino.
É dezembro porque as músicas de Natal estão surgindo timidamente. Mesmo que os grandes comerciais com trenós, renas e um Papai Noel rosado e sorridente tenham ficado escassos, em algumas varandas persistem luzinhas coloridas e na recepção do prédio montaram uma vistosa árvore de Natal, mesmo assim, é um dezembro estranho, chocho.
Nenhuma história que se faz no decorrer da vida tem maior importância do que outras já feitas, nem mais felizes, tristes ou significativas. É apenas mais uma e por si só, deve ser respeitada seja como experiência, seja por vergonha de a haver feito, ou pelo prazer de a haver saboreado.
Quando ponderamos que já temos uma história bem vivida, que fizemos a trajetória comum a todos os homens e mulheres, que aproveitamos muito sol, nos divertimos largamente em festas, trabalhamos com empenho, dançamos com prazer, viajamos por lugares desconhecidos, neste momento, chega a vida e nos encara, nos faz tropeçar e abre um novo e difuso caminho.
Todos nós procuramos ser felizes, mas a expectativa da velhice causa um certo temor, um receio do que nos proporcionará a felicidade nesse último período da vida.
Contam que há uma loja onde compram e vendem tempo. É uma loja agitada, pois, além de vender, ela também faz permutas. Se alguém tiver um tempo sobrando, pode oferecê-lo a outro que precise de mais tempo.
Quando pensamos que a porta está definitivamente fechada, alguém sopra com força a janela e nos escancara um novo mundo, cheio de paisagens desconhecidas, deslumbrantes. Aí, o instinto de proteção dá um sonoro aviso de alerta, que surdamente ignoramos.
Mesmo que as certezas nos resguardem de sofrer, nos peçam cautela e atenção, mesmo assim, nosso ímpeto de buscar o desconhecido prevalece e deixamos o destino tecer suas tramas e nos enredar em histórias e sonhos.
Foi assim comigo. Quando revejo o passado, assusto-me com a impetuosidade que vivi, as maneiras que o destino manipulou meus passos, as múltiplas vezes que tive que derrubar casas e reconstruí-las novamente em outro lugar, em outra vizinhança. A vida acabou me ensinando que as situações idealizadas são frágeis e que é melhor aceitar os vários recomeços, os vários tropeços com valentia, com coragem e sem lamentos.
Os caminhos podem ser conhecidos e certos, mas a força do que nos rege, acrescenta pedras a serem afastadas, montanhas a serem subidas, descidas íngremes que diminuem o ritmo de nossos passos e nos presenteiam ao final, com lindas paisagens, ipês-amarelos no meio de um pasto todo verde, brisa morna com cheiro de mato.
Nestes últimos meses, aprendi muito sobre a imprevisibilidade. Todas as prioridades, os planos, as passagens para viagens agendadas, tudo estagnou de repente para que eu preservasse a vida. Fiquei só, por longos cento e quatorze dias.
Tive a oportunidade de colocar em prática a palavra “solitude” que, segundo o dicionário Michaelis, é uma palavra poética, diferente da solidão que expressa a dor de estar sozinho, a solitude expressa a glória de estar sozinho. É a solitude que nos oferece a oportunidade de apreciar o silêncio, o tempo e principalmente, a beleza. A solitude me abriu um mundo mais íntimo, mais rico de conhecimento, mais perceptivo sobre o que vale a pena investir e principalmente, do que vale a pena desejar.
Celebro esse tempo comigo mesma, cheia de gratidão. Continuo acreditando que o imprevisível, seja lá chamado de destino, acaso, fatalidade, tem verdades que não somos capazes de entender. É aceitar, realinhar o rumo e seguir a vida.
Coisinhas me encantam. Aquelas que se desapegam do conjunto. Uma xícara sem o pires, uma concha trazida da praia, uma flor que coloco entre as páginas dos livros. É um sentimento de gratidão pela existência das coisas simples, as que me fazem recordar momentos, pessoas, situações.