Ele chamou de irreverentes os seus ensaios reunidos em livro recentemente publicado (Editora A União, João Pessoa, 2025). E de fato o são, na medida em que não presta reverência acrítica aos autores que comenta, alguns deles verdadeiros ídolos para muita gente. Mas eu quero chamá-los de destemidos, já que alguns vão na contramão dos juízos estabelecidos. Clemente não se intimida com reputações e defende suas opiniões com argumentos respeitáveis. Merece respeito, pois.
Sabemos que a crítica e a universidade consagram certos autores, transformando-os praticamente em sinônimos de perfeição literária. Essa consagração por parte dos doutos nem sempre é compartilhada pelos leitores comuns, os quais, não raro, nem conseguem ler os tais ungidos, guardando, entretanto, em relação aos mesmos, uma
Clemente Rosas
Roberto Guedes / EPC
Roberto Guedes / EPC
Clemente Rosas não embarca nessa canoa furada e se dispõe a discutir algumas consagrações “indiscutíveis”. É o caso, por exemplo, de Guimarães Rosa, uma quase unanimidade pouco lida. E geralmente, quando lida, pouco compreendida. O que é compreensível, diga-se, pois, convenhamos, qual o simples mortal capaz de decifrar a misteriosa palavra “Nonada” logo de cara, na primeira página de Grande Sertão: Veredas? E por aí vai o vasto romance, desbravando áridos caminhos linguísticos, plenos de palavras e expressões enigmáticas. Observe-se que Clemente é um homem culto, não é nenhum idiota que fala sem pensar. E no entanto não teme escrever o seguinte, com sua visão “não apologética”:
“Quanto a Grande Sertão: Veredas, considerado a obra-prima do escritor, faço restrição ao seu formato: um ‘tijolaço’ de mais de 450 páginas, sem divisão em capítulos e quase sem parágrafos, com uma estrutura narrativa de vai e volta, que confunde o leitor, além do esforço que lhe é exigido para vencer frases tortuosas, pontuadas de neologismos e jargões desconhecidos. Na minha modesta opinião, antes de tudo, um desrespeito ao público, para quem, afinal, é feita a literatura”.
Guimarães Rosa
As palavras acima podem perfeitamente ser aplicadas ao Ulisses, de James Joyce, e com menor ênfase aos livros de José Saramago, outro autor avesso a parágrafos e pontuações. Existem outros exemplos, o leitor sabe, aqui e em outros lugares. De modo geral, constata-se o apreço da crítica por autores herméticos, a despeito da distância que os leitores comuns costumam guardar relativamente a suas obras. E a expressão “leitores comuns”, é bom frisar, não possui aqui sentido pejorativo, mas refere-se ao grande público consumidor de literatura, aquele destinatário final – e incontornável – de qualquer livro, que vai às livrarias desarmado de teorias, apenas em busca de uma leitura inteligente, prazerosa – e inteligível.
James Joyce
Reconheçamos, todavia, que nem só desses ensaios “não apologéticos” se compõe o livro do autor. Há também lugar para abordagens menos contestatórias. No conjunto, o livro de Clemente Rosas é um convite à reflexão, como devem ser os livros bons, a despeito da concordância ou da divergência que o leitor possa ter relativamente às suas opiniões. Vê-se que a obra traz a marca da intelectualidade do ensaísta, bem como de sua seriedade pessoal, esta já conhecida por aqueles e aquelas que o conhecem e admiram.
Clemente Rosas
Fundação Joaquim Nabuco
Fundação Joaquim Nabuco
Os Ensaios Irreverentes, corretamente editados com o selo cada vez melhor de A União, merecem ser lidos e apreciados. Constituem, sem dúvida, uma publicação de elevado nível, chegando mesmo a se destacar no cenário cultural paraibano, no conteúdo e na forma.
Não é de hoje que Clemente Rosas é um dos nossos mais respeitáveis intelectuais, sempre produtivo e atuante, a despeito da notória discrição pessoal e do voluntário exílio na paradisíaca Formosa. Por isso, exemplifica, como poucos, na reserva e na sobriedade, a máxima de que, geralmente, menos é mais.