Verbo vicário é o que se usa em lugar de outro, anteriormente citado, para evitar-lhe a repetição. É da palavra latina “vicarius”, substituto, que se originou, por via erudita, “vicário”, e, por via popular, “vigário” (o sacerdote, o substituto do bispo), e suas formas derivadas, como “vigarice”, “vigarismo”, etc., que se relacionam ao “conto do vigário”, isto é, ao conto do substituto (a vítima leva o substituto do que acredita estar levando). Há autores que chamam o verbo vicário de “verbo pronominal”.
A revista Istoé, vol. 31, nº 2042, de 24-12-08, apresenta nas p. 70-72 uma reportagem intitulada “Os fantásticos passageiros da sinestesia”, na qual declara que “apenas um a cada mil indivíduos é portador de sinestesia”, e data de 1880 a primeira descrição do fenômeno, feita por Francis Galton, primo de Charles Darwin. A sinestesia não é algo de que algum privilegiado seja portador, porque é uma mistura de sensações existente com maior ou menor intensidade nos falantes de qualquer língua. Antes de Galton, contudo, no livro de poemas intitulado Fleurs du mal, de 1857,
Os gramáticos costumam usar os termos pátrio e gentílico como sinônimos. Celso Cunha e Lindley Cintra, em sua Nova gramática do português contemporâneo, estabelecem uma distinção que alguns dicionários registram: os adjetivos que se referem a continentes, países, estados, cidades, municípios ou regiões são os pátrios. Os que se referem a raças e povos são os gentílicos. Os pátrios opõem-se aos ádvenas, isto é, aos não-nativos. Infelizmente, aqueles autores não dão exemplos de gentílicos, mas apenas de pátrios.
O cisne não canta antes de morrer, afirma Pablo Neruda no seu livro autobiográfico Confesso que vivi. O avestruz não enfia a cabeça na areia para esconder-se do mundo, segundo a crença popular. Na verdade, o avestruz envia a cabeça na areia para comer. As aves costumam comer areia para ajudar na digestão. Charles de Gaulle não disse que o Brasil não era um país sério. Quem o disse foi o embaixador Carlos Alves de Sousa, por ocasião da Guerra da Lagosta.
Os gramáticos definem a hipálage como um expediente retórico segundo o qual uma palavra ocupa numa frase o lugar que convém logicamente a outra que com ela mantém um vínculo semântico-gramatical. Quando Guimarães Rosa fala em “presentes mágicos dos reis”, num dos seus poemas, ele desloca o adjetivo “mágicos” de “reis” para “presentes”: os reis é que são mágicos (magos), não os presentes. Quando fala no “apetite necrófago da mosca”, Augusto dos Anjos pretende dizer, retoricamente, que a mosca é que é necrófaga, não o apetite. Ao falar, em Os Lus. X, 2, em “abundantes mesas de altos manjares”, Camões quer dizer, retoricamente, “abundantes manjares de altas mesas”. O dicionário do Aurélio apresenta vários exemplos interessantes de hipálage em Miguel Torga, Dalton Trevisan e Eça de Queirós.
No calendário de Rômulo, o primeiro rei de Roma e seu fundador, o ano começava em março e tinha dez meses, cujos nomes primitivos eram Martius (em homenagem ao deus da guerra, Marte), Aprilis (nome relacionado a Apros ou Afros, designativo de Afrodite, nome grego da deusa Vênus, a quem abril era dedicado); Majus (em homenagem à deusa Maia, uma das Atlântidas, amada de Júpiter e mãe de Mercúrio), Junius (em homenagem à deusa Juno, equivalente à deusa Hera dos gregos), Quintilis, Sextilis, September, October, November e December. A relação de aprilis com
O homem, assim como a maioria dos animais, tem dois instintos básicos: o da conservação da espécie e o da conservação do indivíduo. O primeiro, que é o instinto sexual, leva-o a acasalar-se, a constituir família, a ter prole. O segundo leva-o a procurar alimento para manter-se vivo.
Diz a lenda da fundação de Roma que Amúlio depusera o irmão Númitor do trono de Alba Longa e fizera assassinar todos os seus filhos homens; a filha Reia Sílvia fora obrigada a tornar-se vestal, mas, quebrando o voto de castidade, deu à luz os gêmeos Rômulo e Remo, que Amúlio mandou afogar, lançando-os ao Tibre, numa cesta de palha. Mas a cesta não afundou, e a correnteza do rio levou-a à margem, até uma figueira, de onde uma loba os teria levado para uma gruta, e amamentado, até que fossem encontrados pelo pastor Fáustulo
Por que se diz “fazer ouvidos de mercador”? Na pesquisa das origens de frases feitas (Origens de anexins, proloquios, locuções populares, siglas etc. 2.ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1909), Castro Lopes deu asas à imaginação, e muitas de suas hipóteses devem ser descartadas, por carecerem de explicação convincente.
Edward Lear foi um pintor e ilustrador inglês que viveu no século XIX e que ficou famoso por divulgar uma forma de composição em verso em que mescla nonsense com humor absurdo. Essa composição poética se chamou limerique, nome talvez oriundo de uma cidade irlandesa chamada Limerick.
Uma propaganda de bebida informa que se trata de “uma cerveja que desce redondo”. Não poucos estudiosos se debruçaram sobre essa frase, para concluir que redondo está aí como advérbio e que, portanto, não há concordância com cerveja, já que os advérbios são palavras normalmente invariáveis (os casos de flexão com advérbio são raros, mas existem, como, por exemplo, em “ela estava toda nua”, em que toda, embora advérbio, com o sentido de totalmente, se flexiona no feminino; compare-se “toda nua”
As aventuras de Alice (no país das maravilhas e através do espelho) oferecem ao leitor mais atento algumas sugestões para a explicação de importantes problemas linguísticos, psicológicos e até biológicos. Lewis Carroll não era um especialista da linguagem. Por isso mesmo, o que me chamou a atenção foram duas verdades inventadas por ele, ambas de interesse para o estudioso da linguística ou da semiótica.
Há três tipos de nomes para os dias da semana: os da astronomia ou planetários, os da mitologia nórdica e os numerados, reminiscência da tradição cristã de numerar os dias a partir do sábado.
Na nomenclatura planetária, partia-se dos planetas conhecidos da época, por ordem decrescente da distância da Terra: Saturno, Júpiter, Marte, Vênus e Mercúrio. Se terminarmos a contagem pela Lua e pusermos o Sol no centro, teremos a seguinte ordem astrológica:
Há duas forças na língua que, segundo Saussure, se opõem simultaneamente: o espírito de campanário (esprit de clocher) e o espírito de intercurso. O primeiro visa a assegurar a estabilidade da língua diante de influências estrangeiras; o segundo opera de forma a permitir a entrada na língua de empréstimos e estrangeirismos.
Há gramáticos, entre os quais Napoleão Mendes de Almeida, que repudiam como erradas as expressões tevê a cores e tevê de cores, e recomendam apenas tevê em cores, sob a alegação de que, no Brasil, não se diz tevê a preto e branco, mas apenas tevê em preto e branco. Na verdade, a expressão tevê em cores é menos vernácula do que tevê a cores, já que tevê em cores me parece um galicismo (Cf. télé en couleurs). Em Portugal, diz-se televisão a cores/a preto e branco. Ora, as preposições a, de e em, com frequência, se podem intercambiar em várias expressões, sem que se possa afirmar que apenas uma seja a correta. Senão vejamos: fogão à lenha / de lenha; panela de pressão / à pressão; vestido de muitas cores / em muitas cores;
Segismundo Spina, no livro Episódios que a vida não apaga (São Paulo: Humanitas FFLCH/USP, 1999, p. 149) afirma que o “Aurélio não tinha, como não tiveram os próprios dicionaristas Cândido de Figueiredo e Laudelino Freire, estofo filológico para um trabalho sério, no campo da lexicografia”. Também não têm estofo os responsáveis pelos verbetes do Dicionário Houaiss. Eis, numa análise rápida, algumas inadequações que revelam ou a pressa ou a incompetência dos que elaboraram o léxico do Houaiss. Consulto o CD de 2009, da ed. Objetiva.
O nome cardinal vem do adjetivo latino cardinalis, que significa “principal”, donde a expressão cardinales numeri, isto é, “números principais, que servem de base a outros”. É da palavra cardinalis, latina, que vêm o substantivo cardeal para designar o prelado religioso e o adjetivo que designa os pontos principais de orientação (pontos cardeais).
Um gramático ensina que se deva dizer “anos sessentas”, flexionando-se o numeral cardinal. A ideia básica é a de que, se dizemos que há dois sessentas no número 6060, então devemos também dizer “anos sessentas”, já que a dezena se
repete a cada ano: 1961, 1962, etc.. O argumento não é convincente, e a lição carece de respaldo documental, uma vez que não existe usuário culto da língua (escritor, filólogo, linguista) que pluralize o cardinal depois do nome.
O numeral cardinal tem basicamente duas funções semânticas e duas funções sintáticas, dependendo de sua posição em relação ao substantivo. Se vem antes do nome, o numeral cardinal participa da natureza do pronome indefinido, mas é quantificador determinado, e sua função semântica é de numerativo (na terminologia de Halliday e Hasan, no livro Cohesion in English, London: Longman, 1976, p. 40-41). Sintaticamente, é um adjunto adnominal. Nessa função, alguns numerais cardinais se flexionam, como um, dois e os terminados em –entos. Ex.: duas casas, duzentas obras. Mas, variando ou não, o numeral cardinal, na função semântica de numerativo e na função sintática de adjunto adnominal, é sempre um determinante do nome.
Quando vem posposto ao nome, porém, o numeral exerce função semanticamente classificatória e sintaticamente apositiva (aposto especificativo) e é invariável: prédio dois, casa um, apartamento cento e um, revólveres 38, calibre 45, anos sessenta.
Em seu emprego isolado, isto é, como núcleo de um sintagma nominal, o numeral cardinal também funciona como um pronome indefinido, como um quantificador determinado. Cf.: “Pedro, José, Maria e Clara não voltaram ainda. Os quatro saíram cedo, todos com pressa.” Segundo Halliday e Hasan, p. 147 e ss. da obra citada, só existe elipse nominal quando o nome elidido é recuperável anaforicamente, e um termo periférico do nome elidido assume a função nuclear. Assim, o termo “os quatro” da frase acima, sujeito de “saíram”, não pressupõe a elipse de nenhum substantivo e equivale ao emprego de “todos”, sujeito da oração seguinte.
Quando se diz “prova dos noves”, “os oitos”, “os cincos”, o numeral passa a ser substantivo (derivação imprópria) e flexiona-se em número. Como substantivo, o numeral cardinal pode exercer uma função nuclear (de sujeito, de predicativo, de objeto direto,
de objeto indireto, de complemento nominal) ou uma função periférica (de adjunto adnominal ou de aposto). Assim, por exemplo, temos: “Os quatros que ele desenhou parecem noves”, “Gostei dos oitos que ele desenhou” etc.
Em sua função classificatória, o numeral cardinal é invariável porque é um aposto especificativo, como em “professores adjuntos quatro”. Os termos que exercem a função de apostos especificativos pospostos ao fundamental, normalmente não se flexionam, como, por exemplo, sequestros relâmpago, desvios padrão, operários padrão, comícios monstro, vestidos laranja, tons pastel, elevadores Nacional, contas fantasma, cópias xerox, etc. Esses apostos às vezes se confundem com palavras compostas, como em: bananas-maçã, canetas-tinteiro, mangas-rosa, salários-família, em que o segundo elemento não varia por restringir a significação do primeiro ou por indicar-lhe destinação ou fim (como em navios-escola). Se o segundo elemento não restringe a significação do primeiro, ambos geralmente variam, como em: cartas-bilhetes, cirurgiões-dentistas, decretos-leis, etc. No caso do numeral, se ele exerce função classificatória (de aposto especificativo), só o fundamental varia: revólveres trinta-e-oito ( e não “trintas-e-oitos”), anos sessenta (e não “anos sessentas”). Se o aposto especificativo não for um numeral cardinal, ele pode confundir-se com um adjunto adnominal e flexionar-se, como em Casas Pernambucanas (Cf.: Casas Aurora, Livrarias Santana, Lojas Pet, Óticas Visual, etc.). Atente-se para o fato de que em nenhuma língua neolatina o numeral cardinal posposto ao nome se flexiona. Cf. “les années soixante”,
“los años sesenta”, etc. Não há, pois, nenhuma razão para pleitear que o numeral posposto ao nome se flexione em português. Em italiano, o século pode ser designado pela centena que o caracteriza, como, por exemplo, “l'ottocento”, que indica o séc. XIX.
Equivocam-se, portanto, os que pleiteiam a flexão do numeral cardinal posposto ao nome. A única exceção se dá com o nome “página” (ou “folha”). Com “página”, no singular, o cardinal posposto fica sempre invariável; com “páginas”, no plural, o cardinal posposto pode flexionar-se em gênero: “à página dois”, “a páginas duas” (Cf. BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. 37 ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Lucerna, 1999. p. 207.) Essa concordância excepcional do cardinal posposto ao nome origina-se talvez da analogia com a expressão “a folhas tantas”, “a páginas tantas”.
A função classificatória também é exercida pelo pronome possessivo. Quando digo “meu livro”, estou dizendo que possuo o livro. Mas, quando digo “meu avião sai às 10h”, ou “minha poltrona no cinema é par”, não estou indicando posse, mas classificando.
A metátese é a troca de sons no interior de uma palavra na mesma sílaba, como pregunta (por pergunta) semper (por sempre), por exemplo. Quando a troca de sons ocorre distante, na mesma palavra, em sílabas diferentes, como estrupo (por estupro) ou cardineta (por caderneta) ou entre palavras, como em transmimento de pensassão (por transmissão de pensamento), por exemplo, ela tem o nome de hipértese.
Quem escreve – ainda que um simples bilhete – tenta afastar-se do falar cotidiano, tenta usar uma linguagem diferente da que está habituado a usar. E escrever poemas é distanciar-se ainda mais da fala do dia a dia. É trabalhar a língua, é subverter a sintaxe, é falar à alma. Por isso, as primeiras manifestações literárias de um povo costumam ser em versos. Quando não havia escrita, as histórias se contavam em poemas, porque as rimas ajudavam no processo de memorização e facilitavam a transmissão da cultura, de geração a geração. A perpetuação da ficção da comunidade ágrafa e da sua cultura – essa terá sido a primeira função da poesia.