As aventuras de Alice (no país das maravilhas e através do espelho) oferecem ao leitor mais atento algumas sugestões para a explicação de importantes problemas linguísticos, psicológicos e até biológicos. Lewis Carroll não era um especialista da linguagem. Por isso mesmo, o que me chamou a atenção foram duas verdades inventadas por ele, ambas de interesse para o estudioso da linguística ou da semiótica.
John Tenniel, 1889
Em outras palavras, Lewis Carroll inventou uma belíssima explicação para a eterna briga entre cães e gatos: o “sim” em gatês equivale a um “não” em cachorrês, e vice-versa! Si non è vero...
Lewis Carroll — e aqui vai sua segunda invenção da verdade — também questiona, com sutileza, o conceito tradicional do pronome como substituto do nome. Quando o Mosquito dentro do espelho pergunta a Alice se ela não gostaria de perder o próprio nome, ela responde que não. E o Mosquito argumenta: se ela não tem nome, a governanta não poderia chamá-la para as lições da escola. Mas Alice responde que,
John Tenniel, 1889
Nessa passagem, há um questionamento a respeito do conceito de pronome. De início, Alice contradiz a definição tradicional de pronome como substituto do nome: se ela não tem nome, pode ser chamada pelo hiperônimo menina (Miss!) ( = senhorita.)
Isso significa que menina também é um substituto do nome, e não se constitui num pronome. Mais adiante, Alice, sozinha, esquece o nome das coisas e o seu próprio nome. E diz, enquanto anda:
“(...) depois de tanto calor, ficar dentro de... dentro... dentro de quê? (...) Eu quero dizer ficar debaixo de... debaixo de... debaixo disto, ora!”
E colocou a mão no tronco da árvore, surpresa por não saber que se tratava de uma árvore:
“É possível que não tenha nome nenhum... vai ver, não tem mesmo.”
Ibidem, p. 230
John Tenniel, 1889
Isso significa que, intuitivamente, Lewis Carroll inventou a verdade de que o pronome deve ser historicamente anterior ao nome, já que se pode usar o pronome para coisas que ainda não têm nome ou para coisas cujo nome se ignora. Se não conheço uma pessoa, pergunto a quem a conhece: “Quem é essa pessoa?” Uso dois pronomes que se tornarão desnecessários no momento em que eu aprender o nome dessa pessoa.
* Ver ORTEGA Y GASSET, José. A rebelião das massas — trad. de Herrera Filho — Rio de Janeiro: Livro Ibero-Americano, 1971, p. 26, nota 5, de rodapé: o autor diz que, na Inglaterra, as listas de residências indicavam junto a cada nome o ofício e a classe da pessoa. Por isso, junto ao nome dos simples burgueses aparecia a abreviatura s.nob., que quer dizer, “sem nobreza”. Essa seria, segundo ele, a origem da palavra snob.
A lição de moral, se é que alguma lição tenha moral, é que não basta o acaso de uma maçã para dar ao Homem o fogo de Prometeu, a descoberta da lei das atrações ou a felicidade da perda do paraíso da ignorância. O progresso da humanidade nasce mesmo é da intuição mágica das grandes sensibilidades, que faz a fama do gênio e a conquista das ciências.