O Afeto era jovem e belo, talvez um pouco triste... e, passando para além de suas serras, encontrou a Criatividade, com um sorriso maroto....
O afeto e a criatividade
Estamos em agosto ou em dezembro? Inverno ou verão? Será que o calendário corresponde às mudanças que estamos percebendo? Esses questionam...
Do tempo e dos resedás
No último final de semana, uma cor amarela aparecia em meio ao verde, na estreita faixa florestal, motivando paradas estratégicas para fotografias. E, com uma aproximação maior, a confirmação: A estrada para Natal surpreendia, com novidades! Eram flores de Pau-Ferro, na copa das árvores e os arbustos da Rosa Brasileira, e ainda umas delicadas, em cachos da Acácia Sena. Riquezas da Mata Atlântica que ocorrem no verão, (principalmente as duas primeiras), com os Ipês promovem um espetáculo de cores, aromas e beleza. Mas, ainda teremos vários meses para esperar…
Os poetas sempre foram fascinados pela loucura, e muitos a sentiram na pele. Alguns inclusive, atingiram seus limites, como Sylvia Plath. ...
A escolha
No silêncio decretado do domingo, o amanhecer teve o ritual do preparo do café, e uma louça a ser lavada, levou o olhar à janela para o mu...
Onde está o teu tesouro
O som de um automóvel, surgiu para quebrar a abstração. E, no terreno anexo, uma pessoa abriu o portão de acesso... um homem alto, magro, pele muito clara, entre 65 e 70 anos, vestido com bermuda, camiseta, boné e luvas cinza. Nos braços, uma pá, uma enxada e um balde. Apoiou seu material no chão, e iniciou um trabalho. Recolheu pedras, de uma por uma que foi encontrando. “ No meio do caminho, tinha uma pedra, tinha uma pedra, no meio do caminho” (Carlos Drummond de Andrade). Empilhou no canto do muro. Não havia pressa nesse ir e vir. Quando se curvava, era visível os cabelos brancos que escapavam da nuca desprotegida. Durante horas, pacientemente, executou sua tarefa.
No dia seguinte, pontualmente às seis horas, o mesmo ruído metálico... e a segunda surpresa prendeu a atenção. Capinou com afinco, como se o senhor daquela terra o obrigasse... não poupou a vegetação nativa: matos, jurubebas, urtigas, carrapateiras, melão de São Caetano e a indomável tiririca. Quando o sol esquentava, o suor colava a roupa ao corpo, procurava a única árvore existente, e à sua sombra descansava por poucos minutos. Retornava mais disposto.
O que levaria um homem dessa idade, que provavelmente exerceu outra função antes de se aposentar, a enfrentar semelhante desafio? Transformar um terreno baldio, abandonado, oferecido e rejeitado por compradores?
“Uma pessoa continua a trabalhar, porque o trabalho é uma forma de diversão. Mas temos que ter cuidado para não deixarmos a diversão tornar-se demasiado penosa” (Nietzsche).
À medida que arrancava os indesejáveis habitantes vegetais, separava em montes, distribuídos simetricamente.
A curiosidade do não conhecido, não decifrado, deixava a observação mais interessante. O que pretendia esse senhor? Uma futura construção? Exercitar a forma física com tal atividade muscular e aeróbica? Sua preocupação com os espaçamentos, com a ordem, não passaram desapercebidos. O obsessivo é um trabalhador modelo, pois seu Superego é excessivamente severo e rude, exigindo do Ego, uma organização, um excesso de consciência, uma perfeição...
Essa fase, foi a mais demorada, consumindo toda a semana. Na segunda feira seguinte, chegou com sacos de lixo grandes, onde colocou tudo que separara, então seco, e mais fácil de acondicionar. Levou cada volume para o carro, em várias viagens, até que nada mais restasse.
“Não posso imaginar que uma vida sem trabalho seja capaz de trazer qualquer espécie de conforto. A imaginação criadora e o trabalho, para mim, andam de mãos dadas, não retiro prazer de nenhuma outra coisa”. (Sigmund Freud).
O próximo tempo foi o preparo da terra, com um grande rolo de mangueira preta, distribuindo de forma retangular, por toda a extensão do terreno. Irrigação pronta, obra concluída e testada com sucesso, expediente encerrado. A observação curiosa chegou ao ápice, o que aconteceria na sequência dos fatos? “A curiosidade matou o gato, mas a satisfação trouxe-o de volta” (Eugene O ‘Neil).
Chegou cedo, e às seis horas, já estava em ação. Cavou depressões circulares, seguindo uma linha imaginária e proporcional. E... começou a plantar. . . bananeiras!!! Olhou uma por uma, até que se formassem pequenas lagoas... que surpresa, uma escolha incomum! Bananeiras cultivadas como flores no jardim. Jorge Ben Jor, fez sucesso com a música: “Olha a banana, olha o bananeiro”... mas o único som, vinha da água que jorrava...
O tempo não o apressava, o prazer ultrapassava a própria imagem, como se nada quisesse perder das atividades. Pequenas folhas, em formato de cone foram surgindo. . . e, ele parava e olhava como se filhas fossem. O homem em questão, de pontualidade kantiana, também se amoldava à sua Teoria de Apropriação: “um homem assume determinada conduta em relação a certo objeto, ele torna-se dono do mesmo, e adquire em relação aos demais seres humanos o direito de excluí-los do uso do objeto”.
Direito conquistado com muito esforço e dedicação. Em Matheus 21.6, a perfeita interpretação de todo o processo acompanhado da janela: “onde está teu tesouro, ali está o teu coração”. Afinal, o que resta ao homem que abandona o trabalho para se ocupar do ócio tedioso, além da tristeza e repetição? O sentido da completude, está em preencher o tempo com uma produção. “Sem trabalho eu não sou nada, não tenho dignidade, não junto meu valor, não tenho identidade” (Renato Russo). O estímulo para a pesquisa, o sentido de viver, a escolha do que cultivar, está em colher o prêmio do seu investimento: a frutificação.
“Não podemos mudar o mundo inteiro, mas podemos mudar uma vida de cada vez, e ela vai mudar outras. Para fazer o mundo florescer, só é preciso plantar. Plantar um deserto de cada vez “ (Dalva Agne Lynch).
Mais uma vez, o mesmo lugar... encanto renovado, algum detalhe perdido que agora resplandecia... cidade-luz, em companhia de amigos-irmãos...
Travessuras
Um hotel com nome feminino, no “nosso quartier preferido”. Um banco na sua calçada, para sentar após as aventuras, assistir à passagem de moradores e turistas, “gozar da presença das massas populares é uma arte”. (Charles Baudelaire). Experimentar a negação de que as noites prenunciavam o fim de um dia a mais... a resistência ao sono e ao cansaço... tudo valia a pena, até a exaustão, viver Paris até o final.
Dias equipados de energia, o salão de beleza vizinho, a imobiliária que postava na vitrine as ofertas para alugar e vender. A fantasia das escolhas entre tipos de habitações e a diversão com os requisitos necessários... o restaurante pertinho, com um menu de sobremesas tentadoras... o aconchego do lugar... os garfos voando por cima, em mãos que se cruzavam na mesa, para provar o desejo alheio.
Os passeios planejados ou improvisados, até ao Jardin des Plantes... suas aléias exibiam rosas resistentes, com pétalas queimadas pelo frio. Os jardineiros podavam todas que trabalharam anteriormente. Tempo de descansar a beleza para renovar forças, para novos brotos…
Localizar um carrossel que percorria as praças da cidade... e... obrigatoriamente ceder à tentação de “dar uma volta”, amigos registrando esse mergulho nos tempos de criança... e ninguém enfrentava esse prazer gélido... “ é sobretudo na solidão que se sente a vantagem de viver com alguém que saiba pensar”. (J. J. Rousseau), e como tal, a solidão estimulava o proprietário a permitir um tempo a mais.
Percorrer a pé a cidade sempre foi o consenso, visitar um ou outro museu, lojas de arte, desvendar novos lugares, pesquisando cores e odores... na volta um sorvete “Bertillon” para não quebrar o hábito. Deixar-se ficar na Pont Neuf, acompanhando as embarcações e seus deslumbrados passageiros. Nenhum lugar com tamanho poder. Até de olhos fechados, visualizava cada pedra do pavimento, e ao ver uma mulher pedinte, jovem, de belos traços, lembrei de Piaf, a fleur du pavé, a rainha da música francesa, e evoquei “Sous le Ciel de Paris”...
O ar parisiense exalava a cultura, e esse se transformava em interesse. Apesar da chuva, a disposição despertava o prosseguir. “Ó barulho suave da chuva, pela terra e sobre os tetos! Ó canto da chuva” (P. Verlaine).
Como todo viajante que se preze, levei uma lista de encomendas, e, a mais importante, a da neta... após uma breve estadia em Lisboa, a loja de brinquedos não dispunha do objeto solicitado... em Paris, uma fila interminável aguardava os ansiosos pelo requisito. O segurança, após longa espera, comunicou que o estoque esgotou, e que talvez à noite, recebessem uma reposição. Embora o corpo solicitasse descanso, não poderia frustrar a expectativa de Julinha... e às vinte horas, propus ao grupo uma missão noturna... apenas um amigo se prontificou, sair à noite, com um temporal daqueles?
E lá fomos nós, moleques noturnos, encolhidos, sob um guarda-chuva, a sorrir de tudo que nos acontecia... observando o contraste dos franceses que não alteravam o passo e o porte, sisudos e firmes. Parecíamos crianças, no total usufruto da liberdade. O vento forte desalinhava o cabelo, pois o capuz do doudone caía nos ombros continuamente. O frio, semelhante a uma echarpe de seda pura no inverno, envolvia o corpo como uma capa longa. Porque não vesti o mantô? os sapatos macios para longas caminhadas, tornavam-se pesados, absorvendo as poças no percurso. Inconscientemente havia um movimento direcionado à transgressão... os saltos das botas de couro não permitiriam correr para atravessar as ruas!
A avenida Champs Elysées estava vazia como nunca, suas luzes desfocadas nas lentes das gotas d’água. “Ah Champs Elysées, com sol, sob a chuva, ao meio dia ou à meia noite, tem tudo que você quer na Champs Elysées”. (Joe Dassin). Enfim, a loja estava aberta, sem fila, entramos sob o olhar crítico do vendedor, que imediatamente nos trouxe a fantasia de princesa. Solicitei duas sacolas com o mesmo tema para evitar danificar o objeto do desejo. Saímos felizes com o problema resolvido, e a animação maior, nos fez parar e comprar uma sopa quente para os que ficaram no hotel. “Eu deixarei o vento banhar minha cabeça nua” (Arthur Rimbaud).
E, como os antigos egípcios, conclui que o banho era sagrado, uma forma de purificar o espírito, mais vivenciar com um amigo verdadeiro, partilhar momentos de tão simples e intensa diversão, contar com alguém que priorizou o desconforto para servir, foi a melhor associação de alegrias em Paris. Merci Miguel.
“O céu está cinza e a chuva convida como que por surpresa... os guarda chuvas abrem em cadência... e as gotas caem em abundância na doce França” (La pluie – Zaz).
Composta em 1951, a música de Luiz Gonzaga/José Fernandes anunciava a chegada do São João. Tempo de decorar a casa com bandeirolas, compra...
'Olha para o céu, meu amor'
Que ninguém seja lento para buscar sabedoria quando jovem, nem cansado em sua busca quando estiver envelhecido, pois nenhuma idade é muit...
Um dia além
Epicuro
Um ano de COVID, de descaso e crueldade psicopática em nosso país, um gozo extremo em milhares de mortes, e os vivos que se perdem em lágr...