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Malvadeza e Cicinho
O primeiro, o Sebastião, era um homão faltando pouco para chegar aos dois metros de altura e quase que a metade disso em largura. O que tinha de forte tinha de bravo e de ruim. Puxou uns quinze anos atrás das grades, em regime fechado, pelas malvadezas que praticou nesses buracos do mundo. Era ruim que só o diabo.
Já Cícero, um hominho de pouca estatura, magrinho, com os bracinhos e as pernas que mais pareciam canudinhos de tomar refrigerante, era uma criatura com a índole de um passarinho. Uma bondade em pessoa. Temente a Deus e, pelo jeito, a muita gente. Fugia de encrencas, pois sabia que desavença não era sua praia. Não tinha músculos para encarar essas paradas. O jeito era ficar na dele, em paz com esse mundo e outros, se outros houvesse.
Malvadeza era grosso como papel de embrulhar prego, Cicinho era uma seda no trato com toda gente. Tião não levava desaforo para casa e cobria de sopapos o infeliz que tivesse essa ousadia. Cicinho não era assim. Pedia perdão por eventual ofensa que dele tivesse partido, assim, como perdoava a quem o tivesse ofendido; do jeitinho que pede a oração. Tião, dizem, nem batizado foi. Igreja? Só entrou uma vez para assaltar a sacristia.
Passava ao largo de qualquer templo fosse católico ou evangélico. O outro, o pequenino de quem falávamos, era casado com Claudete, mirradinha e mansa como ele. Tiveram três bacurizinos.
Mas o destino aprontou mais umas das suas e fez que essas duas criaturas de quem estamos falando, tão desiguais, viajassem juntas no mesmo trem da Mogiana. Isso, estou dizendo, aconteceu lá de priscas eras, quando viajar de trem era sinônimo de conforto e segurança.
Pois não, senhor – respondeu a criatura resignada e obediente.
Malvadeza não disse mais uma só palavra, foi se esparramando no assento, prensando Cicinho junto da janela. Este ficou quietinho conforme mandavam sua índole e sua coragem.
Passado um tempinho, o trem partiu. Próxima parada? Ribeirão Preto. Ia ter que suportar o incômodo até lá. Cicinho ainda conseguiu dar uma viradinha de lado e deu uma medida no tamanho do homão, quando viu o cabo de uma garrucha no cinto do valentão. Cicartiz no rosto, garrucha no cinto, só podia ser o tal de Malvadeza que vivia aterrorizando a região. Sim era ele, conjecturou nosso amiguinho.
Malvadeza adormeceu ligeiro, foi então que Cicinho notou que na redondeza os olhares se dirigiam para onde esta sentado. Olhares ansiosos, medrosos. Também pudera, tinham identificado Malvadeza que já puxava seu ronco em sono pesado.
– Malvadeza, quando acordar, vai espetar o magrinho! – mas o ogro nem ouviu, nem acordou E lá ia o trem. O pessoal do entorno na expectativa, vira e mexe olhavam para o coitadinho, antevendo a desgraça. Mas ninguém sabia de uma coisa: Cicinho era um danado de esperto.
O trem foi chegando em Ribeirão Preto e Malvadeza despertou. Viu aquela massa nojenta no seu colo e olhou com sua cara de bravo para Cicinho. Este tirou um lencinho do bolso, ofereceu o paninho para Malvadeza e perguntou com a voz mais meiga do mundo:
– O senhor melhorou?
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Êh, amigo velho!
Temos a sorte de tê-lo longevo, e, ao longo de suas mais de nove décadas de existência, podemos sorver de sua mente criadora, atuando não só por meio da própria obra, quanto como pelos cargos que exerceu na promoção das artes e dos artistas nacionais. Ele mesmo, dentre muitas homenagens que recebera pela passagem de seu nonagésimo aniversário, relembrou no programa Harmonia da Rede Minas, muito de sua trajetória.
O álbum Edino Krieger entre amigos é produção caseira dedicada com amor à sua esposa Nenem, e aos frutos dessa longa relação de parceria e apoio mútuo. Tem, na apresentação do encarte, palavras de Tim Rescala, notável humorista-compositor que disponibilizou seu estúdio onde se deram parte das gravações:

O próprio Edino refere-se a este álbum como fruto de uma autêntica amizade; os intérpretes são muito próximos da família Krieger, e por vezes, já tocaram, inclusive como estreia, suas obras. O disco vai desde uma Sonata para violino solo (opus 1) feita na adolescência, sob as primeiras orientações de Hans-Joachim Koellreutter, aos seus dezesseis anos; até obras estreadas em Bienais de Música mais recentes, como o ciclo dos Estudos Intervalares. O álbum abre com uma singela peça, Chôro Manhoso, concebido aos vinte e quatro de agosto de 1956, e dedicado a Dinorah Krieger, sua irmã. A versão original é para piano solo e podemos ouvi-la pelas mãos de um intérprete muito conhecido e velho amigo dos Krieger, Miguel Proença .
Na Europa é comum que grandes mestres tenham versões e versões do original de suas peças, transcritas em novas instrumentações; é uma forma de ampliar a percepção, e de que as obras sejam mais conhecidas e compartilhadas por diferentes grupos e intérpretes: quando a música transcende a própria concepção originária. É do pianista mineiro Flávio Augusto, membro do Trio Aquarius, essa e as demais versões em trio (Sonatina e a valsa Nina, também na concepção primeira para piano).
Na valsa Nina, estruturada numa harmonia saudosa, rememorando o espírito seresteiro, cancioneiro, o Trio AquariUs brinda-nos com a leveza que a obra merece: audição despretensiosa e leve, deixando-se levar por onde a memória e o espírito nos conduzirem. Mas, é na obra Trio Tocata que a interação criativa entre os instrumentos, revela uma originalidade da concepção e uma maturidade de uma criação robusta.
O ciclo de seus Estudos Intervalares já em si merece um ensaio analítico exclusivo. Destaco a mimetização do mecânico, do maquinal presente nos estudos Das segundas e Das terças, com ritmo frenético em cachos de notas que mais parecem sintetizadas: idéias que se contrapõem e se ratificam a partir de trinados ou arpejos vagos e ressonantes. Já harmonizações comuns no jazz se ouvem no estudo Das quartas, sem que se perca um coerente motorizado canto indígena, relembrando novamente Villa-Lobos. Ou o pulsar de uma citação em ritmo de maracatu no Das quintas. E também o baião sem baixo fixo, no Das sextas, repleto de referências. De cantadores, como numa moda ou toada de viola do Centro-oeste, ou do ritmo bem nordestino com contorno modal, à valsa opus 64 nº. 2 de Chopin, em dó sustenido menor, numa intertextualidade bem humorada, misturada a partir desse que foi o intervalo eleito no século XIX como o mais romântico no repertório, sobretudo pianístico.
O Nordeste de sua amada Nenem também se faz presente no Das sétimas, e o baião, dessa vez, bem autêntico quanto à marcação, é pulsado numa melodia simples e gingada, e com o incremento das sétimas arpejadas. Edino é mais Edino no Das oitavas, quando elabora um ritmo de mãos alternadas que progride cromaticamente e se encerra vibrante e viril: traço presente em diversas de suas obras. O Das nonas resume os anteriores no que de simbólico ou arquetípico o ciclo contém.
Instrumento primeiro de seu Edino é o violino. Não por outro motivo decidiu escrever uma Sonata solo em seu opus inaugural. É peça dedicada ao seu pai, músico que o conduziu nos primeiros passos da vida e da lida musical. A simplicidade de seu Edino o impede de reconhecer o valor para além da aprendizagem das formas barrocas. A interpretação é do mineiro Ricardo Amado que satisfaz o compositor, tendo sido o próprio violinista a sugerir a inclusão dessa obra histórica sobre a qual se pode traçar toda a trajetória criativa de seu Edino, até a mais recente, de que tive o privilégio de colaborar, honrosamente, na edição.
Por isso, diante de sua produção rica e diversa, mas de uma coesão admirável, além desse álbum, permito-me ainda falar de uma obra cuja vivacidade composicional é de um orgulho nacional como poucos feitos na atualidade: o Concerto Duplo para violões e cordas com arco [Edino Krieger: Concerto for two guitars & string orchestra]. Edino se congraça numa tradição perpetrada por grandes nomes nacionais como Camargo Guarnieri, Francisco Mignone, os irmãos Siqueira; além de Osvaldo Lacerda, Marlos Nobre e o próprio Villa-Lobos e Guerra-Peixe. Ou ainda estrangeiros radicados no Brasil, como Ernst Widmer que foram felizes no uso sistemático dos contornos modais eclesiásticos, já com seus jargões nossos, dessas referências da rica região nordestina, muitas vezes, tutelada pelo sudeste. É como se Edino vestisse a couraça de vaqueiro e o chapéu que o caracterize como um sertanejo-catarinense, numa caatinga imaginária em seu coração e mente criadora. Mesmo assim, Edino se mantém simples, como um velho amigo do Brasil, em suas idéias (perdoem-me o saudosismo no acento...) que são tão ricas a ponto da obra poder-se estender por mais tempo, e Edino, no entanto, decide encerrar com simplicidade e sinceridade: marcas de personalidade inconfundível.
É lamentável que programas icónicos da televisão brasileira, como o Roda-Viva, por exemplo, nunca tenham pautado entrevistas com nomes da música como Mozart Camargo Guarnieri, José Siqueira, Francisco Mignone, Jamary Oliveira ou Edino Krieger. Ouçam Edino, ouçam o Brasil que há em seu Edino, ouçam-no em inteligência e perspicácia musical! Ouçamo-nos através de suas obras: é esse nosso dever enquanto diletantes, amantes das Artes, e percebamo-nos como apreciadores sinceros dessa nossa Arte própria, por meio desses nossos grandes referenciais.
Sob a marquise, espalhados em trajes maltratados, o homem, a mulher e os filhos. Um pano estirado sobre a calçada. Havia respingos a chora...
História de uma pobre mãe
Fui apenas observador do quadro da miséria real. Eram pessoas humanas, cujas feições externas e internas revelavam uma tristeza, um sinal causticante de escanteados da sociedade, num jogo desolador entre os que possuíam demais e eles que nada possuíam.
No estabelecimento comercial do proprietário que lhes prodigalizara o abrigo sob a marquise pendiam ofertas palpitantes; desde vestuários a bijuterias; um cartaz chamativo na vitrine: o Dia das Mães seria no próximo domingo.
Durante o dia, os ocupantes do território apanhavam os trapos e saíam, a fim de deixar o campo livre para transeuntes e fregueses. Divagavam pelos recantos da cidade, almoçavam os sobejos, perambulavam entre a multidão indiferente. “Domingo é o Dia das Mães” – comentou o pai. Ficou sem eco. A mulher (mãe dos dois pirralhos) perdera, quem sabe, a sensibilidade ou o sentido da data. Sabia que a patroa, quando trabalhava como doméstica, ganhava um mundo de presentes dos filhos ricos. Porém, passado algum tempo, fugira com o atual marido, hoje desempregado; recebera alguns presentes dos filhos, enquanto ele podia. Coisas minúsculas. Mas, com o desemprego, na atual vida que carregavam como fardo, pouco significava a data dedicada às mães.
Lembrar professor Juarez é uma necessidade da Paraíba, por tudo que ele significa na edificação da história de instituições como a Univer...
Erudição e ousadia no Ensaio Literário
Juarez da Gama Batista iniciou sua vida pública como Diretor do Jornal A União, no período de 1951 a 1956. Muito jovem, já não era um desconhecido. Publicara um livro de crônicas, 31 Histórias do Arco-da-velha, reunindo sua colaboração diária em O Norte e na Folha da Manhã, do Recife. Também já era autor do ensaio sociológico Caminhos, Sombras e Ladeiras, de nítida influência gilbertiana.
Em 1961, assume, como fundador, a cadeira de Literatura Brasileira na UFPB. Não tinha formação acadêmica nesta área. Professor Juarez era um bacharel autodidata, de notório saber que, durante vinte anos, até sua morte em 1981, encantou os alunos com seu estilo e sua erudição. Deixou uma produção acadêmica vasta e vária, dificilmente superada, mesmo com os incentivos de pesquisa e pós-graduação que passaram a vigorar na Universidade.
O ensaio foi o seu instrumento de apreciação da literatura. Instrumento eleito, conscientemente, em função das três idéias básicas que caracterizam este gênero, na conceituação moderna: o auto-exercício das faculdades, a liberdade pessoal e o esforço constante pelo pensar original - Ensaio para ele era descoberta. Crítica com letra maiúscula. Criação. Assim, imprimiu ao gênero sua marca pessoal inconfundível: a construção do estilo e a erudição. A ordem valorativa, que a preferência por tal gênero implicava, transparece em sua constante reafirmação "não sou um crítico, no sentido convencional da palavra. Sou um ensaísta".
Ao bem escrever, que se apóia em vasto e vário conhecimento, gostaria de acrescentar, ainda, a ousadia. Essa característica comum a todo criador - atitude sem a qual deixariam de existir o novo e o original foi a marca dominante no seu trato com o texto literário. Possivelmente a que carreia para seus ensaios o maior nível de resistência. Pois neles o mestre Juarez: não tinha medo de ousar.
A erudição propiciava-lhe as condições da ousadia, fazendo-se a autenticidade do estilo sua vigorosa expressão. Forma de uma percepção aguda e original.
Conhecia a força da palavra. Sabia o peso de um período barroco, cheio de travessões, transbordante de elementos. De um período que ocupasse quase uma página inteira. Com igual habilidade explorava os efeitos da pontuação impressionista. Da frase curta e incisiva, do período fragmentário. Por isso é que escrevia e reescrevia seus textos inúmeras vezes. Perseguindo a forma que fosse a expressão do conteúdo. Ou o conteúdo que fosse a expressão da forma. Escrevia como um poeta. Lutando com as palavras.
Deixou mais de 40 títulos publicados, entre crônicas, ensaios, discursos, conferências e prefácios. Com seus ensaios literários, conquistou sete importantes prêmios de 1966 a 1976. Destacando-se, entre eles, o prêmio "José Américo - 1967", da UFPB; o "Olívio Montenegro - 1968", da UFPE; O "Geraldo de Andrade 1973", da Academia Pernambucana de Letras e o "José Veríssimo", da Academia Brasileira de Letras, também em 1973.
Desde que ele se foi para sempre, há quase 40 anos, não se pode afirmar que tenha havido apenas silêncio e descaso em relação a sua memória. Podemos registrar iniciativas que simbolizam outra forma de presença do professor Juarez entre nós.

A FUNESC tomou possível a publicação do esboço bibliográfico Juarez da Gama Batista, (sua vida, seus mistérios, sua obra) de autoria da ex-aluna, Mariana Soares, e deu o nome de Juarez da Gama Batista à Biblioteca do Espaço Cultural José Lins do Rego.
O historiador Wellington Aguiar, através da FUNCEP e buscando o apoio do grupo Klabin, reeditou Caminhos, Sombras e Ladeiras.
O Conselho Estadual de Cultura, por iniciativa de Gonzaga Rodrigues, o incluiu na coleção Biblioteca Paraibana e editou As Fontes da Solidão, ensaios que tive a honra de escolher, organizar e prefaciar.
Em 1995, realizamos (UFPB, API, CEC) um painel em sua memória. Dele participaram os professores Neroaldo Pontes, Chico Viana, Milton Marques, ao lado dos jornalistas Gonzaga Rodrigues e Juarez Macedo, este último apresentando uma bela e emocionada evocação de sua convivivência e aprendizagem com o homenageado.
Na Coletânea de Autores Paraibanos, professor Juarez está presente com o texto antológico O Retrato, selecionado de José Américo: Retratos e Perfis. Fiz constar na Fortuna Crítica de José Lins do Rego, publicada pela Civilização Brasileira, o texto O Mistério, também retirado de José Américo: Retratos e Perfis.
O saldo é positivo. O mestre permanece na voz de seus amigos e ex-alunos do jornal e da Universidade.
Os textos que compõem As Fontes da Solidão, nove ensaios escolhidos, revelam, em seu conjunto, a dimensão exata do escritor Juarez da Gama Batista: suas preferências temáticas; a extraordinária erudição; a ampla informação teórica, suporte de seus conceitos criticos; a ousadia de suas interpretações personalíssimas e a construção do estilo, traço maior de sua autenticidade.
Depois, incluímos o que estava disperso em "plaquettes", a forma comumente usada pelo autor para imprimir e distribuir seus estudos. Assim, acrescentaram-se os textos sobre José Lins do Rêgo, de onde foi retirado o título geral para o volume. Não apenas em razão dos grandes laços entre o romancista e o ensaísta, mas por representar esse título uma escolha pessoal de professor Juarez para um conjunto de ensaios que ele não teve tempo de concluir.
Deixamos de lado o que estivesse publicado em livro, presumivelmente, com divulgação e preservação bem mais garantidas. No entanto, fugimos a esse critério para agrupar os quatro ensaios sobre Jorge Amado, dois deles já inseridos na Fortuna Crítica
E para que o conteúdo de As Fontes da Solidão no se restringisse ao âmbito da Literatura Brasileira, o que limitaria a área de interesse do autor, encerramos esse trabalho seletivo com O Protagonismo do Fausto e Matéria e Nunca Ouvido Canto. Este, premiado nacionalmente. Escolhido há muito tempo pela Academia Brasileira de Letras. E o primeiro, por representar a preferência do Mestre entre tudo quanto escreveu.
Um dia lhe fiz essa pergunta. E ele não pensou muito para satisfazer-me a curiosidade. Ainda insisti: E O Real como Ficção em Euclides da Cunha? E A Sinfonia Pastoral do Nordeste?
Quer tratasse de Camões, de Goethe, de Eça de Queiroz, de Gilberto Freyre, de José Lins do Rego, de Euclides da Cunha, de Jorge Amado ou de José Américo de Almeida, a perspectiva e o processo sempre o conduziram a uma extrema liberdade criadora.
Desse modo é que, em Matéria e Nunca Ouvido Canto, vai descobrir no tema dos olhos um dos elementos que possibilitam a identificação do "espírito sobrevivente e persistente da Idade Média", no ilustre renascentista português.
"A festa dos sentidos - sobretudo um dos sentidos, o da visão - em que se tomou o cotidiano da Idade Média". Com igual ousadia desenvolveu em O Protagonismo do Fausto a inquieta e inquietante indagação - "Fausto, tragédia ou comédia?" Bem como em Gabriela, seu Cravo e sua Canela estabelece a aproximação ou equivalência entre a personagem romanesca e Brasília. "Arquitetura de cidade e de mulher. Terrível e metafísica solidão". Que, segundo ele, "se explica e se completa em tantas outras expressões do psiquismo traumático da pequena burguesia nacional, comprimida pelas depressões salariais".
Sobre a moça de Ilhéus o ensaísta dirá, de forma antecipada, em 1961: é fácil prever o êxito de Gabriela no cinema e na TV, no "ballet" e até nas histórias em quadrinhos. Um dia, talvez, apareça nos anúncios das revistas ilustradas". Acrescentando que o mesmo se aplicava às personagens que viessem depois. Veio Dona Flor, e a profecia se cumpriu duplamente.


Uma sólida concepção de arte se vai reiterando a cada novo ensaio. Todos eles sustentados por segura informação teórica. Por uma teoria sedimentada, sintetizada e que, por isso, não transparece ostensivamente, sendo absorvida pela linguagem, pelo estilo do escritor.
Mesmo quando define ou conceitua, a adequação da forma ao conceito preocupa-o tanto quanto a qualidade do enunciado. De modo que escreverá poeticamente - "A obra de Arte é o lapso, o instante que se reteve e se fez inquestionável. Um alto no que se esvai. A instantaneidade. A surpresa. A verdade repentina das suas estruturas. Uma recuperação". Por igual processo, chega em O Barroco e o Maravilhoso no Romance de Jorge Amado à densa e múltipla conceituação do herói picaresco, onde se identificam, a um só tempo, a ousadia, a erudição e a originalidade do ensaísta:

Sempre agiu assim em relação aos temas ou aos assuntos de sua predileção: não transcrevia, não repetia. Buscava sínteses conclusivas que eram somente suas. Muitas vezes em contraste violento com tudo quanto existia. E, assim, fazia da atividade critica uma forma de ser.
Um caso único em que a leitura suplanta o texto objeto. O seu reconhecimento dos mitos é mais que a descoberta do romance. É uma recriação. O Boqueirão renasce no ensaio, "sem história alguma", com "a natureza de ritual, de celebração de mitos". "O Boqueirão: um corpo de mitos lançados sobre um afresco de inocente e esplêndida fatura renascentista, saudável, irradiante, vencedora. E, por isso, de repente grave e profundo, como quem sabe que passará".
Os ensaios reunidos sob o título de As Fontes da Solidão transcendem a história pessoal de Juarez da Gama Batista. Deixam de constituir apenas a produção particular do indivíduo, para representar a síntese de uma forma de pensamento e expressão configuradora de uma época. Elevando-se, dessa maneira, à condição de memória cultural da sociedade a que pertencem.
Na Academia Paraibana de Letras, professor Juarez ingressou em 1968, ocupando a cadeira que tem como patrono José Lins do Rego. Foi recebido por José Américo que firmou sobre o jovem acadêmico de então esta sentença definitiva:
Quando convivemos muitos anos com alguém, intimamente, dividindo não só a vida, mas a cama, o quarto, os objetos, além das alegrias e dore...
A intimidade da convivência
Recordar: Do latim re-cordis, voltar a passar pelo coração . (Eduardo Galeano) Nunca que se imaginou em viver sem abraços! Em tempos d...
Abraços
Enfim, estão chegando as vacinas. Desde o início se sabia que elas eram a melhor forma de enfrentar o...
Com a ciência, pela vida
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Aprendemos mais com a leitura dos autores do que lendo o que se escreve sobre eles. Antes que alguém me crucifique pela afirmação, eu me e...
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