O meu chefe na carteira de cobrança, da agência do Banco do Commercio e Indústria de São Paulo, na Sorocaba de 1961 e 62, o Sidney &qu...

O meu chefe na carteira de cobrança, da agência do Banco do Commercio e Indústria de São Paulo, na Sorocaba de 1961 e 62, o Sidney "Sinfônico", tinha esse apelido por ser doido por música clássica. Arquivava e tirava dos arquivos de aço as promissórias e duplicatas sempre cantando o tempo todo, imitando, onomatopeico, na verdade tentando repetir orquestras inteiras com a boca, do ímpeto da Cavalgada das Valquírias (aquela do ataque de helicópteros a uma aldeia do Vietnã, em Apocalypse Now) a diluições de sons como os da “Catedral Submersa”, do Debussy.

Pissarro
Era filho de ferroviário, como eu, e morava à beira da estrada de ferro. Descuidado com as roupas, vestia-se mal porque gastava em discos tudo o que lhe sobrava da ajuda em casa. Mas tinha uma coleção de discos que só vi igual na casa do Dr. Paulo Maia, aqui em João Pessoa. Mas isso numa casa de madeira, do pai, junto dos trilhos de Sorocabana.

Foi ali, ao limpar o disco que íamos ouvir em seguida, que me contou que se deslumbrara com a música que ouvira em bg, durante a morte de Cristo, no drama da Paixão, da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, na sexta feira santa, pelo que escrevera pra lá, perguntando que obra era aquela:

WJ Solha
A catedral Submersa " – disseram-lhe. “La Cathédral Engloutie", de Claude Debussy.

Aquilo imediatamente se transformou em imagem na minha mente e “vi”, fascinado, o que ouvi em seguida. Até que fiz uma tela de 50 X 30, anos depois.

O modelo foi a catedral de Milão, imaginariamente encalhada a meio caminho do fundo do mar, entre algas, bolhas e tubarões. A ideia veio deste belo exemplo de música impressionista criado pelo compositor francês a partir de uma lenda bretã.

Encontrei vários apaixonados por música erudita, na vida, sendo seus ápices o Dr. Paulo Maia, daqui, e o Sidney, de lá.

Não descansei enquanto não consegui o disco. A imagem que “vi”, ali, não descansou por vários anos, enquanto não virou quadro…

Peço ao leitor saído de um curso universitário de Ciências Humanas, como o de Arte, que foque e concentre suas lentes na maré de dejeto...

sociologia sociedade pobreza miseria
Peço ao leitor saído de um curso universitário de Ciências Humanas, como o de Arte, que foque e concentre suas lentes na maré de dejetos tecnológicos conhecida por lixeira urbana. E por que isso? Pelo fato de terem recentemente os lixões – em São Paulo, maior centro urbano do país – se constituído em atrativo, ou mais que isto, em imperativo, para o número se não expressivo pelo menos considerável de artistas que ali se entregam a um tipo de garimpo adesivado pelo meio acadêmico com a tarja Pesquisa de Campo.

Era preciso que tratasse das coisas leves, como as feitas de panos diversos e as de carregar bocadinhos. Assim como o menino que nado...

amor saudade morte ausencia
Era preciso que tratasse das coisas leves, como as feitas de panos diversos e as de carregar bocadinhos.

Assim como o menino que nadou para depois de uma onda grande e não voltou, ela também achou que você se diluíra como um cubo de açúcar incapaz de adocicar o mar.

Nadou ao fim do mar, à boca dos tubarões, dentro do vazio das baleias, sob as barrigas cegas dos barcos, no pensamento dos peixes e nas suas costas, entre as areias, atrás das pedras e debaixo.

Caríssimo Germano, vez por outra recorro, com uma certa renitência, e pergunto-me se você tem ciência da dadivosa importância de sua ...

painel escritores ambiente carlos romero
Caríssimo Germano, vez por outra recorro, com uma certa renitência, e pergunto-me se você tem ciência da dadivosa importância de sua contribuição à cultura, exercendo a sua nobre função de menestrel literário. Pelas suas mãos se cristaliza quase um Thesaurus de belos e profundos textos de dezenas de autores que nele expõem suas perplexidades, lindas lembranças, sentimentos afetuosos, veias poéticas, cotidianos inusitados, paixões reprimidas, alegrias memoráveis, afagos, repentes iracundos e tantos outros escritos, que deles poder-se-ia se confeccionar uma rica taxonomia dos assuntos emergentes.

O professor Cláudio José Lopes Rodrigues nos traz, em seu livro “Diário não diário", um registro do dia-a-dia que pode ser, com os...

critica literatura paraibana
O professor Cláudio José Lopes Rodrigues nos traz, em seu livro “Diário não diário", um registro do dia-a-dia que pode ser, com os devidos ajustes, as imagens de uma vida bem vivida por qualquer um de nós, inseridos neste “mundo, mundo, vasto mundo [...]” do poeta Carlos Drummond de Andrade (Poema de sete faces, in Alguma poesia).

Começa seu depoimento, não depoimento, com o registro da angústia que decerto aflige autores/escritores desde seus primeiros passos na construção de uma obra literária, com seus “momentos fastidiosos, angustiantes e até constrangedores”,

Por mais que as prefeituras enfeitem os grandes centros urbanos, São-João bom mesmo é em cidade do interior. Mas será que depois da tel...

Por mais que as prefeituras enfeitem os grandes centros urbanos, São-João bom mesmo é em cidade do interior. Mas será que depois da televisão e do computador ainda existem aqueles redutos caipiras onde é possível se impregnar do espírito da festa? Certamente que não.

Não há mais agrupamentos urbanos como o que Drummond eternizou no poema “Cidadezinha qualquer”. A simplicidade dos versos e o rigor na seleção das imagens fazem dele uma pequena obra-prima. Vejam:

Devo inicialmente esclarecer que o título acima foi emprestado de uma crônica do mineiro Ivan Angelo (assim mesmo, sem acento circunfl...

varanda gourmet modismo relacao conjugal
Devo inicialmente esclarecer que o título acima foi emprestado de uma crônica do mineiro Ivan Angelo (assim mesmo, sem acento circunflexo), constante do livro Certos homens, Arquipélago Editorial, 2011. Achei que poderia aproveitá-lo para dar-lhe outro enredo, fazendo o que no mundo da música costuma-se chamar de "variação sobre mesmo tema". Reconhecida e paga a dívida autoral, vamos então ao que interessa, ou seja, passemos à varanda. À varanda gourmet.

Paraíba, 5 de junho de 2022

Paraíba, 5 de junho de 2022

A luz piscava sobre uma mesa velha, rodeada de cadeiras vazias e geladas pela penumbra de uma noite chuvosa. Parecia um terraço, um am...

junho inverno chuva cronica literatura paraibana
A luz piscava sobre uma mesa velha, rodeada de cadeiras vazias e geladas pela penumbra de uma noite chuvosa. Parecia um terraço, um amontoado de espaço, com coqueiros próximos a balançar embalados pela música da ventania. Ali perto, faróis refletiam os pingos decaídos dos céus, em cíclica renovação. A previsão é que serão muitos mais, milhares, milhões, incontáveis, nas próximas horas. Meteorologicamente falando, era vermelho o alerta, realisticamente percebendo, eram perigos e poesias se aproximando.. Junto abraçava a temporada, eu abraçava junho.

Fui reencontrar a cidade das minhas relações, amizades, camaradagens ou dos meus respeitos nesse 2º livro de memórias de Haroldo Escor...

haroldo escorel borges joao pessoa memorias literatura paraibana
Fui reencontrar a cidade das minhas relações, amizades, camaradagens ou dos meus respeitos nesse 2º livro de memórias de Haroldo Escorel Borges. E voltei a me ver no que sempre fui sem forçar a natureza: justamente aquilo que na cultura do meu interior brejeiro as comadres e compadres chamam de “uma pessoa dada”, que se dá com todos. Eu.

Uma mostra: nas páginas que ele consegue enumerar, nome por nome, os moradores do seu tempo no Miramar de Dorgival Terceito Neto, Wilson Cardoso, Genival Luis Pereira, meu dileto amigo Benedito Belo, numa lista sem fim de A a W, vejo-me dando um banho. Se chamassem todos à janela na hora da minha caminhada, eu só perderia para Damásio Franca que, no âmbito de sua classe, entrava sem pedir licença em todas as casas. Mesmo nas dos adversários da política, iguais entre si no clube Cabo Branco.

Desde muito jovem, aquele caboclo alto, com voz grave, se destacara como poeta na região que envolvia os municípios de Sumé , Prata, Ou...

musica brasileira forro ze limeira
Desde muito jovem, aquele caboclo alto, com voz grave, se destacara como poeta na região que envolvia os municípios de Sumé, Prata, Ouro Velho e Monteiro, no Cariri paraibano, e que se estendia pelas adjacências de Pernambuco. Aos rigores dos trabalhos na labuta dos roçados e do trato com o gado, o caboclo sempre preferira o pandeiro, o triângulo, os repentes e as cantorias. Ele tinha um sonho: ver uma música sua gravada por Luiz Gonzaga, o Rei do Baião, para quem escrevera várias cartas, sem receber nenhuma resposta.

Penso que nasci no lugar errado. Detesto o clima dos trópicos, esse forno de siderúrgica que não respeita estação do ano, e o “barulho ...

cronica cotidiano nostalgia facebook
Penso que nasci no lugar errado. Detesto o clima dos trópicos, esse forno de siderúrgica que não respeita estação do ano, e o “barulho crônico”, praga onipresente no cotidiano das bandas de cá.

Nunca tive na vida um lugar que oferecesse verde, água doce, frio e silêncio, “sonho de consumo” que não consegui desfrutar. No entanto, me vi na contingência de me conformar por aqui.

Para preservar a saúde, já apresentando sinais de fragilidade, optei, na reta final da vida, por ficar em “off”, construir uma espécie de “universo paralelo”,

Debutava o ano de 1979, o primeiro dia de Janeiro, dezoito horas, eu rumava para o Recife depois de uma feliz noite com a família. Tinh...

acidente bencao fatalidade
Debutava o ano de 1979, o primeiro dia de Janeiro, dezoito horas, eu rumava para o Recife depois de uma feliz noite com a família. Tinha uma importante reunião no Governo de Pernambuco no dia seguinte tinha que estar no Recife.

No leito da estrada tudo fluía tranquilo, conduzia com calma nas proximidades das Sete Lagoas perto do acesso a BR 101. Na margem esquerda distingui um coletivo estacionado num precário acostamento, e vi que algumas pessoas pelo lado traseiro do ônibus pessoas se precipitavam para atravessar para o lado oposto da pista.

Acabo de ver a propaganda de uma nova tradução da tragédia Hécuba , de Eurípides, da qual se apresenta um dos versos, como exemplo de t...

mitologia tragedia traducao hecuba camoes
Acabo de ver a propaganda de uma nova tradução da tragédia Hécuba, de Eurípides, da qual se apresenta um dos versos, como exemplo de tradução decolonizada, seja lá o que isto significa. O fato é que a tradução do verso específico me deu arrepios. Trata-se do verso 714 – Ἄρρητ᾿ ἀνωνόμαστα, θαυμάτων πέρα –, literalmente, “coisas inexprimíveis, inomináveis, além das coisas espantosas”, expressão de Hécuba para mostrar a sua indignação e seu horror com a morte do filho, Polidoro, morto pelo seu anfitrião, o rei trácio Polimestor, a quem fora confiado pelo seu pai, o rei Príamo.

Com a devida licença poética, eu acho que o cronista é um observador de invisíveis, um tipo de jornalista investigativo de coisas e fato...

cotidiano comparacao cronica poesia
Com a devida licença poética, eu acho que o cronista é um observador de invisíveis, um tipo de jornalista investigativo de coisas e fatos corriqueiros, imperceptíveis e até desimportantes. É alguém que relata consternado a história de um pé de milho que nasceu espremido entre a rua e o meio fio, ou que descreve com a precisão de um anatomista o corte milimétrico do queijo servido na casa do seu primo “mão de vaca” ou ainda que consegue descrever minuciosamente seu ciúme ao ver a filha de 3 anos suspirar apaixonada pelo coleguinha bem mais velho, um sujeito de 4 anos.

MORMAÇO A tarde desfaz seus laços nos vãos dos últimos raios de sol. Já eu, noturna, vago, por esse espaço, de...

MORMAÇO
A tarde desfaz seus laços nos vãos dos últimos raios de sol. Já eu, noturna, vago, por esse espaço, de amarela cor e quente mormaço.