Desapareceria completamente do ar e da lembrança (Não que tivesse o menor interesse em alimentá-la) Mesmo porque de antes ele viera cu...

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Desapareceria completamente do ar e da lembrança

(Não que tivesse o menor interesse em alimentá-la)

Mesmo porque de antes ele viera cumprindo à risca

Aquilo que, certamente, era o completo receituário

De quem, como ele, se soubesse chegando ao final

De velhíssima alternância entre exposição e sumiço

E houvesse apenas essa saída, de sumir de uma vez



O jogo de cartas o ensinara a aritmética dos bolsos

Antes que aparecesse tardia e vagamente na escola

Onde os pais o puseram sem maiores investimentos

E provavelmente para apenas evitar muito falatório

Mas não tardariam a ter dele as primeiras desculpas

Sobre evasões, e foram, sem dúvida, complacentes

Quando se maldisse, jurando não retornar às aulas



Não causara qualquer tipo de dano mais perdurável

De modo que depois da viagem alguém fosse dizer:

O belo pavilhão ficava aqui, antes de ele atear fogo

Estão vendo esse baita rombo na cerca, ele que fez


Muito menos fizera algo que legasse a mais franzina

Ideia de que, aonde por aí aquele caminhão o levasse

Fosse resultar numa valia, significar qualquer chance



Os que o tinham por perto, sem se desviar dos afazeres

Escutariam em silencioso desdém o que dissesse, como

Se vê-lo fosse monótono tanto quanto à roupa que vestia

Cansados que já estivessem de sua costumeira excitação

Com uma sempre iminente viagem que jamais acontecia

E por isso não voltavam a com ele dividir velhos assuntos

Era como se não mais o vissem, ou o levassem em conta



Sequer se apercebia dos constrangimentos causados

Pela ênfase obsessiva de tão auto apregoado destino

Imensamente distante e vastíssimo de possibilidades

O inverso dali, onde tudo se arrasta e nada acontece

Onde a cada rua corresponde um dos dedos da mão

Ouvir, portanto, aquelas conversas resultava em dor

Melhor achar o jeito de ir passando, bem, obrigado



Chegara já num ponto sem retorno: sua própria casa

(Espelhando carta falsa) vinha então de muitos meses

Sem mais um lugar onde pessoas conversem sentadas

Possam pelas horas de refeição reunirem-se numa sala

Não se via mais cadeiras, ou mesas, quase tudo estava

Empilhado pelos cantos (enquanto talvez a verdadeira

Numa inevitável ficção, em algum lugar os aguardasse)



O indiscreto olhar por fresta de janela trouxe a notícia

E muitos respiraram aliviados quando ela soou, enfim:

Falava do caminhão encostado na madrugada anônima

Da movimentação silenciosa, da pressa sem despedida

Da muda agitação, imprevistos, frenesi de última hora

Do caminhão se descolando, descendo a íngreme ruela

Quando mal raiava, sanguínea e fresca, a madrugada



Alberto Lacet é artista plástico e escritor

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