Deus não concedeu a Tancredo Neves exercer em sua plenitude a Presidência da República do Brasil, mas permitiu-lhe, como mínima compensaçã...

Presidente Tancredo: o mandato de apenas 13 dias

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Deus não concedeu a Tancredo Neves exercer em sua plenitude a Presidência da República do Brasil, mas permitiu-lhe, como mínima compensação de tantos esforços, fruir, com todas as pompas pertinentes, a condição de chefe de Estado e de governo eleito por um período de treze dias, o tanto que durou sua viagem internacional antes da posse, no período de 25 de janeiro a 6 de fevereiro de 1985. Foi muito pouco, é verdade, para quem esperara tanto e de quem se esperava muito mais. Entretanto, diante da tragédia que o golpeou entre os dias 14 de março e 21 de abril de 1985, pode-se dizer que foi melhor que nada, pois deu-lhe a oportunidade única de viver, poucos dias antes da morte tristemente anunciada,
Tancredo Neves, em foto oficial da galeria de presidentes do Brasil.
a condição para a qual nascera, vivera e se qualificara: a de estadista.

O objetivo dessa viagem internacional não era propriamente resolver nem encaminhar qualquer assunto ou pendência. Como presidente eleito, Tancredo não podia ainda falar pelo país nem comprometer-se a nada. Mas é óbvio que aqueles primeiros e rápidos encontros com outros chefes de Estado e de governo já serviriam para ir abrindo as portas que, depois da posse, precisariam ser adentradas por um presidente que herdaria um país com muitos problemas. Sem falar, e talvez isso fosse o mais importante naquele momento, na legitimidade que os países visitados confeririam ao futuro mandatário brasileiro, ainda inseguro, justificadamente inseguro quanto a eventuais – e possíveis - reações dos órfãos da ordem militar que sairia de cena a partir do dia 15 de março de 1985. Por tudo isso, tanta importância e tantos cuidados foram atribuídos à estreia internacional de Tancredo.

A comitiva foi compreensivelmente pequena e os deslocamentos deram-se em aeronaves comerciais regulares e não em avião oficial ou fretado. E apenas as autoridades mais graduadas viajaram em classe executiva; os demais, a maioria, foram de classe econômica. Era o bom exemplo inicial de austeridade que a Nova República dava ao Brasil e ao mundo. Além de Tancredo, Dona Risoleta e seu neto Aécio, o grupo foi composto pelo embaixador Paulo Tarso Flecha de Lima e sua esposa, Lúcia, os diplomatas Rubens Ricupero, Álvaro Alencar, Sérgio Danese e Cesar Moreira, o assessor de imprensa José Augusto Ribeiro, além do publicitário Mauro Sales. Viajaram também com o grupo dois militares da Polícia Militar de Minas Gerais, como seguranças do presidente eleito.

A viagem começou por Roma, em 25 de janeiro de 1985. Lá, o presidente eleito encontrou-se com o Papa João Paulo II, o primeiro-ministro Bettino Craxi, o presidente italiano Sandro Pertini,
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o senador Amintore Fanfani, o empresário Giovanni Agnelli e os jogadores de futebol brasileiros que atuavam na Itália: Toninho Cerezo, Sócrates, Júnior, Dirceu e Batista.

De Roma, Tancredo e apenas um número reduzido de acompanhantes foram a Biarritz, na França, para encontrar-se com o presidente francês François Mitterrand em sua casa de campo. Após o encontro, voltaram para Roma.

A escala seguinte foi em Lisboa, onde a recepção a Tancredo foi calorosa, não só pelos laços históricos e culturais que unem desde sempre Brasil e Portugal, mas também pelo fato de que os portugueses tinham conquistado há pouco a volta à democracia, de modo que a recente democratização brasileira constituía uma festa para todos. Tancredo foi recebido pelo primeiro-ministro Mário Soares e pelo presidente Ramalho Eanes, discursou na Assembleia da República e recebeu o título de Doutor Honoris Causa na Universidade de Coimbra, ponto alto da viagem, no qual a emoção aflorou com intensidade entre brasileiros e portugueses.

Agora Madrid. O encontro com o Rei Juan Carlos I e com o primeiro-ministro Felipe González repetiu, em tom menor, o calor de Portugal. E não poderia ser diferente, pois os vínculos da península ibérica com o Brasil são antigos e fortes. Solicitado pelo experiente Tancredo, o jovem primeiro-ministro espanhol deu-lhe o mesmo conselho que recebera anteriormente do primeiro-ministro sueco Olof Palme: “Escolha um bom ministro da Economia que oitenta por cento dos seus problemas estarão resolvidos”. O rei e a rainha ofereceram um jantar ao presidente eleito do Brasil e à sua comitiva. Chamou a atenção de todos a simplicidade dos monarcas, “cujas filhas serviram os salgadinhos e o café”. Veja só.

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Madri, 30/jan/1985 ▪ Felipe González, primeiro-ministro da Espanha, recebe Tancredo Neves, como presidente eleito do Brasil. | ImagemFundación Felipe González

Washington. Mais cordialidade diplomática que emoção. E não poderia ser diferente, digo novamente. Uma certa frieza pragmática marca as relações dos EUA com o resto do mundo. Nem com a Inglaterra, da qual foram colônia, os americanos se emocionam, como acontece com os brasileiros em relação a Portugal. Não há sentimentos, apenas interesses. Com o Brasil, irmão pobre ao sul do Equador, não seria diferente.

No encontro com o presidente Reagan e com o Secretário de Estado George Shultz, Tancredo pode antever o que o esperava nas relações bilaterais com os EUA. O brasileiro discursou na Assembleia da Organização dos Estados Americanos e no National Press Club, e conversou com os presidentes do Banco Mundial e do Banco Interamericano de Desenvolvimento. Essa escala em Washington foi sem dúvida, para Tancredo, o ponto menos doce da jornada.

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Tancredo Neves em sua passagem pelos Estados Unidos, 1985. ▪ Imagens:
Depois, o México. Encontro com o presidente Miguel de la Madrid e outras autoridades mexicanas. O México era (e ainda é) um companheiro do Brasil na luta contra o subdesenvolvimento, mas não deixava (nem deixa) de ser também um concorrente comercial. Visita cordial.

Finalmente, Buenos Aires, escala parecida com a de Portugal, marcada por cívicas emoções. O país vizinho, com o Presidente Raul Alfonsín, reconquistara havia pouco a democracia. Havia, portanto, motivo de júbilo recíproco no encontro entre os dois políticos. Além de Alfonsín e outras autoridades, Tancredo encontrou-se com o maior dos argentinos vivo, patrimônio mundial, o escritor Jorge Luis Borges, então com 84 anos. Do almoço que os reuniu, o diplomata brasileiro Rubens Ricupero fez as seguintes anotações:
“A mesa onde sentaram os presidentes parecia marcada pela alegria e bom humor, com os mandatários contando-se anedotas políticas e dando todos os sinais de que eram velhos amigos”. Cordialidade pura entre vizinhos que enfrentaram as mesmas sombras do autoritarismo. A condição sul-americana falou mais alto que quaisquer divergências.

E assim terminou a viagem internacional de Tancredo Neves, belamente narrada no livro de Rubens Ricupero Diário de Bordo – A viagem presidencial de Tancredo (Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2010). Esses treze dias de peregrinação pelo mundo representou “o momento presidencial” de Tancredo, como o chamou Celso Lafer, o sabor que lhe foi dado sentir da presidência da República nunca assumida, por força de uma acaso louco ou de um misterioso destino. Nesses poucos dias, mesmo que ainda não empossado, ele foi efetivamente recebido e saudado por todos como o presidente de fato do Brasil, já que o presidente Figueiredo, no ocaso melancólico de seu mandato, não mais dispunha de qualquer representatividade política.

Essa curta e feliz viagem foi, sem nenhuma dúvida, um justo presente dos deuses a quem tanto fizera por merecê-lo.

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  1. Tancredo esperançou os corações do povo brasileiro! O ministro da justiça de Vargas , o primeiro ministro do parlamentarismo com João Goulart, o governador de Minas e o senador , depois da frustração das Diretas Ja , incorporou o sentimento de mudança e esperança por um novo Brasil . Sua morte enlutou o Brasil !

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