Uma visita às raízes sempre alegra a alma, porque a identificação com as características dos antepassados, justifica a vida, na contínua t...

Raízes soltas

orquidea momentos recordar preservacao jardim plantar
Uma visita às raízes sempre alegra a alma, porque a identificação com as características dos antepassados, justifica a vida, na contínua transmissão de afinidade. Talvez, o nome dessa sensação seja saudade, ou mesmo, reparação do elo quebrado, quando não só as fotos antigas são suficientes para encher a casa grande de risos, brincadeiras e união. É necessário caminhar pelos mesmos lugares, ver as mesmas imagens, guardar momentos que ainda se podem encontrar... e colar na memória recente, a história que foi contada.

“A saudade é o que faz as coisas pararem no tempo” (Mário Quintana).

O sítio dos avós sempre representou o paraíso dos sonhos: a partir do grande e pesado portão de madeira, um percurso de emoções inesquecíveis, levava até a cachoeira,
lugar proibido na infância, para os menores, pois havia risco de quedas e até afogamento nas suas águas. Situava-se à uma distância considerável, e personificava a maçã do desejo. Descia velozmente da pedra mais alta, espalhando seu véu de branca espuma sobre todo o lajedo. Plantas conhecidas como “Ave Maria”, constituíam a vegetação ribeirinha. Colher suas sementes acinzentadas para fazer terços, era melhor parte do passeio! Com cestas pequenas, adicionava cada presente da natureza, frutas, sementes, flores, e retornava à cidade com as lembranças, como se roubasse um significado especial. As borboletas perfumadas, marcavam a vereda aberta da volta, fixando no olfato o complemento de todos os sentidos.

“A flor, em sua fugaz existência, já é oferenda” (Mia Couto).

Pouco antes da Pandemia, a prima querida, Mariazinha, herdeira e mantenedora da terra e da tradição familiar convidou para um almoço. O cardápio respeitado e preferido, exatamente igual ao tempo dos avós.

Ao chegar, após os cumprimentos, o impulso premente de percorrer o sítio... o portão ladeado por jabuticabeiras carregadas de frutas, abriu-se após um rangido, para o pomar. Mangueiras, jaqueiras, bananeiras, laranjeiras disputavam um raio de sol. O solo úmido e frio, totalmente coberto por crótons nativos, multicoloridos, misturados de forma aleatória, variando do verde ao vermelho. O andar cuidadoso para não pisar em nenhum deles. O cheiro das frutas da estação completava o enlevo e abstração!

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Mas, dessa vez um empecilho à frente acordou para a realidade. Uma mangueira centenária tombara e se desfazia em retraços apodrecidos de madeira, e da morte, resistia a vida, de orquídeas pequenas, amarelas, plantadas naquela árvore há quantos anos!!! Como não eram nativas, as providências foram tomadas, uma nova cesta as recolheu delicadamente, algumas ainda presas à casca mãe adotiva. Havia um sentimento de preservar e continuar a tarefa iniciada com tanto amor. Toquinhos de madeira propícia acolheram as órfãs, até que se adaptaram e procuraram a tela de proteção para encontrar o sol.

“Na plenitude da felicidade, cada dia, é uma vida inteira” (Goethe).

No entanto, existe um tempo, como referido na Bíblia, tempo de plantar e de colher, de sorrir e de chorar... e um outro tempo, o de se surpreender e decepcionar...

Uma comunicação pouco amistosa, solicitou a retirada das orquídeas, porque “desfiguravam e desvalorizavam” o edifício!

“É preciso regar as flores sobre o jazigo das amizades extintas” (Carlos Drummond de Andrade).

Mais uma vez, foram transportadas do seu lugar. Raízes novas, branquinhas, arrancadas e submetidas ao estresse. Um novo local, uma casa própria as recebeu, onde não há condomínio! As orquídeas são exigentes, belas, exóticas, mas escolhem onde querem se desenvolver. Não precisam de adubo animal e só exalam perfume. As raízes soltas, desgarradas, semelhantes ao vínculo de vinte anos no mesmo endereço dos cuidadores. Não é fácil pensar em partir...

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O belo para grande parte das pessoas, passa ao largo do verde. Pode ser representado pelo vidro, e se for fumê, mais valioso, o aço inox, o granito, que agradam e revestem as fachadas dos prédios.

Atualmente, a Conferência do Clima em Glasgow, revela em macros termos, a situação do nosso país. Qual é a real possibilidade de atingir os objetivos de reduzir as emissões de GEE, proteger as florestas e a vegetação nativa? Poucos se importam com tão grave constatação!

“Tem gente surda e cega
Para a beleza e o valor da mata
Salve a Amazônia
Salve-se a selva ou não se salva o mundo!”
(Nando Cordel e Carlos Rennó).

As queimadas propositais, a ocupação de terras indígenas para mineração e criação de gado... será que é preciso limpar a terra das árvores que não rendem nada? Quem sabe a desertificação resultante da escavação e uso de substâncias tóxicas, seja uma imagem bonita para quem detesta o meio ambiente? As serrarias crescem assustadoramente e caminhões percorrem a Amazônia com cargas de madeira proibida!

“O amor à natureza não estimula nenhuma fábrica” (Aldous Huxley).

O que dizer depois disso, de orquídeas que se atrevem a quebrar a boa imagem de um edifício residencial, é um constrangimento estético!!!

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Em São Paulo, a cidade está florida. Alguém se preocupou em plantar lírios nos jardins verticais, nas paredes laterais dos viadutos, e a primavera faz a festa de lilás, laranja, branco e ... verde. As orquídeas estão nas árvores dos hospitais, das ruas dos Jardins, Higienópolis, Boa Vista, na Av. Nove de Julho, floridas e felizes, proporcionando paz e encanto. Do alto, as Quaresmeiras e Sucupiras reinam com o roxo. Lá, as flores não incomodam as pessoas.

Que possamos também seguir o curso das orquídeas, que mesmo sentindo a morte chegar, reúnem forças para florir uma última vez, e com isso garantir suas sementes. Que apesar de tudo, das perdas emocionais, tenhamos disponibilidade para acreditar que ainda existem seres humanos por quem vale a pena florir!

“O tempo é algo que não volta atrás.
Por isso plante seu jardim
E decore sua alma”
(Shakespeare).

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  1. Se orquídeas não condizem, destoam de um condomínio, que lugar é esse? Moram numa oficina?
    Meu Deus!

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