“ A ideia é trazer um pouco desse caminho cultivado por muitas mãos: das mestras que tivemos o prazer de compartilhar experiências, da...

As Calungas & os Tambores Femininos

A ideia é trazer um pouco desse caminho cultivado por muitas mãos: das mestras que tivemos o prazer de compartilhar experiências, das mulheres que participaram de nossas oficinas de percussão e que nos ensinam a cada conquista por elas alcançadas, pelas manifestações culturais afro-brasileiras que são o norte de nossa estrada(As Calungas)

Tenho um tambor dentro de mim. Digo isso porque, desde menina, não podia ouvir um Ala Ursa que queria seguir atrás. Aquele som, mais a liberdade de sair batucando pelas ruas e anônima, muito me tocavam lá dentro. Literalmente. Sou do Carnaval. Adoro. Muito mais do que o São João, como preferem outros. Mas no meu tempo, como dizem os mais velhos, não tínhamos o que hoje se apresenta. O máximo era o Corso, no Centro, e eu me conformava com o mela-mela, as lança-perfumes e o pouco que brinquei nos Clubes. Mas, nos salões da AABB e Cabo Branco, eu queria sumir entre os confetes e fazer os passos do frevo como hoje vejo no Recife. Deus sabe o que faz! Não fosse o mundo pequeno em que vivia, acho que eu teria dado para passista, se tivesse nascido no Rio. Na Mangueira, (fui uma vez num ensaio oficial e tremi nas bases). Ou no Acho é Pouco, em Olinda, onde brinquei no final dos anos 70 e começo dos 80. Ladeira abaixo.


Os blocos do Folia de Rua preencheram a minha alma depois de anos na sobriedade do Carnaval em praia, cerveja e caranguejo. Mormaço e silêncio. Vieram As Muriçocas, As Piabas, Virgens, Cafuçus, Confete e Serpentina, Picolé de Manga, Anjo Azul e, por último, As Raparigas de Chico. Por décadas me fantasiei como pude. Sozinha, como uma boa foliã que se preza. Tinha meus rituais. Concentração, saída do bloco, chegada em Tambaú, no Centro Histórico e/ou na Av. Tabajaras ouvindo Vai Passar de Chico.

Quem gosta de Carnaval é assim. Gosta do barulho/som alto, suadeira, multidão, trio elétrico, meio fio, orquestra de frevo, meio de rua, becos, pernas cansadas, mangueira dos bombeiros para refrescar, cerveja gelada, terraço da casa de Vitória Lima, música brega dos reis da breguice, etc e tal.

Nunca fui ao Carnaval do Rio. O momentum passou. Nem o da Bahia cantar Chame Gente com Caetano Veloso. Nossa! Quando assisto pela TV, me arrepio toda naquele encontro dos trios. Nem no Marco Zero e Recife Antigo. Mas dei uns passos ao som de Alceu Valença na abertura do Folia há anos, e desci o trio de Moraes Moreira nas Muriçocas até o Busto. Inesquecível! Uma energia e um Pombo Correio que eu queria voar longe para preencher todos os carnavais que não fui. Nós, quatro irmãs, somos todas apaixonadas por Carnaval. Puxamos à minha mãe que, para parir a caçula, Claude, foi antes ao Carnaval do Clube Cabo Branco, com a mala na mala do carro. Assim mesmo, com repetição e tudo. Saiu do Domingo da folia diretamente para a maternidade São Vicente de Paula e aí nasceu Claude, foliã de primeira.

Trazendo esse contexto todo para poder falar dos meus arrepios, pois eis que me deparei há alguns anos com As Calungas, essa maravilha de bloco de mulheres na percussão, vestidas de chita e a fazer barulho. O barulho da alegria das mulheres. Umas amigas que lá tocam os instrumentos e fiquei de orelha em pé. Um toque de ancestralidade, de Carnaval, do som de Naná Vasconcelos, com quem fiz oficina e aprendi a fazer o som da chuva. Uma bênção.

Ainda não tinha tido a oportunidade de entrar nesse bloco para, quem sabe, tocar o meu triângulo lá dos meus 12 anos no Conservatório de Música Luzia Simões. Nem de vê-las desfilarem. Mas este ano eu fui. Ver Graça Freire, Renata Domingues, Flávia Santos, e last but not least, Dodora Diniz que está eufórica com a sua experiência de bate bate o tambor.....

Chegou o Carnaval. E com ele a alegria do povo brasileiro. A extravagância e o Comigo ninguém pode do ano inteiro. Sei que o ano só começa depois do Carnaval. Tem um tempo já que não brinco, mas este ano, anos dos 70, fiquei com o bichinho me coçando lá dentro para arrumar uma fantasia, pintar a cara de glitter e cair no frevo. Dai-me saúde para esses passos. Lá fui eu!


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