Foi o próprio João Batista que falou: “Diz-se que poesia não se traduz. Mas se tenta.” É verdade. Pois se há realmente algo difícil de traduzir para outro idioma é poesia. Não raro custa interpretá-la até na mesma língua, como sabemos. Além do exímio domínio das línguas envolvidas, requer-se do tradutor muita sensibilidade poética, sem falar na capacidade criativa, requisito essencial do ofício. Claro que a prosa também exige muito, mas é evidente que a poesia é bastante mais complexa. O trabalho vai além da simples versão das palavras e frases, pois há que se alçar voo até as alturas da arte poética, na qual significantes e significados nem sempre – ou quase nunca – coincidem com o previsto nos dicionários. E nem sempre dispõe o exegeta de asas grandes e fortes o suficiente para o arriscado desafio.
Fui pesquisar e constatei que as palavras traduzir e trair possuem, em latim, o mesmo prefixo “trans”, que significa além, adiante. Traduzir vem de “trans” mais “ducere” (guiar, conduzir) e trair de “trans” mais “dare” (passar algo adiante, com prejuízo de alguém). Coisas diferentes, como se vê. Não que não possam se misturar, já que, ao traduzir, pode-se trair – e como! Todavia, certamente não é este o caso do livro ora tratado. João Batista jamais trairia Sérgio – e vice-versa. São tão amigos e afinados que o primeiro tomou a obra do segundo como tema de sua tese de doutorado.
João Batista de Brito e Sérgio de Castro Pinto @A União
Traduzir e trair. Traduzir é trair? Às vezes, sim. Mas não de má-fé, claro, mas por necessidade, segundo afirmam alguns tradutores. Trair na medida em que também criam – ou recriam - quando traduzem, sendo coautores da obra traduzida.
João Batista de Brito
@A União
@A União
Não sei se a poesia de Sérgio facilita ou não sua tradução. Não sei também se é correto afirmar que sua poesia parece ser mais objetiva que subjetiva, na medida em que, sabe-se, resulta mais da transpiração (a “luta com as palavras”) que da inspiração (a visita súbita e incerta das musas), para usar um clichê caro aos críticos literários. O certo é que é uma poesia contida, sem derramamentos nem desperdícios, deliberadamente restrita ao essencial, na qual busca-se dizer mais com menos. É uma poesia que economiza vocábulos não por avareza, mas para se expressar melhor, segundo os desígnios do poeta/artesão, um fino joalheiro, digamos, miniaturista. Nele, talvez se possa dizer, que prevalece o racional sobre o emocional, sem que isso jamais signifique ausência de emoção em seus poemas. Terá isso ajudado João?
Sérgio de Castro Pinto
@A União
@A União
Honesto, o tradutor, em sua apresentação, admite que, na tradução, pode ter havido perdas. Será mesmo? E se as houve, que importa, se certamente houve ganhos em compensação? O próprio livro já o é, não há dúvida. Essa literária e inevitável contabilidade faz parte do jogo quando se verte para outro idioma. E talvez aí esteja um dos encantos das traduções. Literatura nunca foi – nem pretende ser – exata ciência, ainda bem.
Patrick Tomasso
Ao criar seus poemas, Sérgio se traduz. João Batista traduz Sérgio. E nós, leitores, ao lê-los, traduzimo-nos. Ou pelo menos tentamos.